quinta-feira, 1 de outubro de 2015

BEST:TRIP - A melhor viagem?


No Brasil, de janeiro de 2010 a junho de 2015, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) registra 572.268 internações hospitalares e 54.332 óbitos por traumatismo intracraniano.1 Este elevado número de casos têm entre suas principais causas as quedas, os acidentes automobilísticos e agressões físicas.
Uma razão importante para os danos neurológicos observados no TCE, além do trauma imediato, são aquelas decorrentes do aumento da pressão intracraniana (PIC). Contudo, no TCE, o edema cerebral frequentemente impossibilita a inserção de um cateter intraventricular para monitorizar a PIC. Embora, a monitorização da PIC possa também ser feita com cateteres intraparenquimatosos ou subdurais, estes não são universalmente disponíveis.
Apesar de publicado em 2012, o estudo Benchmark Evidence From South American Trials: Treatment of Intracranial Pressure (BEST:TRIP)2 continua rendendo controvérsias e interpretações errôneas de seus resultados até hoje, a ponto de suscitar em 2015 uma reunião internacional de 23 líderes de opinião, especialistas no manejo agudo do TCE grave, para confecção de um consenso sobre a interpretação do estudo!3
O estudo BEST:TRIP comparou especificamente duas abordagens agressivas de tratamento da hipertensão intracraniana do TCE. Uma destas abordagens era guiada pela medida da PIC e a outra conduta foi guiada apenas pelo quadro clínico e tomográfico através de um protocolo desenvolvido especificamente para pacientes não monitorizados com PIC. Portanto, o estudo BEST:TRIP não avaliou a eficácia de monitorar a PIC, mas sim comparou estas duas estratégias de controle da hipertensão intracraniana do TCE, sendo uma destas estratégia um novo protocolo.
O estudo foi desenvolvido em UTIs da Bolívia e Equador, contudo coordenado por grupo da Universidade de Washington. Esta característica parece muito interessante para nossa realidade do sistema de saúde público brasileiro, pois ao tempo que as circunstâncias estruturais/recursos humanos são muito semelhantes às nossas, os pesquisadores americanos dão garantias de boas práticas médicas nas UTIs onde o estudo foi realizado. Ademais, toda a conduta foi guiada por protocolos bem desenhados.
O protocolo do braço de tratamento da HIC baseado apenas na monitorização clínico-tomográfica consiste basicamente no seguinte:
1.       Tomografias de crânio programadas
a.       Admissão
b.      48 h
c.       5 dias
d.      Sempre que clinicamente indicado

2.       Intervenções terapêuticas específicas (havendo edema cerebral)
a.       Hiperventilação leve
b.      Terapia hiperosmolar
c.       Sem resposta com 48h: barbitúrico
3.       Piora neurológica: ocorrendo piora neurológica a qualquer momento, intensificar as intervenções (hiperventilar mais, aumentar dose da terapia hiperosmolar, iniciar barbitúrico e até mesmo furosemida).
4.   Craniectomia descompressiva: não havendo melhora com estas medidas, considerar a craniectomia descompressiva.
TI = terapia inicial; SSH = solução salina hipertônica; 3H = hipotensão, hipovolemia, hiponatremia.


          O resultado do estudo foi o seguinte:
·         Ausência de diferença no resultado primário (estado funcional e cognitivo após 6 meses)
·         Mortalidade com 6 meses: 39% no grupo da PIC vs. 41% no grupo clínico-tomográfico (P = 0,60; portanto, sem diferença estatística).
·         Duração média da permanência na UTI: semelhante – 12 dias no grupo da PIC e 9 dias no grupo clínico-tomográfico; P = 0,25.
·         Eventos adversos sérios semelhantes nos dois grupos.

Em conclusão, o resultado do estudo BEST:TRIP não sugere que centros que dispõem com facilidade de monitorização da PIC parem de usá-la, uma vez que tal prática não determina prejuízo ao paciente, além de permitir detecção mais precoce da hipertensão intracraniana. Contudo, em locais com recursos limitados, o algoritmo de tratamento descrito neste estudo produz resultados similares aos obtidos com a monitorização da PIC.

REFERÊNCIAS

Um comentário:

  1. Kelson, muito legal seu post e muito apropriado pensando na realidade do Brasil. Uma duvida, existe estudo que demostre superioridade de um tipo de monitorização de PIC (intraventricular, subdural, intraparenquimatosa)? Tenho visto uma disseminação de novos monitores de PIC, a maioria destes composto de sistema de fibra ótica e intraparenquimatoso. Me incomoda em alguns destes a impossibilidade de monitorar a curva da PIC e até mesmo de "zerar"o sistema. Ao mesmo tempo, acho interessante alguns modelos que trazem a monitorização de temperatura cerebral. Minha outra pergunta é se voce conhece estudos de validação destes novos métodos de medida. Parabens pelo post. Excelente.

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