sexta-feira, 10 de abril de 2015

Sepse sem critérios de SIRS ???


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Em março de 2015, no New England Journal of Medicine, foi publicado um estudo do grupo ANZICS (Australia and New Zealand Intensive Care Society), denominado Systemic Inflamatory Response Syndrome Criteria in defining Severe sepsis, que avaliou a sensibilidade dos critérios de SIRS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica) na definição do diagnóstico de sepse.
          
       Desde 1992, o quadro é confirmado quando o paciente apresenta 2 entre 4 destes critérios, associados à infecção presumida ou confirmada: 
  •  FC > 90 bpm 
  • Febre (T > 38,3º C) ou hipotermia (T < 36ºC) 
  • Taquipnéia (Fr > 20 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg)
  • Leucocitose > 12.000 cels/mm ou leucopenia < 4.000 cels/mm ou a presença de > 10% de formas jovens (bastões)
            Neste contexto, quando coexistir disfunção orgânica denomina-se sepse grave e, na presença de hipotensão refratária a expansão volêmica, choque séptico. Obviamente que a mortalidade aumenta progressivamente nestas duas últimas condições.  

Muitos pacientes podem não apresentar os critérios de SIRS, a despeito da presença de infecção, e evoluir com disfunções orgânicas de maneira desfavorável. No dia a dia, inúmeras são as situações que influenciam na ausência dos sinais ou sintomas que caracterizam a síndrome: pacientes idosos com resposta inflamatória menos exacerbada em relação aos jovens, medicações antitérmicas utilizadas (dipirona, paracetamol, AINH), fármacos que podem deprimir o drive respiratório (morfina) e frequência cardíaca (beta bloqueadores). Com base nestes argumentos, muitos questionam a acurácia dos critérios de SIRS no diagnóstico de sepse.

O estudo foi retrospectivo, multicêntrico, derivado da análise do banco de dados contendo todas as admissões em UTI´s da Austrália e Nova Zelândia, no período entre janeiro de 2000 à dezembro de 2013. Os conceitos de sepse, sepse grave e choque séptico seguiram o modelo descrito acima. A definição de disfunção orgânica foi baseada na presença de score SOFA > 3. Todas estas condições foram avaliadas nos registros das primeiras 24 horas após admissão na UTI. Foram comparados os desfechos nos grupos com infecção e presença de SIRS (grupo SIRS positiva) e com infecção sem SIRS (grupo SIRS negativa). 

No estudo, dos 1.171.797 pacientes internados nas 172 UTI´s, 109.663 tinham registro de infecção e disfunção orgânica. Destes, 96.385 (87,9%) tinham sepse com SIRS positiva e 13.278 (12,1%) sepse com SIRS negativa, ou seja, 1 em cada 8 pacientes com infecção e disfunção orgânica não cursou com SIRS. No grupo SIRS positiva, os pacientes foram mais jovens, mais graves, com maior risco de evolução para choque séptico, insuficiência renal aguda e apresentavam maior mortalidade. Entre os com sepse e SIRS negativa, 20% não preenchiam nenhum sinal da SIRS e 80% apresentaram apenas 1 critério (o principal era leucocitose, seguido de aumento da FC e da FR, respectivamente). (Figura 1)

 Figura 1: Características do Baseline.
 




Na análise dos critérios de SIRS em relação à mortalidade é interessante notar que ocorre aumento linear de 13% a cada critério preenchido pelos pacientes. Ou seja, quanto maior o número de critérios, maior a mortalidade (OR para cada critério adicional, 1.13; 95% CI, 1.11 para 1.15; p<000.1). (Figura 2)

Figura 2: Mortalidade dos pacientes de acordo com o número de critérios da SIRS.


A mortalidade absoluta em ambos os grupos diminuiu ao longo dos últimos anos, provavelmente refletindo as melhorias terapêuticas, das tecnologias e dos serviços de saúde (redução de mortalidade absoluta anual na ordem de 1.3 pontos percentuais). 

Neste estudo epidemiológico, a exigência de dois ou mais critérios SIRS para o diagnóstico de sepse grave excluiu um grupo considerável de pacientes na UTI com infecção e falência de órgãos. Os pacientes com sepse grave e SIRS-negativa apresentaram mortalidade substancial e tinham características epidemiológicas semelhantes aos com SIRS-positiva, evidências indiretas de que esses grupos de pacientes representam fenótipos distintos de uma mesma condição. Além disso, o risco de morte aumentou linearmente com cada critério adicional de SIRS 0-4, sem um aumento transitório do risco com 2 critérios que justifique este consensual ponto de corte. 

O estudo tem algumas limitações, como ter apenas analisado os dados das primeiras 24horas da UTI e com dificuldades na codificação do correto diagnóstico de sepse. Além disso, os dados tem origem dos registros em um banco destinado a gestão de qualidade e não pesquisa. Os pacientes caracterizados com sepse e critérios de SIRS podem ter apresentado esses sinais em virtude de outros processos inflamatórios, ou injurias como trauma e cirurgias, e não necessariamente infecções.

Apesar dessas ressalvas, as descobertas desafiam a sensibilidade e validade da atual regra definida em relação a presença de 2 ou mais critérios de SIRS para diagnosticar sepse. Cabe nossa atenção aos pacientes com história clínica sugestiva de infecção e com disfunções orgânicas, mesmo que sem sinais de SIRS. Nestes, provavelmente devemos realizar a mesma terapêutica atual adotada para sepse grave / choque séptico, no intuito de diminuir mortalidade. Possíveis considerações surgirão em breve na revisão da conferência de consenso.

(1).  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25776936

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