Tradicionalmente, o prolongamento
do tempo da protrombina/relação internacional normalizada (TP/INR) ou do tempo
de tromboplastina ativada (TTPA) são considerados como sugestivos de um risco
aumentado para hemorragias. Contudo, o gatilho de níveis alargados ≥1,5 vezes
do INR/TTPA não têm embasamento em evidências de elevada qualidade para apoiar
seu uso no diagnóstico de coagulopatias com tendência a sangramentos. [1]
Na realidade, o TP/INR e o TTPA
foram desenvolvidos para monitorar a terapia anticoagulante com inibidores da
vitamina K e com heparina, respectivamente. No passado, grandes estudos em
vítimas de trauma identificaram uma associação entre prolongamento dos testes
de coagulação e mortalidade. Contudo, tais estudos não identificaram que estes
pacientes morriam mais porque sangravam mais. 1
Muito embora estes testes da
coagulação revelem, de fato, deficiências de fatores de coagulação, o
prolongamento dos referidos testes de forma alguma pode ser considerado como um
indicador seguro de um estado de tendência hemorrágica. Como veremos a seguir,
diversas situações onde estes testes estão prolongados são, na realidade,
estados pró-trombóticos.
Entre estas situações,
inicialmente aparentemente esdrúxulas, encontram-se a trombocitopenia induzida
pela heparina, as neoplasias, a síndrome antifosfolípide, mas também a
insuficiência hepática severa, o choque séptico e o choque cardiogênico.
A neoplasia e a trombocitopenia
induzida pela heparina são notoriamente estados trombofílicos. Nesta situação,
o tratamento de uma trombose venosa profunda (TVP) com varfarina (antagonista
da vitamina K) pode associar-se a necrose isquêmica distal de extremidades
(figura 1), geralmente no mesmo membro acometido pela TVP, resultante de uma
acentuação da trombose venosa na microcirculação com pressões venosas e
intersticiais suficientes para colapsar pequenas artérias e arteríolas. O
quadro laboratorial característico inclui trombocitopenia e INR que tipicamente
excede 4,0!! [2]
Paradoxalmente, ao invés de apresentar sangramentos, como usualmente se
imagina, o paciente acentua seu estado de hipercoagulabilidade.
Gangrena periférica simétrica.
Fonte: Warkentin TE et al. N Engl J Med 2015;373:642-655.
Os antagonistas da vitamina K,
como a varfarina, não só deprimem os níveis dos fatores de coagulação,
alargando o INR, mas também depletam a proteína C, um importante regulador
natural da coagulação, a qual tem ação homeostática anticoagulante, e cuja
produção também depende da vitamina K. Na vigência de um estado de
hipercoagulabilidade, a redução da proteína C, faz a “balança” pender para o
lado da coagulação, apesar da depleção concomitante de fatores da coagulação
vitamina K dependentes (fatores II, VII, IX, X).
Evolução clínica característica em paciente com neoplasia que desenvolveu TVP, sendo tratado com heparina sobreposta a varfarina e então progride para necrose isquêmica no membro em associação com trombocitopenia e aumento abrupto no INR para níveis supraterapêuticos. O paciente não apresentava anticorpos ativadores de plaquetas dependentes de heparina (não era trombocitopenia induzida por heparina). Fonte: Warkentin TE et al. N Engl J Med 2015;373:642-655.
A sepse, o choque cardiogênico e a
insuficiência hepática severa são situações clínicas que também comumente
cursam com prolongamento dos tempos de coagulação e trombocitopenia, mas que na
prática se manifestam como estados pró-trombóticos. Novamente, o denominador
comum é a depleção de anticoagulantes naturais sintetizadas no fígado, tais
como a proteína C e a antitrombina, seja devido à insuficiência hepática vista
em diversas doenças hepáticas graves[3]
ou devido a disfunção hepática presente em situações de choque severo (hepatite
isquêmica aguda ou “fígado de choque”).
Portanto, na próxima vez em que
seu paciente crítico apresentar prolongamento do INR/TTPA não saia correndo
atrás de plasma. Analise bem o contexto, pois talvez você precise anticoagular esse paciente...!!
����
ResponderExcluirQuem tem essa doença pode morrer ou nao
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