O choque circulatório
é a síndrome resultante da falência do sistema cardiovascular em manter a
perfusão tecidual adequada. A prioridade inicial do tratamento é manter a estabilidade
hemodinâmica, enquanto a etiologia do choque é investigada e o tratamento definitivo
é providenciado. O suporte hemodinâmico é baseado principalmente em três intervenções:
reanimação volêmica, vasopressores e inotrópicos. Quando a administração de
fluidos não consegue restaurar a pressão arterial e a perfusão tecidual, a
terapia com drogas vasoativas deve ser considerada (1).
São drogas
frequentemente usadas no ambiente de terapia intensiva, já que o choque
circulatório pode acometer até um terço dos pacientes que necessitam de
cuidados intensivos. O choque séptico é o mais frequente com 62% dos casos,
seguido pelo cardiogênico (16%) e hipovolêmico (16%), conforme demonstrou o
estudo SOAPII que incluiu 1679 pacientes e comparou noradrenalina com dopamina
em pacientes com choque circulatório (2).
Os agonistas
adrenérgicos são as drogas vasoativas de primeira linha devido ao seu rápido
início de ação, alta potência e meia-vida curta, que permite o ajuste fácil da
dose. Agem por meio dos receptores adrenérgicos no coração e vasos sanguíneos. Os
receptores alfa 1 presentes no músculo liso dos vasos aumentam a resistência
vascular sistêmica (RVS) por vasoconstrição arteriolar mesentérica, renal e de
pele. Pela vasoconstrição venosa também redistribuem o sangue da periferia e da
circulação mesentérica para circulação central. Os receptores beta 2 exercem
efeitos opostos aos alfa 1, tendendo a reduzir o tônus vascular, de forma a vasodilatar principalmente
na musculatura esquelética. Os receptores beta 1 no miocárdio, e em menor
extensão os beta 2, aumentam a frequência e contratilidade cardíaca (1).
Drogas com
propriedades vasopressoras são usadas primariamente para restaurar a pressão
arterial por meio de vasoconstrição arteriolar (receptores alfa 1), enquanto drogas
inotrópicas são usadas primariamente para
aumentar o débito cardíaco (DC) por por meio do aumento da contratilidade e frequência
cardíaca (FC) (receptores beta 1 e 2). Sabendo-se que o DC está diretamente
relacionado com o volume sistólico (VS) e a FC (DC = VS x FC), fica fácil perceber o papel desta última variável no
contexto. Porém não se pode esquecer que frequências muito elevadas são
prejudiciais e podem levar a redução do DC caso gerem limitação do enchimento
diastólico (1).
A maioria das drogas
adrenérgicas usadas clinicamente combinam efeitos na contratilidade cardíaca e
tônus vascular. Conhecer as propriedades de cada uma é importante para correta
indicação. Na prática é conveniente lembrar que os efeitos esperados para cada
droga são teóricos e pode haver grande variabilidade na resposta entre os
pacientes, que depende da reserva cardiovascular, fisiopatologia do choque, uso
concomitante de outras drogas e da própria resposta individual (1).
A seguir serão descritas
as principais drogas vasoativas usadas em terapia intensiva. Para tal optamos
por dividi-las didaticamente em drogas com efeito inotrópico e vasodilatador,
inotrópico e vasoconstritor, vasoconstritor exclusivo e vasodilatador exclusivo
(Figuras 1 e 2) (1).
1-
Drogas com propriedades inotrópicas e vasodilatadoras.
Dobutamina. A dobutamina
geralmente é o inotrópico de escolha para aumentar o DC. Tem forte atividade em
receptores beta 1 e leve atividade em beta 2 e alfa 1. Produz elevações
significativas no DC mesmo com doses baixas. Tende a provocar vasodilatação,
exceto em doses altas (>10-15 mg/kg/min) quando o agonismo em receptores
alfa 1 passa a ser proeminente. O efeito na pressão arterial tende a ser
limitado e depende da circunstância em que é usada. Pode elevar a pressão arterial
em situações de baixo DC e elevada RVS como no choque cardiogênico. Nos casos
em que o efeito no débito é modesto e a queda na RVS é maior, como nos casos de
choque distributivo ou hipovolemia, a tendência é de provocar hipotensão. Têm
sido relatados efeitos na microcirculação independente de efeitos sistêmicos.
Betabloqueadores, especialmente o carvedilol, pioram significativamente a
resposta à dobutamina, havendo necessidade de doses altas para seus efeitos (1).
