terça-feira, 1 de novembro de 2016

Drogas vasoativas em revisão – Parte 2.


Para acessar a Parte 1 deste texto clique AQUI.

2- Drogas vasoconstritoras e inotrópicas

Noradrenalina. Considerada o vasoconstritor de primeira escolha nos casos de hipotensão refratária a volume. É um potente agonista alfa 1 e apresenta também moderada atividade beta 1 e mínima beta 2. O efeito hemodinâmico preponderante é a vasoconstrição, mas seus efeitos beta-adrenérgicos ajudam a manter o débito cardíaco (DC). A administração geralmente resulta em um aumento clinicamente significativo na pressão arterial média (PAM), com pouca alteração na frequência cardíaca ou DC (1).  

Adrenalina. É um potente agonista dos receptores alfa 1 e beta 1, além de possuir atividade beta 2 maior que a noradrenalina. É considerada um vasopressor de segunda linha devido aos seus efeitos metabólicos, mas é o vasopressor de escolha em associação a noradrenalina nos casos de choque refratário (noradrenalina > 0,5 µg/Kg/min) (1). Seu uso está associado a aumento dos valores de lactato devido ao aumento da via glicolítica (1,7).

Dopamina. Em doses baixas (< 4 µg/kg/min) ativa receptores dopaminérgicos e produz vasodilatação esplâncnica e renal, além de inibir a reabsorção tubular de sódio (1). Entretanto, estudos controlados não demonstraram um efeito protetor sobre a função renal, e seu uso rotineiro para esta finalidade não é recomendado (8). A estimulação dopaminérgica também pode ter efeitos endócrinos indesejados, suprimindo praticamente todos os hormônios dependentes da hipófise anterior, com exceção do cortisol, e resultando em imunossupressão (9). Doses moderadas (4 -10 µg/kg/min) apresentam efeito inotrópico e doses elevadas (> 10 µg/kg/min) efeito vasoconstritor. Mas até 60% dos pacientes com choque falham em responder as doses vasoconstritoras de dopamina, necessitando associação de noradrenalina (1).

Como já dito, a noradrenalina é o vasopressor de escolha. No estudo SOAP II, um ensaio clínico controlado, randomizado e duplo-cego, a dopamina não apresentou vantagem sobre a noradrenalina como agente vasopressor de primeira linha, induziu a mais arritmias e foi associada a aumento de mortalidade em 28 dias entre os pacientes com choque cardiogênico (2). Uma meta-análise incluindo estudos que compararam dopamina e noradrenalina em pacientes com sepse evidenciou maior mortalidade nos pacientes que usaram dopamina (10), de tal forma que esta não é mais recomendada como agente de primeira linha e seu uso deve ser reservado para pacientes com bradicardia sintomática e sem disfunção cardíaca significativa, conforme a última orientação do Surviving Sepsis Campaign (11).

O estudo que comparou adrenalina e noradrenalina não mostrou diferença no tempo para atingir o alvo da PAM (manter PAM > 70 mmHg por mais de 24 horas sem vasopressor), nos dias livres de vasopressor e na mortalidade em 28 e 90 dias, porém o grupo adrenalina apresentou maior incidência hiperlactatemia e de necessidade de insulina (7).

3- Drogas vasoconstritoras

Entre as drogas deste grupo estão a fenilefrina e a vasopressina. Elas produzem aumento isolado da resistência vascular periférica e podem levar a redução do DC em pacientes com disfunção ventricular, devido ao aumento da pós-carga cardíaca. A princípio, o uso no choque deve ser reservado a situações de choque distributivo. Fenilefrina praticamente não é usada. A vasopressina, também conhecida por hormônio antidiurético, age como vasopressor por meio de sua ação em receptores V1 na musculatura lisa vascular. A droga também tem o potencial de causar vasoconstrição coronariana e mesentérica, além dos efeitos relacionados á ação antidiurética via receptor V2 (1). Doses acima de 0,1 U/min devem ser evitadas pelo alto risco de isquemia mesentérica. Em cenários de acidose metabólica importante os agonistas alfa 1 tornam-se menos efetivos, o que não acontece com a vasopressina, tornando esta uma droga interessante neste contexto. Doses de 0,01 U/min equivalem a 5µg/min de noradrenalina. 

O maior estudo sobre a vasopressina no choque foi o VASST, que comparou doses baixas da droga (dose 0,01 a 0,03 U/min) com noradrenalina em pacientes com choque séptico. O estudo não demostrou redução de mortalidade geral em 28 dias (35,4% x 39,3%; p 0,26) ou aumento de eventos adversos (10,3% x 10,5%; p 1,00). Algo interessante foi que quando avaliados em grupos de casos de maior (> 15µg/min noradrenalina) e menor gravidade (< 15µg/min noradrenalina), a mortalidade neste último foi menor no grupo vasopressina (26,5% x 35,7%, p 0,05), sugerindo que talvez a droga deva ser associada a noradrenalina em uma fase mais precoce do choque e não em uma fase mais avançada (choque refratário) (12). Por fim, o estudo VANISH não conseguiu mostrar diferença em tempo livre de diálise quando comparou uso precoce de noradrenalina + corticoide ou placebo e vasopressina + corticoide ou placebo em pacientes adultos com choque séptico (13).

 4- Drogas vasodilatadoras

Agentes vasodilatadores podem aumentar o DC sem aumentar a demanda miocárdica por oxigênio ao reduzir a pós-carga ventricular. São úteis nos casos em que a otimização do DC com agentes inotrópicos não reverteu a condição de baixo débito, como pode ocorrer na insuficiência cardíaca e choque cardiogênico.  Dentre os vasodilatadores o mais usado é o nitroprussiato de sódio, um vasodilatador misto, com efeitos sobre os territórios arterial e venoso. Age diretamente na musculatura lisa vascular pela interação com grupos intracelulares de sulfidrila (1).


Os principais efeitos hemodinâmicos, a dose e titulação das principais drogas podem ser vistas nas Tabelas 1 e 2.


Tabela 1: Principais efeitos hemodinâmicos das drogas vasoativas (1).

Tabela 2: Dose e titulação das principais drogas vasoativas (1).



O principal objetivo das drogas vasoativas deve ser não só restaurar a pressão arterial, mas também fornecer condições para o adequado metabolismo celular, para o qual a correção de hipotensão arterial é um pré-requisito necessário. Níveis de PAM entre 65-70 mmHg parecem satisfatórios, mas em pacientes previamente hipertensos, um alvo em torno de 80-85 mmHg pode ser mais adequado, como sugerido pelo estudo SEPSISPAM (14). Em contrapartida, níveis mais baixos podem ser tolerados em pacientes com sangramento agudo com o objetivo de limitar a perda de sangue e a coagulopatia associada até que o sangramento seja controlado (15). 

No geral não há valores absolutos de DC que devam ser recomendados como meta. O uso de marcadores de perfusão tecidual, como saturação venosa central e lactato, podem ser úteis em inferir a relação sistêmica entre oferta e consumo de oxigênio,  ajudando a avaliar a adequação do DC. É importante destacar que há situações clínicas, diferentes do choque, em que o uso de drogas vasoativas é indicado, como por exemplo a adrenalina na parada e análogos da vasopressina no sangramento digestivo. Por fim, não se pode esquecer que estes medicamentos podem salvar vidas quando utilizados de forma adequada, mas também podem levar a efeitos adversos graves quando mal indicadas e utilizadas em doses inadequadas.

Referências

15.         https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21610356

Nenhum comentário:

Postar um comentário