No Brasil, de
janeiro de 2010 a junho de 2015, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS
(SIH/SUS) registra 572.268 internações hospitalares e 54.332 óbitos por
traumatismo intracraniano.1 Este elevado número de casos têm entre
suas principais causas as quedas, os acidentes automobilísticos e agressões
físicas.
Uma razão
importante para os danos neurológicos observados no TCE, além do trauma
imediato, são aquelas decorrentes do aumento da pressão intracraniana (PIC). Contudo,
no TCE, o edema cerebral frequentemente impossibilita a inserção de um cateter
intraventricular para monitorizar a PIC. Embora, a monitorização da PIC possa também
ser feita com cateteres intraparenquimatosos ou subdurais, estes não são
universalmente disponíveis.
Apesar de
publicado em 2012, o estudo Benchmark
Evidence From South American Trials: Treatment of Intracranial Pressure
(BEST:TRIP)2 continua rendendo controvérsias e interpretações
errôneas de seus resultados até hoje, a ponto de suscitar em 2015 uma reunião
internacional de 23 líderes de opinião, especialistas no manejo agudo do TCE
grave, para confecção de um consenso sobre a interpretação do estudo!3
O estudo BEST:TRIP
comparou especificamente duas abordagens agressivas de tratamento da
hipertensão intracraniana do TCE. Uma destas abordagens era guiada pela medida
da PIC e a outra conduta foi guiada apenas pelo quadro clínico e tomográfico
através de um protocolo desenvolvido especificamente para pacientes não
monitorizados com PIC. Portanto, o estudo BEST:TRIP não avaliou a eficácia de
monitorar a PIC, mas sim comparou estas duas estratégias de controle da
hipertensão intracraniana do TCE, sendo uma destas estratégia um novo
protocolo.
O estudo foi
desenvolvido em UTIs da Bolívia e Equador, contudo coordenado por grupo da
Universidade de Washington. Esta característica parece muito interessante para
nossa realidade do sistema de saúde público brasileiro, pois ao tempo que as
circunstâncias estruturais/recursos humanos são muito semelhantes às nossas, os
pesquisadores americanos dão garantias de boas práticas médicas nas UTIs onde o
estudo foi realizado. Ademais, toda a conduta foi guiada por protocolos bem
desenhados.
O protocolo do
braço de tratamento da HIC baseado apenas na monitorização clínico-tomográfica consiste
basicamente no seguinte:
1.
Tomografias de crânio programadas
a.
Admissão
b.
48 h
c.
5 dias
d.
Sempre que clinicamente indicado
2. Intervenções terapêuticas específicas (havendo edema cerebral)
a.
Hiperventilação leve
b.
Terapia hiperosmolar
c.
Sem resposta com 48h: barbitúrico
3.
Piora neurológica: ocorrendo piora neurológica a qualquer momento,
intensificar as intervenções (hiperventilar mais, aumentar dose da terapia
hiperosmolar, iniciar barbitúrico e até mesmo furosemida).
4. Craniectomia descompressiva: não havendo melhora com estas medidas,
considerar a craniectomia descompressiva.
TI = terapia inicial; SSH = solução salina hipertônica; 3H = hipotensão, hipovolemia, hiponatremia. |
O resultado do estudo foi o
seguinte:
·
Ausência de diferença no resultado primário
(estado funcional e cognitivo após 6 meses)
·
Mortalidade com 6 meses: 39% no grupo da PIC vs.
41% no grupo clínico-tomográfico (P = 0,60; portanto, sem diferença estatística).
·
Duração média da permanência na UTI: semelhante
– 12 dias no grupo da PIC e 9 dias no grupo clínico-tomográfico; P = 0,25.
·
Eventos adversos sérios semelhantes nos dois
grupos.
Em conclusão, o resultado do estudo BEST:TRIP não sugere que centros que dispõem com facilidade de monitorização da PIC parem de usá-la, uma vez que tal prática não determina prejuízo ao paciente, além de permitir detecção mais precoce da hipertensão intracraniana. Contudo, em locais com recursos limitados, o algoritmo de tratamento descrito neste estudo produz resultados similares aos obtidos com a monitorização da PIC.
REFERÊNCIAS
Kelson, muito legal seu post e muito apropriado pensando na realidade do Brasil. Uma duvida, existe estudo que demostre superioridade de um tipo de monitorização de PIC (intraventricular, subdural, intraparenquimatosa)? Tenho visto uma disseminação de novos monitores de PIC, a maioria destes composto de sistema de fibra ótica e intraparenquimatoso. Me incomoda em alguns destes a impossibilidade de monitorar a curva da PIC e até mesmo de "zerar"o sistema. Ao mesmo tempo, acho interessante alguns modelos que trazem a monitorização de temperatura cerebral. Minha outra pergunta é se voce conhece estudos de validação destes novos métodos de medida. Parabens pelo post. Excelente.
ResponderExcluir