sábado, 22 de agosto de 2015

Corticóide na pneumonia comunitária. Quais as evidências?

A pneumonia lidera como causa infecciosa de hospitalização e morte entre adultos nos Estados Unidos1,2 e seu impacto econômico supera os 10 bilhões de dólares ao ano.3 No mundo todo, as infecções do trato respiratório inferior constituem a segunda causa de anos potenciais de vida perdidos.4
As mesmas respostas inflamatórias locais que ajudam a eliminar os patógenos bacterianos da pneumonia também causam danos que prejudicam a troca gasosa alveolar, enquanto a resposta inflamatória sistêmica determina a instalação da sepse.5 Não surpreende, assim, que a pneumonia seja a causa mais comum de SDRA6,7 e sepse8.

A corticoterapia adjuvante sistêmica pode atenuar a resposta inflamatória e reduzir a frequência de SDRA, duração da doença e da internação hospitalar e, possivelmente, até mesmo da mortalidade. Contudo, as revisões sistemáticas prévias dos estudos clínicos randomizados não definiram um efeito benéfico conclusivo9, de modo que os consensos atuais não recomendam o uso de corticoides sistêmicos para PAC10,11.
Este ano, porém, dois novos estudos randomizados foram publicados12,13, motivando Siemieniuk e cols.14 a realização de uma nova metánalise avaliando o efeito da corticoterapia adjuvante sistêmica para pacientes hospitalizados com PAC, temporariamente publicado apenas online first.
Os estudos incluídos, independente da língua de publicação, alocaram de forma aleatória adultos com PAC para corticoterapia oral ou endovenosa versus placebo ou nenhum tratamento. Os estudos de pneumonia associada ao ventilador, pneumonia aspirativa ou pneumonia por Pneumocystis jirovecii, além de estudos limitados a pacientes com DPOC foram excluídos da análise. Um total de 13 estudos randomizados e controlados foram incluídos, sendo 9 estudos não incluídos na última revisão publicada15.
Pneumonia grave foi definida por critérios usuais, como um escore PSI (Pneumonia Severity Index) IV ou V, escore CURB-65 ³2 ou a presença de 1 critério maior ou 3 critérios menores do consenso da Infectious Diseases Society of America (IDSA) e American Thoracic Society (ATS) de 200716, entre outros.
Os autores são parabenizados por classificarem seus achados pelo sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation)17 o qual busca uniformizar a avaliação do grau de certeza das evidências.
Diversas modalidades de corticoterapia sistêmica foram usadas nos estudos admitidos na metanálise, incluindo dexametasona, prednisona, prednisolona, metilprednisolona ou hidrocortisona em doses e duração de tratamento variadas.
Referência: http://isof2.epistemonikos.org/#/finding/550bc6acf30d0c43083e63a0

Resultados
Os corticoides reduziram a chance de morte por todas as causas em cerca de 3%. A certeza desta evidência foi classificada como moderada uma vez que o IC cruza o 1 e devido a um possível efeito de subgrupo, já que a análise de casos de pneumonia grave sugere uma redução estatisticamente significativa na mortalidade (RR, 0,39 [IC, 0,20 a 0,77]).
Os corticosteroides reduziram a necessidade de ventilação mecânica em cerca de 5%. O grau de certeza desta evidência também foi classificado como moderado devido ao pequeno número de eventos (46 no total).
Houve uma redução de cerca de 4% na chance de necessitar de internação em UTI naqueles pacientes que fizeram uso de corticoide. O grau de certeza da evidência é moderado porque o IC cruza o 1.
Os corticosteroides resultaram em uma grande redução na complicação do quadro para SDRA. O grau de certeza da evidência é moderado devido à raridade do evento.
Os pacientes em uso de corticoides atingiram estabilidade clínica cerca de 1 dia mais cedo e a duração da hospitalização foi reduzida em aproximadamente 1 dia. A certeza de ambas evidências é alta.
Não houve diferença no número de readmissões hospitalares dentro de 30 dias da alta. O grau de certeza é moderado devido ao pequeno número de eventos e ao IC amplo.
Entre os efeitos adversos observados, os corticoides aumentaram a incidência de hiperglicemia, havendo alta certeza desta evidência. Os resultados não mostraram efeito dos corticosteroides sistêmicos na ocorrência de hemorragia gastrointestinal ou sintomas neuropsiquiátricos severos. O grau de certeza é moderado em virtude do pequeno número de eventos e ICs amplos em torno dos efeitos relativos.
Em conclusão, a análise mostrou que o uso de corticoterapia sistêmica em pacientes adultos internados com PAC está associado com redução na ventilação mecânica e na progressão para SDRA (certeza moderada) e redução no tempo para estabilidade clínica e na duração da internação hospitalar (certeza elevada).
A metanálise também mostrou uma redução na mortalidade com uso de corticoide, contudo a certeza deste efeito é diminuída por parecer derivar do subgrupo de estudos que avaliaram pneumonia comunitária grave. Mesmo este efeito observado sobre a mortalidade dos casos graves, parece espúrio aos autores da metanálise.
Embora os estudos incluídos nesta análise geralmente excluíram pacientes de alto risco para efeitos adversos dos corticosteroides, os pacientes que receberam corticoterapia apresentaram mais frequentemente hiperglicemia.
A certeza moderada acerca da redução substancial da necessidade de ventilação mecânica, da progressão para SDRA e da mortalidade, além das evidências de alta qualidade na redução da duração da internação hospitalar com a corticoterapia, sem efeitos adversos de maior magnitude, parecem indicar que os benefícios dos corticoides na PAC superam os riscos.
Estudos com grande número de pacientes, randomizado e controlado, avaliando desfechos importantes, incluindo mortalidade, necessidade de ventilação mecânica, SDRA, hemorragia digestiva e distúrbios neuropsiquiátricos são necessários para definir estas questões ainda em aberto. Um estudo com tais características, denominado ESCAPe (Extended Steroid in CAP[e]) está em andamento (Clinical Trials.gov: NCT01283009) com o objetivo de avaliar o impacto da metilprednisolona (40 mg/dia por 7 dias seguido por desmame gradual) na mortalidade de pacientes críticos com PAC grave. Os desfechos secundários analisados incluirão necessidade de ventilação mecânica, presença de disfunção múltipla de órgãos, duração da internação na UTI e hospitalar, alta hospitalar, além de complicações cardiovasculares e estado de saúde funcional e geral pós-alta, rehospitalização e mortalidade dentro de 1 ano.


