sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Seis princípios da ressuscitação volêmica.


Os avanços tecnológicos no suporte avançado de vida praticados nas unidades de terapia intensiva (UTI) garantem alicerce fisiológico temporário para pacientes com disfunções orgânicas múltiplas. Com a introdução do cateter de artéria pulmonar no início dos anos 70, a terapia intensiva passou por uma fase agressiva de suporte, principalmente no contexto de ressuscitação volêmica.

Baseado em parâmetros estáticos, como pressão venosa central (PVC) e pressão ocluída de artéria pulmonar (POAP), os pacientes recebiam grandes alíquotas de líquidos guiados por protocolos clínicos rígidos. Contudo, nos dias atuais, as evidências suportam a ideia de que balanço hídrico acumulado positivo e expansões volêmicas vigorosas geram edema tecidual que, por sua vez, comprometem as funções orgânicas, aumentando de forma significativa a morbidade e mortalidade dos pacientes. Um recente estudo de coorte envolvendo 46 países avaliou a infusão de fluídos na forma de ressuscitação e concluiu que “a prática atual e avaliação de manejo de fluidos em pacientes críticos parece ser arbitrária, não baseado em evidência e pode ser deletéria” (1).  

Diante do exposto e baseado em racionais fisiológicos, seguem seis princípios fundamentais para a infusão de fluídos.

1.       Fluido responsividade 

Fundamentalmente a única razão para infusão de fluidos no contexto de choque é aumentar o débito cardíaco (DC). Em caso de resposta negativa, a administração daquela alíquota não apresenta propósito e acaba se tornando deletéria (2). O paciente é considerado fluido responsivo quando ocorre aumento do DC de pelo menos 10% do valor basal após uma prova de volume (usualmente após 500 ml de cristaloide). A positividade da prova só ocorre quando duas condições são alcançadas: aumento do volume intravascular de tal forma que a PVC aumente e o retorno venoso também (3), ou quando os dois ventrículos estão na fase de ascensão da curva de Frank–Starling. Nesta última condição, o aumento do retorno venoso gera distensão das fibras cardíacas e maior força de contração aumentando o DC (2). Lembrar que apenas 50% dos pacientes críticos se encontram nesta fase. 

2.       Métodos acurados para fluido responsividade

Atualmente, existem muitas manobras para avaliar resposta a fluidos, contudo dois métodos dinâmicos parecem ser mais adequados e seguros (4).

A.    Passive Leg Raising: A grande vantagem desta técnica é que não é preciso infundir volume para realizar a prova, já que o sangue deslocado das pernas e pelve garante o teste e ao retornar as pernas para a posição horizontal os efeitos são revertidos. Em caso de positividade (aumento do DC > 10%), o médico está autorizado a realizar volume (5). Uma metanalise com 21 estudos confirmou o excelente valor da prova como preditor de fluido responsividade em pacientes críticos, com área sob a curva de 0,94 (6).
B.    Prova de volume com monitor de débito: Embora não seja considerada uma clara manobra de fluido responsividade, uma vez que a própria infusão de volume já é o teste, acaba sendo interessante. Neste caso se o médico perceber que o DC não aumentou poderá interromper a infusão de novas alíquotas, evitando assim balanço hídrico acumulado positivo e os efeitos colaterais da expansão volêmica. “Dentre os males o menor”, melhor fazer 500 ml sem resposta, do que valores bem maiores realizados de forma cega (7).

Existem outras manobras, contudo com menor precisão do que as anteriores: Delta PP ou variação da pressão de pulso, transthoracic measurements of the left ventricular outflow tract velocities (VTI) e variação da cava inferior com ultrassonografia. Estes superam os parâmetros estáticos, embora não sejam melhores do que os dois citados acima.
Lembre-se: sempre prefira um método dinâmico!

3.       Sinais clínicos, PVC e ecocardiograma transtorácico (ECOTT)

Nenhum destes parâmetros é confiável como determinantes para infusão de volume. Embora sinais clínicos como hipotensão, taquicardia, perfusão periférica lentificada, tempo de enchimento capilar superior a três segundos e extremidades frias, sejam importantes para identificar situações de perfusão inadequada, estes dados não têm o potencial de determinar volemia e responsividade a fluidos (8). A PVC ou a sua variação também não apresentam acurácia adequada (9). Da mesma forma o aumento da pressão arterial média (PAM) após a expansão é um pobre preditor de responsividade. Atualmente, a utilização do ECOTT na beira do leito para a realização do VTI com a finalidade de estimar o DC após expansão volêmica vem sendo realizada com frequência. Contudo, a técnica necessita de expertise e não é facilmente conseguida (requer janela torácica adequada, algo por vezes difícil em pacientes críticos) e reproduzida na UTI (10). O mesmo vale para a avaliação da cava inferior.

