terça-feira, 8 de novembro de 2016

Dúvida a procura de respostas: Como determinar a origem da febre no paciente neurocrítico?

         

Artigo escrito pelo Dr. Hugo Lima, médico especializando em medicina intensiva, baseado nas discussões do Clube da Revista do Programa de Especialização em Medicina Intensiva – PEMI do Hospital São Domingos, em São Luís-MA. A equipe do blog agradece sua excelente colaboração.

            No dia-a-dia do intensivista, não é raro deparar-se com desafios diagnósticos e casos difíceis, muitas vezes num contexto em que qualquer falha ou deslize pode representar piora clínica ou mesmo a morte de um paciente. Especificamente no caso dos doentes neurocríticos, o surgimento de febre nos primeiros dias de internação em UTI nem sempre tem sua origem claramente estabelecida.
Vítimas de TCE grave, hemorragia intraparenquimatosa / subaracnoide ou encefalopatia de causas diversas podem apresentar alterações no centro termorregulador, levando à elevação persistente da temperatura corporal, não obstante medidas clínicas para controle da febre.

Por outro lado, tais pacientes, assim como a maioria dos doentes de UTI, geralmente são submetidos a ventilação mecânica, uso de cateteres venosos e vesicais, internação prolongada, dentre outras situações que, num contexto de gravidade, podem predispô-los a desenvolver infecções por germes hospitalares.
Neste cenário, o médico da UTI se depara com um enigma cuja solução é difícil de obter. A decisão a tomar, porém, é crucial para o desfecho clínico do paciente: assumir que a febre tem origem central e deixar de usar os antimicrobianos precocemente pode fazer o doente morrer por sepse, ao passo que usar antibióticos indiscriminadamente para todos – mesmo aqueles que não têm infecção – pode induzir resistência bacteriana e piores desfechos intra-hospitalares.
Pensando numa solução para este dilema, um grupo de pesquisadores da Mayo Clinic, no Minnesota, desenharam um estudo que pretendia criar uma ferramenta clínica baseada em evidências para diferenciar a febre de origem central da febre infecciosa, no contexto do paciente neurocrítico com elevação de temperatura de causa não esclarecida. O artigo original foi publicado no JAMA em outubro de 2013, com dados retrospectivos coletados entre 2006 e 2010.
No total, foram incluídos no estudo 526 pacientes adultos que tivessem apresentado temperatura central maior que 38,3ºC em pelo menos uma medida ao longo de dois dias consecutivos. Foram excluídos pacientes com outras causas definidas de febre não-infecciosa (TEP, uso de medicações, reações transfusionais, etc.). A febre foi considerada como infecciosa caso houvesse crescimento de espécies patogênicas em meios de cultura, ou diagnóstico clínico documentado de infecção tratada com antibióticos.

Como resultado principal, os autores obtiveram a seguinte tabela, que especifica os fatores associados à febre de origem central, bem como a probabilidade de certeza do diagnóstico de acordo com a combinação destes fatores:

Culturas negativas
Ausência de infiltrado na radiografia de tórax
HSA, hemorragia intraventricular ou tumor
Febre em até 72h da admissão
Probabilidade



X
,09

X


,13


X

,19
X



,22

X

X
,24


X
X
,33
X


X
,38

X
X

,42
X
X


,46
X

X

,58

X
X
X
,61
X
X

X
,65
X

X
X
,75
X
X
X

,81
X
X
X
X
,90

























No total, foram incluídos no estudo 526 pacientes adultos que tivessem apresentado temperatura central maior que 38,3ºC em pelo menos uma medida ao longo de dois dias consecutivos. Foram excluídos pacientes com outras causas definidas de febre não-infecciosa (TEP, uso de medicações, reações transfusionais, etc.). A febre foi considerada como infecciosa caso houvesse crescimento de espécies patogênicas em meios de cultura, ou diagnóstico clínico documentado de infecção tratada com antibióticos.
Como resultado principal, os autores obtiveram a seguinte tabela, que especifica os fatores associados à febre de origem central, bem como a probabilidade de certeza do diagnóstico de acordo com a combinação destes fatores:
A combinação dos quatro fatores (culturas negativas, ausência de infiltrado na radiografia de tórax, presença de HSA, hemorragia intraventricular ou tumor e febre em até 72h da admissão) prediz origem central para a febre em 90% dos casos! Uma verdadeira “mão na roda” para resolver a dúvida do início deste artigo.
Como direcionamento prático, os autores consideram inclusive descontinuar com segurança o uso de antibióticos nos pacientes que tiverem todos estes fatores em conjunto. Tal orientação é extremamente útil à beira-leito, na tomada de decisão.
Embora careça de maior validação, com uma casuística baseada em outros centros, este estudo contribui de forma objetiva para um tema de relevância clínica na prática da terapia intensiva neurológica, e deve ser lembrado nos casos em que houver dúvida sobre qual a melhor conduta a tomar.

Referência:
Hocker SE, Tian L, Li G, Steckelberg JM, Mandrekar JN, Rabinstein AA. Indicators of central fever in the neurologic intensive care unit. JAMA Neurol. 2013 Dec;70(12):1499-504.

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