Artigo escrito pelo Dr. Hugo Lima, médico especializando em medicina intensiva, baseado nas discussões do
Clube da Revista do Programa de Especialização em Medicina Intensiva – PEMI do
Hospital São Domingos, em São Luís-MA. A equipe do blog agradece sua excelente colaboração.
No
dia-a-dia do intensivista, não é raro deparar-se com desafios diagnósticos e
casos difíceis, muitas vezes num contexto em que qualquer falha ou deslize pode
representar piora clínica ou mesmo a morte de um paciente. Especificamente no
caso dos doentes neurocríticos, o surgimento de febre nos primeiros dias de
internação em UTI nem sempre tem sua origem claramente estabelecida.
Vítimas de TCE grave, hemorragia
intraparenquimatosa / subaracnoide ou encefalopatia de causas diversas podem
apresentar alterações no centro termorregulador, levando à elevação persistente
da temperatura corporal, não obstante medidas clínicas para controle da febre.
Por outro lado, tais pacientes,
assim como a maioria dos doentes de UTI, geralmente são submetidos a ventilação
mecânica, uso de cateteres venosos e vesicais, internação prolongada, dentre
outras situações que, num contexto de gravidade, podem predispô-los a
desenvolver infecções por germes hospitalares.
Neste cenário, o médico da UTI se
depara com um enigma cuja solução é difícil de obter. A decisão a tomar, porém,
é crucial para o desfecho clínico do paciente: assumir que a febre tem origem
central e deixar de usar os antimicrobianos precocemente pode fazer o doente
morrer por sepse, ao passo que usar antibióticos indiscriminadamente para todos
– mesmo aqueles que não têm infecção – pode induzir resistência bacteriana e
piores desfechos intra-hospitalares.
Pensando numa solução para este
dilema, um grupo de pesquisadores da Mayo Clinic, no Minnesota, desenharam um
estudo que pretendia criar uma ferramenta clínica baseada em evidências para
diferenciar a febre de origem central da febre infecciosa, no contexto do
paciente neurocrítico com elevação de temperatura de causa não esclarecida. O
artigo original foi publicado no JAMA em outubro de 2013, com dados
retrospectivos coletados entre 2006 e 2010.
No total, foram incluídos no
estudo 526 pacientes adultos que tivessem apresentado temperatura central maior
que 38,3ºC em pelo menos uma medida ao longo de dois dias consecutivos. Foram
excluídos pacientes com outras causas definidas de febre não-infecciosa (TEP,
uso de medicações, reações transfusionais, etc.). A febre foi considerada como
infecciosa caso houvesse crescimento de espécies patogênicas em meios de
cultura, ou diagnóstico clínico documentado de infecção tratada com
antibióticos.
Como resultado principal, os
autores obtiveram a seguinte tabela, que especifica os fatores associados à
febre de origem central, bem como a probabilidade de certeza do diagnóstico de
acordo com a combinação destes fatores:
Culturas
negativas
|
Ausência
de infiltrado na radiografia de tórax
|
HSA,
hemorragia intraventricular ou tumor
|
Febre
em até 72h da admissão
|
Probabilidade
|
X
|
,09
|
|||
X
|
,13
|
|||
X
|
,19
|
|||
X
|
,22
|
|||
X
|
X
|
,24
|
||
X
|
X
|
,33
|
||
X
|
X
|
,38
|
||
X
|
X
|
,42
|
||
X
|
X
|
,46
|
||
X
|
X
|
,58
|
||
X
|
X
|
X
|
,61
|
|
X
|
X
|
X
|
,65
|
|
X
|
X
|
X
|
,75
|
|
X
|
X
|
X
|
,81
|
|
X
|
X
|
X
|
X
|
,90
|
No total, foram incluídos no
estudo 526 pacientes adultos que tivessem apresentado temperatura central maior
que 38,3ºC em pelo menos uma medida ao longo de dois dias consecutivos. Foram
excluídos pacientes com outras causas definidas de febre não-infecciosa (TEP,
uso de medicações, reações transfusionais, etc.). A febre foi considerada como
infecciosa caso houvesse crescimento de espécies patogênicas em meios de
cultura, ou diagnóstico clínico documentado de infecção tratada com
antibióticos.
Como resultado principal, os
autores obtiveram a seguinte tabela, que especifica os fatores associados à
febre de origem central, bem como a probabilidade de certeza do diagnóstico de
acordo com a combinação destes fatores:
A combinação dos quatro fatores
(culturas negativas, ausência de infiltrado na radiografia de tórax, presença
de HSA, hemorragia intraventricular ou tumor e febre em até 72h da admissão) prediz
origem central para a febre em 90% dos casos! Uma verdadeira “mão na roda” para
resolver a dúvida do início deste artigo.
Como direcionamento prático, os
autores consideram inclusive descontinuar com segurança o uso de antibióticos
nos pacientes que tiverem todos estes fatores em conjunto. Tal orientação é
extremamente útil à beira-leito, na tomada de decisão.
Embora careça de maior validação,
com uma casuística baseada em outros centros, este estudo contribui de forma
objetiva para um tema de relevância clínica na prática da terapia intensiva
neurológica, e deve ser lembrado nos casos em que houver dúvida sobre qual a
melhor conduta a tomar.
Referência:
Hocker SE, Tian L, Li G, Steckelberg JM, Mandrekar JN, Rabinstein AA. Indicators
of central fever in the neurologic intensive care unit. JAMA Neurol. 2013
Dec;70(12):1499-504.
Muito Interessante! Parabéns pela matéria!
ResponderExcluirExcelente artigo!
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