Há várias definições de transfusão maciça na
literatura (1-6):
· Troca da volemia em um período de 24 horas;
· Transfusão de mais de 10 unidades de
concentrados de hemácias em 24 horas;
· Transfusão de mais de 4 unidades de
concentrados de hemácias em 1 hora, com previsão de necessidade de mais
transfusões;
O conhecimento das alterações metabólicas secundárias
a transfusões maciças e boa parte das recomendações e diretrizes sobre o tema vieram
de estudos relacionados ao trauma, contando principalmente com dados militares
de países desenvolvidos. Entretanto, recentemente tem-se voltado atenção para outras
situações em que ocorre sangramento importante, como hemorragia digestiva,
aneurisma de aorta roto, sangramento de causa ginecológica e obstétrica, cirurgias
cardíacas e vasculares, transplante hepático, complicações cirúrgicas, etc. A
hemorragia é uma situação que ameaça a vida e deve ser prontamente controlada.
Devemos atentar para o status volêmico do paciente. A hipoperfusão é um dos mecanismos
propostos para explicar a coagulopatia, pois leva a ativação de proteína C e
consequentemente a anticoagulação sistêmica e hiperfibrinólise (4). A reposição
volêmica é uma das etapas iniciais do tratamento, garantindo estabilidade
hemodinâmica, enquanto a reposição de hemácias garante que o conteúdo arterial
de oxigênio seja adequado. Cada unidade de concentrado de hemácias contém
aproximadamente 200mL e, num adulto, deve aumentar o hematócrito em 3 ou 4 %,
com o sangramento controlado.
Alterações na hemostasia em pacientes submetidos a
transfusões maciças são dinâmicas e multifatoriais, secundárias a infusão de
cristaloides, dos próprios hemocomponentes e coagulopatia (5). Conforme o
paciente recupera sua volemia deve-se atentar para a contagem de plaquetas, alterações
da coagulação, nível sérico de cálcio ionizado, distúrbios acidobásicos e
controle da hipotermia (hemácias são armazenadas em temperaturas entre 1°C e 6°C)
(3, 7). Lembramos que a tríade da morte relacionada ao trauma se caracteriza pela presença de hipotermia, coagulopatia e acidose metabólica (3). O citrato, anticoagulante presente nas bolsas, pode levar a
toxicidade principalmente em pacientes com disfunção hepática.
Muitos centros de trauma preconizam a
transfusão de hemocomponetes na razão de 1:1:1 (concentrado de hemácias: plasma:
plaquetas) (3). Estudo recente em pacientes com trauma e hemorragia importante
sugere que a razão 1:1:1 pode ter algum benefício sobre a estratégia de usar
2:1:1(8).
A precocidade do tratamento parece ter importante papel no desfecho desses
pacientes. Protocolos guiados por exames laboratoriais, desde que seus
resultados sejam prontamente interpretados, também apresentam bons resultados.
Destaca-se o papel do tromboelastograma (9),
pouco disponível no Brasil.
Outras estratégias também podem ser
consideradas no controle de sangramento (3), como o uso de concentrado de complexo protrombínico, fator
recombinante de coagulação VIIa, crioprecipitado, ácido tranexâmico (10), etc.
Laboratório, Banco de Sangue e equipe multiprofissional
devem estar em sintonia e organizados para que a reposição de hemocomponentes e
o controle do sangramento ocorram de forma precoce, seja com transfusão
seguindo protocolos com razão pré-estabelecida (concentrado
de hemácias: plasma: plaquetas) ou guiada por resultado de exames
laboratoriais, desde que não ocorra atraso na conduta terapêutica.
# Texto escrito por Gustavo Bastos dos Santos, cirurgião geral e residente de medicina intensiva na UNIFESP #
Referências:
1.Raymer JM, Flynn LM, Martin RF. Massive transfusion of blood in the surgical patient. The
Surgical clinics of North America. 2012;92(2):221-34, vii.
1.Raymer JM, Flynn LM, Martin RF. Massive transfusion of blood in the surgical patient. The
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2.Chidester SJ,
Williams N, Wang W, Groner JI. A pediatric massive transfusion protocol. The
journal of trauma and acute care surgery. 2012;73(5):1273-7.
3.Lal DS, Shaz BH.
Massive transfusion: blood component ratios. Current opinion in hematology.
2013;20(6):521-5.
4.McDaniel LM,
Etchill EW, Raval JS, Neal MD. State of the art: massive transfusion.
Transfusion medicine. 2014;24(3):138-44.
5.Pham HP, Shaz BH.
Update on massive transfusion. British journal of anaesthesia. 2013;111 Suppl
1:i71-82.
6.Waters JH. Role
of the massive transfusion protocol in the management of haemorrhagic shock.
British journal of anaesthesia. 2014;113 Suppl 2:ii3-8.
7.Collins JA.
Problems associated with the massive transfusion of stored blood. Surgery.
1974;75(2):274-95.
8. Holcomb JB,
Tilley BC, Baraniuk S, Fox EE, Wade CE, Podbielski JM, et al. Transfusion of
plasma, platelets, and red blood cells in a 1:1:1 vs a 1:1:2 ratio and
mortality in patients with severe trauma: the PROPPR randomized clinical trial.
Jama. 2015;313(5):471-82.
9.Schochl H,
Maegele M, Solomon C, Gorlinger K, Voelckel W. Early and individualized
goal-directed therapy for trauma-induced coagulopathy. Scandinavian journal of
trauma, resuscitation and emergency medicine. 2012;20:15.
10. Morrison JJ, Dubose JJ, Rasmussen TE, Midwinter MJ.
Military Application of Tranexamic Acid in Trauma Emergency Resuscitation
(MATTERs) Study. Archives of surgery (Chicago, Ill : 1960). 2012;147(2):113-9.
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