A
pneumonia lidera como causa infecciosa de hospitalização e morte entre adultos
nos Estados Unidos1,2 e seu impacto econômico supera os 10 bilhões
de dólares ao ano.3 No mundo todo, as infecções do trato respiratório inferior
constituem a segunda causa de anos potenciais de vida perdidos.4
As mesmas respostas inflamatórias locais
que ajudam a eliminar os patógenos bacterianos da pneumonia também causam danos
que prejudicam a troca gasosa alveolar, enquanto a resposta inflamatória
sistêmica determina a instalação da sepse.5 Não surpreende, assim,
que a pneumonia seja a causa mais comum de SDRA6,7 e sepse8.
A corticoterapia adjuvante sistêmica
pode atenuar a resposta inflamatória e reduzir a frequência de SDRA, duração da
doença e da internação hospitalar e, possivelmente, até mesmo da mortalidade.
Contudo, as revisões sistemáticas prévias dos estudos clínicos randomizados não
definiram um efeito benéfico conclusivo9, de modo que os consensos
atuais não recomendam o uso de corticoides sistêmicos para PAC10,11.
Este ano, porém, dois novos estudos
randomizados foram publicados12,13, motivando Siemieniuk e
cols.14 a realização de uma nova metánalise avaliando o
efeito da corticoterapia adjuvante sistêmica para pacientes hospitalizados com
PAC, temporariamente publicado apenas online
first.
Os estudos incluídos, independente da língua
de publicação, alocaram de forma aleatória adultos com PAC para corticoterapia
oral ou endovenosa versus placebo ou nenhum tratamento. Os estudos de pneumonia
associada ao ventilador, pneumonia aspirativa ou pneumonia por Pneumocystis jirovecii, além de estudos
limitados a pacientes com DPOC foram excluídos da análise. Um total de 13
estudos randomizados e controlados foram incluídos, sendo 9 estudos não
incluídos na última revisão publicada15.
Pneumonia grave foi definida por
critérios usuais, como um escore PSI (Pneumonia
Severity Index) IV ou V, escore CURB-65 ³2 ou a presença de 1
critério maior ou 3 critérios menores do consenso da Infectious Diseases Society of America (IDSA) e American Thoracic Society (ATS) de 200716,
entre outros.
Os autores são
parabenizados por classificarem seus achados pelo sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and
Evaluation)17 o qual busca
uniformizar a avaliação do grau de certeza das evidências.
Diversas modalidades de corticoterapia
sistêmica foram usadas nos estudos admitidos na metanálise, incluindo
dexametasona, prednisona, prednisolona, metilprednisolona ou hidrocortisona em
doses e duração de tratamento variadas.
Referência: http://isof2.epistemonikos.org/#/finding/550bc6acf30d0c43083e63a0
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Resultados
Os corticoides reduziram a chance de
morte por todas as causas em cerca de 3%. A certeza desta evidência foi
classificada como moderada uma vez que o IC cruza o 1 e devido a um possível
efeito de subgrupo, já que a análise de casos de pneumonia grave sugere uma
redução estatisticamente significativa na mortalidade (RR, 0,39 [IC, 0,20 a 0,77]).
Os corticosteroides reduziram a
necessidade de ventilação mecânica em cerca de 5%. O grau de certeza desta
evidência também foi classificado como moderado devido ao pequeno número de
eventos (46 no total).
Houve uma redução de cerca de 4% na chance
de necessitar de internação em UTI naqueles pacientes que fizeram uso de
corticoide. O grau de certeza da evidência é moderado porque o IC cruza o 1.
Os corticosteroides resultaram em uma
grande redução na complicação do quadro para SDRA. O grau de certeza da
evidência é moderado devido à raridade do evento.
Os pacientes em uso de corticoides
atingiram estabilidade clínica cerca de 1 dia mais cedo e a duração da
hospitalização foi reduzida em aproximadamente 1 dia. A
certeza de ambas evidências é alta.
Não houve diferença no número de
readmissões hospitalares dentro de 30 dias da alta. O grau de certeza é
moderado devido ao pequeno número de eventos e ao IC amplo.
Entre os efeitos adversos observados,
os corticoides aumentaram a incidência de hiperglicemia, havendo alta certeza
desta evidência. Os resultados não mostraram efeito dos corticosteroides
sistêmicos na ocorrência de hemorragia gastrointestinal ou sintomas
neuropsiquiátricos severos. O grau de certeza é moderado em virtude do pequeno
número de eventos e ICs amplos em torno dos efeitos relativos.
Em conclusão, a análise mostrou que o
uso de corticoterapia sistêmica em pacientes adultos internados com PAC está
associado com redução na ventilação mecânica e na progressão para SDRA (certeza
moderada) e redução no tempo para estabilidade clínica e na duração da
internação hospitalar (certeza elevada).
A metanálise também mostrou uma redução
na mortalidade com uso de corticoide, contudo a certeza deste efeito é
diminuída por parecer derivar do subgrupo de estudos que avaliaram pneumonia
comunitária grave. Mesmo este efeito observado sobre a mortalidade dos casos
graves, parece espúrio aos autores da metanálise.
Embora os estudos incluídos nesta
análise geralmente excluíram pacientes de alto risco para efeitos adversos dos corticosteroides,
os pacientes que receberam corticoterapia apresentaram mais frequentemente
hiperglicemia.
A certeza moderada acerca da redução substancial
da necessidade de ventilação mecânica, da progressão para SDRA e da
mortalidade, além das evidências de alta qualidade na redução da duração da
internação hospitalar com a corticoterapia, sem efeitos adversos de maior
magnitude, parecem indicar que os benefícios dos corticoides na PAC superam os
riscos.
Estudos com grande número de pacientes,
randomizado e controlado, avaliando desfechos importantes, incluindo
mortalidade, necessidade de ventilação mecânica, SDRA, hemorragia digestiva e
distúrbios neuropsiquiátricos são necessários para definir estas questões ainda
em aberto. Um estudo com tais características, denominado ESCAPe (Extended Steroid in CAP[e]) está em
andamento (Clinical Trials.gov: NCT01283009) com o objetivo de avaliar o
impacto da metilprednisolona (40 mg/dia por 7 dias seguido por desmame gradual)
na mortalidade de pacientes críticos com PAC grave. Os desfechos secundários
analisados incluirão necessidade de ventilação mecânica, presença de disfunção
múltipla de órgãos, duração da internação na UTI e hospitalar, alta hospitalar,
além de complicações cardiovasculares e estado de saúde funcional e geral
pós-alta, rehospitalização e mortalidade dentro de 1 ano.
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# Texto escrito pelo Dr. Kelson Nobre Veras, Mestre em DPI/FIOCRUZ e Médico Intensivista #
# Texto escrito pelo Dr. Kelson Nobre Veras, Mestre em DPI/FIOCRUZ e Médico Intensivista #
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