Milrinona. Seu mecanismo de ação é devido à inibição
da enzima fosfodiesterase III citoplasmática, aumentando a disponibilidade de
cálcio por redução da degradação do AMPc. Além da ação inotrópica, produz
significante vasodilatação pulmonar e sistêmica. É a droga de escolha em
pacientes com insuficiência cardíaca na presença de hipertensão
pulmonar e disfunção de ventrículo direito. Pode ser útil quando os
receptores beta estão sub-regulados ou em pacientes tratados com betabloqueadores.
No entanto, a possibilidade de hipotensão limita seu uso em pacientes com
choque. Além disso, a meia-vida da droga é longa (2-3h) e pode ser prolongada
em pacientes com disfunção renal (4-6h) (1).
Tanto a milrinona quanto a dobutamina carregam o risco de
hipotensão por vasodilatação excessiva, arritmias e isquemia miocárdica. É
importante ressaltar que o uso de inotrópicos está associado a maior
mortalidade e eventos adversos em pacientes hospitalizados. Dessa forma, seu
uso deve se restringir aos pacientes DC inadequado para manter oferta adequada
de oxigênio aos tecidos (3-6).
Para acessar a Parte 2 deste texto clique AQUI.
Referências
Excelente, especialmente no que tange à sistematização, com clareza, da classificação das drogas vasoativas.
ResponderExcluirsou farmacêutico e adoro esse bloque, sigo e leio tudo que é publicado aqui. Tenho uma duvida ouço falar com na falta que a milrinona substitui a falta da DOBUTAMINA, essa afirmação é verdadeira ? em que situação posso utilizar somente milrinona?
ResponderExcluirCaro Fábio Bilac.
ExcluirAgradecemos a pergunta. Seu interesse pelo Blog só nos mostra que nosso objetivo de promover a discussão está sendo alcançado.
Peço desculpas pela demora na resposta, mas antes tarde do que nunca não é mesmo, rs.
A dobutamina e a milrinona são indicadas para uso intravenoso principalmente nos casos de insuficiência cardíaca descompensada. O critério para usar uma ou outra medicação vai depender da experiência do serviço, com alguns preferindo o uso de dobutamina devido ao seu custo mais acessível e outros preferindo a milrinona devido a seu menor potencial arritmogênico. A dobutamina tende a fazer mais taquicardia, podendo aumentar o consumo miocárdico. Já a milrinona tem maior potencial vasodilatador, podendo gerar mais instabilidade hemodinâmica quando comparada. Diferente da dobutamina, a milrinona é um inibidor seletivo da isoenzima fosfodiesterase III do AMP cíclico na musculatura cardíaca e vascular, e sua ação não sofre interferência pelo uso concomitante de betabloqueadores, tornando esta droga atrativa neste contexto (não sofre downregulation pelo uso concomitante de betabloqueadores). Também tem a vantagem de gerar vasodilatação pulmonar sendo interessante nos casos de hipertensão pulmonar associada.
Então, respondendo a pergunta de forma mais objetiva, a milrinona pode SIM ser usada em substituição a dobutamina, mas isto vai depender da condição clínica do paciente (por exemplo: se hipertensão pulmonar talvez seja melhor associar milrinona), da disponibilidade da droga (mais cara que a dobutamina) e experiência do serviço.
Por fim, para tornar a discussão mais interessante, seguem as recomendações do guideline americano de manejo da insuficiência cardíaca (ACCF / AHA [Yancy 2013]) para o uso de inotrópicos:
- para manter a perfusão sistêmica e preservar as funções orgânicas em pacientes com choque cardiogênico até que este seja resolvido ou até que um tratamento definitivo seja realizado (ex: revascularização miocárdica, transplante cardíaco...) (Recomendação IC);
- em pacientes com insuficiências cardíaca em estágio D e refratários à terapia medicamentosa como "terapia de ponte" para transplante cardíaco ou suporte circulatório mecânico (Recomendação IIa B);
- manejo de curto prazo de pacientes hospitalizados com disfunção sistólica grave com pressão arterial baixa e débito cardíaco significativamente deprimido (Recomendação IIb B); e
- para tratamento em longo prazo (terapia paliativa) de pacientes selecionados com insuficiência cardíaca de estágio D que não respondem à terapia medicamentosa e que não são candidatos a transplante cardíaco ou suporte circulatório mecânico (Recomendação IIb B).