Em março de 2015, no New
England Journal of Medicine, foi publicado um estudo do grupo ANZICS (Australia
and New Zealand Intensive Care Society), denominado Systemic Inflamatory
Response Syndrome Criteria in defining Severe sepsis, que avaliou a sensibilidade
dos critérios de SIRS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica) na
definição do diagnóstico de sepse.
Desde 1992, o quadro é confirmado quando
o paciente apresenta 2 entre 4 destes critérios, associados à infecção
presumida ou confirmada:
- FC > 90 bpm
- Febre (T > 38,3º C) ou hipotermia (T < 36ºC)
- Taquipnéia (Fr > 20 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg)
- Leucocitose > 12.000 cels/mm ou leucopenia < 4.000 cels/mm ou a presença de > 10% de formas jovens (bastões)
Neste contexto, quando
coexistir disfunção orgânica denomina-se sepse grave e, na presença de hipotensão
refratária a expansão volêmica, choque séptico. Obviamente que a mortalidade
aumenta progressivamente nestas duas últimas condições.
Muitos pacientes podem não
apresentar os critérios de SIRS, a despeito da presença de infecção, e evoluir com
disfunções orgânicas de maneira desfavorável. No dia a dia, inúmeras são as
situações que influenciam na ausência dos sinais ou sintomas que caracterizam a
síndrome: pacientes idosos com resposta inflamatória menos exacerbada em
relação aos jovens, medicações antitérmicas utilizadas (dipirona, paracetamol,
AINH), fármacos que podem deprimir o drive respiratório (morfina) e frequência
cardíaca (beta bloqueadores). Com base nestes argumentos, muitos questionam a
acurácia dos critérios de SIRS no diagnóstico de sepse.
O estudo foi retrospectivo,
multicêntrico, derivado da análise do banco de dados contendo todas as admissões
em UTI´s da Austrália e Nova Zelândia, no período entre janeiro de 2000 à
dezembro de 2013. Os conceitos de sepse, sepse grave e choque séptico seguiram
o modelo descrito acima. A definição de disfunção orgânica foi baseada na
presença de score SOFA > 3. Todas estas condições foram avaliadas nos registros
das primeiras 24 horas após admissão na UTI. Foram comparados os desfechos nos
grupos com infecção e presença de SIRS (grupo SIRS positiva) e com infecção sem
SIRS (grupo SIRS negativa).
No estudo, dos 1.171.797
pacientes internados nas 172 UTI´s, 109.663 tinham registro de infecção e
disfunção orgânica. Destes, 96.385 (87,9%) tinham sepse com SIRS positiva e 13.278
(12,1%) sepse com SIRS negativa, ou seja, 1 em cada 8 pacientes com infecção e
disfunção orgânica não cursou com SIRS. No grupo SIRS positiva, os pacientes foram
mais jovens, mais graves, com maior risco de evolução para choque séptico, insuficiência
renal aguda e apresentavam maior mortalidade. Entre os com sepse e SIRS
negativa, 20% não preenchiam nenhum sinal da SIRS e 80% apresentaram apenas 1
critério (o principal era leucocitose, seguido de aumento da FC e da FR,
respectivamente). (Figura 1)
Figura 1: Características do Baseline.
Na análise dos critérios de
SIRS em relação à mortalidade é interessante notar que ocorre aumento linear de
13% a cada critério preenchido pelos pacientes. Ou seja, quanto maior o número
de critérios, maior a mortalidade (OR para cada critério adicional, 1.13; 95%
CI, 1.11 para 1.15; p<000.1). (Figura
2)
Figura 2: Mortalidade dos pacientes de acordo com o número de critérios da SIRS.
A mortalidade absoluta em
ambos os grupos diminuiu ao longo dos últimos anos, provavelmente refletindo as
melhorias terapêuticas, das tecnologias e dos serviços de saúde (redução de
mortalidade absoluta anual na ordem de 1.3 pontos percentuais).
Neste estudo epidemiológico,
a exigência de dois ou mais critérios SIRS para o diagnóstico de sepse grave
excluiu um grupo considerável de pacientes na UTI com infecção e falência de
órgãos. Os pacientes com sepse grave e SIRS-negativa apresentaram mortalidade
substancial e tinham características epidemiológicas semelhantes aos com
SIRS-positiva, evidências indiretas de que esses grupos de pacientes
representam fenótipos distintos de uma mesma condição. Além disso, o risco de
morte aumentou linearmente com cada critério adicional de SIRS 0-4, sem um
aumento transitório do risco com 2 critérios que justifique este consensual ponto
de corte.
O estudo tem algumas
limitações, como ter apenas analisado os dados das primeiras 24horas da UTI e com
dificuldades na codificação do correto diagnóstico de sepse. Além disso, os dados
tem origem dos registros em um banco destinado a gestão de qualidade e não
pesquisa. Os pacientes caracterizados com sepse e critérios de SIRS podem ter
apresentado esses sinais em virtude de outros processos inflamatórios, ou
injurias como trauma e cirurgias, e não necessariamente infecções.
Apesar dessas ressalvas, as
descobertas desafiam a sensibilidade e validade da atual regra definida em
relação a presença de 2 ou mais critérios de SIRS para diagnosticar sepse. Cabe
nossa atenção aos pacientes com história clínica sugestiva de infecção e com
disfunções orgânicas, mesmo que sem sinais de SIRS. Nestes, provavelmente devemos realizar a mesma terapêutica atual adotada para sepse grave / choque séptico, no intuito de diminuir mortalidade. Possíveis considerações
surgirão em breve na revisão da conferência de consenso.
(1). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25776936
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