Após duas décadas da criação dos conceitos de sepse, sepse grave e choque séptico (Sepse-1 de 1991 e Sepse-2 de 2001), uma nova definição foi apresentada no 45º congresso da SCCM e publicada no JAMA. Justificadas pela necessidade de uma melhor definição baseada nos avanços do conhecimento fisiopatológico da doença, as alterações da Sepse-3 foram propostas por uma task force composta por grandes nomes da terapia intensiva mundial e submetidas a várias sociedades ao redor do mundo para endosso.
- Sepse: disfunção orgânica ameaçadora a vida secundária a resposta do hospedeiro a uma infecção. Disfunção orgânica: aumento em 2 pontos no escore SOFA (Sequential Organ Failure Assessment). Para pacientes com necessidade de diagnóstico mais precoce e avaliações mais frequentes, pode-se utilizar o quick SOFA (SOFAq). SOFAq: Pressão arterial sistólica < 100mmHg, Alteração do nível de consciência (qualquer pontuação na escala de coma de Glasgow menor que 15), Frequência respiratória > 22 ipm
Sepse Grave:Classificação extinta (as disfunções orgânicas foram incorporadas no próprio conceito de sepse).
- Choque Séptico: Anormalidade circulatória e celular/metabólica secundária a sepse, grave o suficiente para aumentar significativamente a mortalidade. Define-se como hipotensão persistente que requer o uso de vasopressores para manter PAM ≥ 65mmHg e lactato ≥ 2mmol/L após adequada ressuscitação volêmica.
Muito além de nomenclaturas, esta atualização desafia as questões estratégicas relacionadas ao combate da doença no mundo, em especial em países subdesenvolvidos onde a mortalidade é alarmante, praticamente o dobro dos países desenvolvidos. Uma das principais críticas implicadas na utilização dos novos critérios são:
- Não envolvimento de países de baixo e médio recursos (Low and middle income countries – LMIC) nas decisões e implicações da nova definição
- Novos critérios diminuem a sensibilidade do diagnóstico, o que potencialmente dificulta o manejo em tempo hábil da sepse em locais não privilegiados (LMIC) onde o maior desafio é reconhecer a doença.
- Escores SOFA e qSOFA têm limitações de validação tanto para triagem quanto para classificação de gravidade.
- Retirada da hiperlactatemia como critério de disfunção orgânica
Apesar do documento ter sido endossado pela grande maioria das sociedades, devido a esses e outros pontos não houve unanimidade. O ILAS (Instituto Latino-Americano da Sepse) publicou em sua página razões para sua posição contrária às novas definições. Vale a pena conferir clicando aqui.
Vale também a releitura do post "Sepse sem critérios de SIRS?"
Boa semana!
O post acima foi bem colocado. Temos que conseguir ver o que as novas definições tem de bom e também o risco que elas representam.
ResponderExcluirCoisas boas -
1. Retirar os critérios de SIRS da definição de sepse parece adequado. Eles tem problemas tanto de especificidade como sensibilidade e, portanto, não se prestam a uma definição. Por outro lado, são fundamentais para o processo de triagem de pacientes com suspeita de infecção. Esse papel dos critérios de SIRS precisaria ter sido ressaltado no documento. Esquecer os critérios de SIRS pode levar a redução importante da sensibilidade principalmente em países como o nosso.
2. Extinção da nomeclatura sepse grave também pode ser adequada. Ficará ao longo do tempo mais fácil identificar esse nome com uma situação de risco.
Entretanto, as vantagens estão muito aquém dos riscos.
1. A redefinição de disfunção orgânica baseada na mudança de dois pontos do SOFA deixa fora do critério pacientes que tenham tido hipotensão ou Glasgow abaixo de 13 (SOFA 1). Para locais como nosso pais, reduzir a atenção dos profissionais de saúde para com essas disfunções pode ser desastroso.
2. qSOFA - não devemos misturar o que é um escore preditivo de óbito (baseado numa curva ROC) de algo que nos serve a beira leito para identificar um paciente com risco de deterioração. Eu, particularmente, prefiro identificar alguém que tem risco de piorar e não alguém que tem alto risco de morrer do ponto de vista estatístico. Se ao menos o task force tivesse se limitado a exigir um dos componentes do qSOFA como critério de sepse seria menos inaceitável. Agora, querer que a gente espere ate o paciente ter taquipneia E hipotensão, ou taquipneia E rebaixamento, ou ainda pior hipotensão E rebaixamento (duas disfunções) para acionar condutas é não vivenciar a realidade dos hospitais na beira do leito dos pacientes. A figura do artigo é irresponsável. Algo validado como score preditor não pode ser sugerido como screening e guia de conduta sem uma avaliação cuidadosa. A SCC coloca sua estratégia de screening na presença de uma única disfunção e salvou milhares de vidas.
3. Pacientes com lactato acima de 4 mmol/L não podem ser considerados como infecção não complicada só porque 11 entre 17 pessoas assim o pensam. Isso é um erro. NO banco de dados do ILAS (não publicado) paciente sem choque e com lactato acima de 4 tem mortalidade de 55% em nossos prontos socorros públicos. Isso não é uma infecção não complicada no nosso meio. Isso foi claramente apontado pelo ILAS na sua resposta com as razões de recusa ao pedido de endosso e totalmente ignorado pelos membros do task force. Alias, as diferenças entre high and LMICs foram totalmente ignoradas pelos notórios membros da task force, todos vivenciando realidades bem diferentes da nossa.
Vamos aguardar. As manifestações contrárias não se limitam ao ILAS. Tanto o American College of Chest Physicians e o American College of Emergecy Physicians recusaram endosso ao documento. Vejam no link o editorial da Chest http://bit.ly/1oJbDvI
E vamos aguardar todas as inúmeras cartas que virão de todo o mundo para o JAMA. Quem sabe assim a task force se convence a revisar o quanto antes esse documento?
Abraços a todos!
Flavia R Machado
UNIFESP
ILAS