Referências
1. Pfuntner A, Wier LM, Stocks C. Most frequent conditions in U.S. hospitals, 2011. HCUP statistical brief #162. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality, 2013 (http://www .hcup-us.ahrq.gov/reports/statbriefs/sb162.pdf).

2. Health, United States, 2012: with special features on emergency care. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics, 2013:297-9.

3. Pfuntner A, Wier LM, Steiner C. Costs for hospital stays in the United States, 2011. HCUP statistical brief #168. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality, 2013 (http://www .hcup-us.ahrq.gov/reports/statbriefs/sb168-Hospital-Costs-United-States-2011.pdf).

4. GBD 2013 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national age-sex specific all-cause and cause-specific mortality for 240 causes of death, 1990–2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;385:117-71.

5. Rittirsch D, Flierl MA, Ward PA. Harmful molecular mechanisms in sepsis. Nat Rev Immunol. 2008;8:776-87.

6. Estenssoro E, Dubin A, Laffaire E, Canales H, Sa ´enz G, Moseinco M, et al. Incidence, clinical course, and outcome in 217 patients with acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med. 2002;30:2450-6.

7. Ferguson ND, Cook DJ, Guyatt GH, Mehta S, Hand L, Austin P, et al; OSCILLATE Trial Investigators. High-frequency oscillation in early acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2013;368:795-805.

8. Angus DC, van der Poll T. Severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2013;369:840-851.

9. Nie W, Zhang Y, Cheng J, Xiu Q. Corticosteroids in the treatment of community-acquired pneumonia in adults: a meta-analysis. PLoS One. 2012;7:e47926.

10. Mandell LA, Wunderink RG, Anzueto A, Bartlett JG, Campbell GD, Dean NC, et al; Infectious Diseases Society of America. Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Society consensus guidelines on the management of community-acquired pneumonia in adults. Clin Infect Dis. 2007;44 Suppl 2:S27-72.

11. Woodhead M, Blasi F, Ewig S, Garau J, Huchon G, Ieven M, et al; Joint Taskforce of the European Respiratory Society and European Society for Clinical Microbiology and Infectious Diseases. Guidelines for the management of adult lower respiratory tract infections—full version. Clin Microbiol Infect. 2011;17 Suppl 6:E1-59.

12. Blum CA, Nigro N, Briel M, Schuetz P, Ullmer E, Suter-Widmer I, et al. Adjunct prednisone therapy for patients with community acquired pneumonia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2015;385:1511-8.

13. Torres A, Sibila O, Ferrer M, Polverino E, Menendez R, Mensa J, et al. Effect of corticosteroids on treatment failure among hospitalized patients with severe community-acquired pneumonia and high inflammatory response: a randomized clinical trial. JAMA. 2015;313: 677-86.

14. Siemieniuk RAC, Meade MO, Alonso-Coello P, Briel M, Evaniew N, Prasad M, Alexander PE, Fei Y, Vandvik PO, Loeb M, and Guyatt GH. Corticosteroid Therapy for Patients Hospitalized With Community-Acquired Pneumonia: A Systematic Review and Meta-analysis. Ann Intern Med. Published online 11 August 2015 doi:10.7326/M15-0715.

15. Chen Y, Li K, Pu H, Wu T. Corticosteroids for pneumonia. Cochrane Database Syst Rev. 2011:CD007720.

16. Mandell LA, Wunderink RG, Anzueto A, Bartlett JG, Campbell GD, Dean NC, et al; Infectious Diseases Society of America. Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Society consensus guidelines on the management of community-acquired pneumonia in adults. Clin Infect Dis. 2007;44 Suppl 2:S27-72.

17. Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, Kunz R, Falck-Ytter Y, AlonsoCoello P, et al; GRADE Working Group. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations.BMJ.2008;336:924-6.


# Texto escrito pelo Dr. Kelson Nobre Veras, Mestre em DPI/FIOCRUZ e Médico Intensivista #

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