4.       O efeito da prova de volume é fugaz

A maioria das provas de volume é realizada em pacientes hipotensos. Entretanto, muitos se esquecem de que os efeitos hemodinâmicos da infusão de fluidos são pequenos e fugazes. Nunes e colaboradores avaliaram a duração destes efeitos em pacientes com choque circulatório. Neste estudo 65% dos pacientes eram responsivos a volume, contudo após cerca de 30 minutos da reanimação o DC retornava para os valores basais pré-infusão (11). Glassford e colaboradores avaliaram a resposta hemodinâmica de bolus de fluidos em pacientes sépticos através de uma revisão sistemática. Eles reportaram que embora a PAM aumentasse 7,8 ± 3,8 mmHg imediatamente após a infusão, a mesma retornava aos valores basais cerca de uma hora após (12).

5.       PVC alta é um fator que pode comprometer a perfusão orgânica

Um dos determinantes do fluxo de sangue para os órgãos é a diferença entre a pressão arterial e a pressão venosa (PAM – PVC) e esta, por sua vez, gera a força motriz para a perfusão tecidual. Contudo, nos extremos de pressão a autorregulação é perdida e a PVC se torna o maior determinante de perfusão orgânica e da microcirculatória. Particularmente os rins são afetados pelo aumento da pressão venosa, que, por sua vez, aumenta a pressão renal subcapsular diminuindo perfusão renal e taxa de filtração glomerular (13). Legrand e colaboradores demonstraram uma relação linear entre aumento de PVC e lesão renal aguda. Em pacientes críticos, com disfunção cardíaca prévia, aumentos de PVC acima de 8 mm Hg estão correlacionados com disfunção renal.

6.       Fluido responsividade não equivale a necessidade de bolus de fluidos

A maioria das pessoas saudáveis são responsivas a fluídos e se encontram na fase de ascensão da curva de Frank–Starling. Portanto, apresentam reserva de pré-carga e nem por isso precisam de volume para manter homeostase do organismo e sobreviver. Da mesma forma, pacientes críticos podem ser fluido responsivos e apresentarem pré-carga recrutável. Contudo, a infusão só deve ser concretizada os se benefícios hemodinâmicos superarem os riscos ocasionados pelo balanço hídrico acumulado positivo. Desta forma, os pacientes devem receber volume apenas se este trouxer benefício real e não simplesmente receber infusões sequenciais de volume de forma repetida enquanto forem responsivos as manobras. Lembrar que o efeito do cristalóide é fugaz e que a noradrenalina (por efeito alfa 1 e beta 1) pode gerar aumento de PAM, aumento do DC e melhora do retorno venoso, sem comprometer o balanço hídrico do paciente (14). 

Concluindo, a administração de fluidos no contexto de choque deve ser guiada por manobras de fluido responsividade combinada com o potencial deletério ou benéfico que a expansão irá gerar. De qualquer forma, grandes alíquotas devem ser evitadas!


Para os que tiverem interesse, o texto acima foi baseado na publicação do médico Paul E. Marik, na Critical Care Medicine 2016. Segue o link Abaixo, para consulta:





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Reposição volêmica em revisão clicando aqui.
- Monitorização hemodinâmica básica clicando aqui.
- Hipovolemia em pacientes graves clicando aqui.




Referências


4 comentários:

  1. excelente post!
    so faltou a prova de oclusao expiratoria final na ventilacao mecanica como avaliacao dinamica para fluido responsividade.

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  2. irmao, tem o artigo original para envio por email?? obrigado
    dlsoares15@gmail.com

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  3. Boa a revisao feita. Parabens!
    Entretanto, seria interessante talvez postar o conceito aqui adotado para "marcador dinâmico" eis que, salvo melhor opinião teria que estar sempre atrelado aos efeitos da interacao coracao-pulmao, isto é, às variacoes do ciclo respiratòrio, quer em paciente em ventilacao espontanea quer em ventilacao mecanica.Ainda o teste de elevação passiva das pernas nao seria um marcador mas representa a "prova de volume" usada junto com um marcador (estatico ou dinamico) mas que pela sua reversibilidade torna-se bastante segura para evitar eventuais efeitos deletetereos caso o paciente nao seja mais fluidoresponsivo

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