A ressuscitação
cardiopulmonar (RCP) adequada é muito importante para reduzir a morbimortalidade
materno fetal e para obter maior chance de êxito é importante que a equipe de
reanimação esteja sincronizada e tenha o conhecimento de qual a melhor conduta
seguir.
Existe
uma grande lacuna de conhecimento científico em relação ao manejo da parada
cardiorrespiratória (PCR) materna. A impossibilidade
de realização de estudos de alta qualidade neste grupo de pacientes torna as
evidências e recomendações fracas e sujeitas a viés. Desta forma, atualmente a melhor evidência
disponível é baseada em estudos observacionais e princípios fisiológicos.
Durante
a PCR, as alterações fisiológicas da gravidez, somadas à tendência à hipóxia e
a compressão aorto-cava pelo útero em pacientes na segunda metade da gestação
tornam a ressuscitação mais difícil. O útero gravídico pode comprimir a veia
cava inferior, dificultando o retorno venoso e reduzindo assim o volume sistólico
e o débito cardíaco. Em geral, a compressão da veia cava e da aorta abdominal ocorre
em uma fase mais tardia da gestação (aproximadamente 20 semanas de idade
gestacional), época em que o fundo uterino está na altura ou acima da cicatriz umbilical.
Além disto, o aumento do volume abdominal também reduz a complacência da caixa
torácica e aumenta a força necessária para uma adequada compressão torácica
durante as manobras de RCP.
Os
melhores resultados para a mãe e o feto poderão ser alcançados se a reanimação
materna for bem sucedida, sendo a oferta de RCP de alta qualidade e o alívio da
compressão aorto-cava as prioridades. Desta forma o deslocamento uterino
manual para a esquerda é a manobra mais recomendada e pode ser realizada com a
técnica de duas mãos (assistente do lado esquerdo) ou com a de uma mão (Figura
1). Nesta última o assistente se posiciona a direita da paciente e empurra o
útero para a esquerda. Foi observado que a reanimação com a paciente mantida em
inclinação lateral esquerda resultava em diminuição da qualidade da RCP quando
comparadas às compressões realizadas em posição supina e não deve mais ser mais realizada.
Figura
1: Manobra de deslocamento uterino manual para a esquerda.
A
evacuação do útero gravídico também alivia a compressão aorto-cava e pode
melhorar o efeito da ressuscitação e, na fase tardia da segunda da gestação, o
parto cesáreo perimortem deve ser considerado parte da reanimação materna,
independente da viabilidade fetal.
O
manejo da via aérea é mais difícil em pacientes gestantes. Elas têm maior risco
de broncoaspiração devido ao aumento da pressão intra-abdominal e ao retardo do
esvaziamento gástrico. Geralmente
apresentam alterações nas vias aéreas, incluindo edema, friabilidade da mucosa,
hipersecreção e hiperemia. Além disto, a elevação do diafragma gera uma redução
da capacidade residual funcional e elas também possuem um aumento do shunt
intrapulmonar e da demanda por oxigênio quando comparadas à pacientes não
gestantes, o que eleva o risco de hipoxemia e leva à rápida dessaturação. A falha na intubação é uma importante causa de
morbidade e mortalidade nestas pacientes e sempre que possível o manejo da via
aérea deverá ser realizado apenas por profissionais bem treinados.
As
principais causas de PCR na gestação podem ser vistas na Tabela 1.
Tabela 1: Causas de
parada cardiorrespiratória materna.
Causas de parada
cardíaca materna
|
Hemorragia
Doenças cardiovasculares
Infarto agudo do miocárdio, dissecção da aorta e
miocardite
Embolia amniótica
Sepse / Pneumonia aspirativa
Trombo embolismo pulmonar
Eclampsia
Iatrogenia
Hipermagnesemia (sulfatação) e as complicações
anestésicas
|
Em
linhas gerais, a RCP em gestantes é semelhante à realizada em não gestantes e os
algorítimos poderão ser revistos nas recomendações da American Heart Association 2015
(aqui). Especificamente no grupo de gestantes, muitas
recomendações do guideline de 2010 (aqui) ainda são válidas e podem ser vistas na Figura
2.
Figura 2: Manejo de parada cardíaca materna (AHA 2010).
Por
fim, descrevemos abaixo as novas recomendações/atualizações da AHA 2015 para
parada cardíaca materna (aqui):
- A prioridade para as gestantes em PCR é a oferta de RCP de alta qualidade e o alívio da compressão da veia cava e artéria aorta (Classe I, Nível de Evidência C – dados limitados).
- Se a altura uterina for igual ou superior ao nível da cicatriz umbilical a manobra de deslocamento uterino manual para a esquerda durante as compressões torácicas pode ser benéfica para o alívio da compressão aorto-cava (Classe IIa, Nível de Evidência C – dados limitados).
- A equipe local capaz de realizar cesárea perimortem deverá ser convocada assim que a parada cardíaca for reconhecida nos casos de pacientes na segunda metade da gestação (Classe I, Nível de Evidência C – dados limitados).
- Durante a parada cardíaca, caso a altura uterina estiver ao nível ou acima da cicatriz umbilical e a paciente não apresentar retorno à circulação espontânea com as medidas habituais de reanimação associadas à manobra de deslocamento uterino manual para a esquerda, é aconselhável preparo para a evacuação do útero enquanto a RCP continua (Classe I, Nível de Evidência C – dados limitados).
- Nas situações de gestante não sobrevivente a trauma ou sem pulso por tempo prolongado, em que qualquer esforço para ressuscitação seja fútil, não há nenhuma razão para atrasar a realização da cesárea perimortem (Classe I, Nível de Evidência C – dados limitados).
- Cesárea perimortem deve ser considerada após o 4º minuto da parada cardíaca materna ou do início dos esforços de ressuscitação (para parada não testemunhada) caso não haja retorno à circulação espontânea (Classe IIa, Nível de Evidência C – opinião de especialistas) (atualização 2015).
Referências
- Vanden Hoek TL, Morrison LJ, Shuster M, et al. Part 12: cardiac arrest in special situations: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2010 Nov 2;122(18 Suppl 3):S829-61.
- Lavonas EJ, Drennan IR, Gabrielli A et al. Circulation. Part 10: Special Circumstances of Resuscitation: 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. 2015 Nov 3;132(18 Suppl 2):S501-18.
- http://circ.ahajournals.org/content/132/18_suppl_2.toc
- HIGHLIGHTS of the 2015 American Heart Association Guidelines Update for CPR and ECC. Disponível em: https://eccguidelines.heart.org/wp-content/uploads/2015/10/2015-AHA-Guidelines-Highlights-English.pdf
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAmeiii! Parabéns!!
ResponderExcluirObrigada.
ExcluirAmeiii! Parabéns!!
ResponderExcluirMUITO BOM SITE, ME ESCLARECEU LEGAL.
ResponderExcluirMuito interessante. Obrigado pelos esclarecimentos!
ResponderExcluirQuando eu trabalhava no SAMU, uma gestante teve uma grave complicação numa UBS, o SAMU foi chamado e, ao embarcar na ambulância, entrou em PCR. Foram realizadas as manobras de reanimação, sem resposta.
ResponderExcluirFoi feita a cesárea e o concepto sobreviveu e, até onde soubemos, sem sequelas.
Amei o texto! Parabéns!!!
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