quarta-feira, 1 de julho de 2015

Pancreatite aguda. Estratégia nutricional: quando e como?

        A pancreatite aguda é um processo inflamatório pancreático, de etiologia variável (principal causa litíase biliar ~ 30-40%), cuja mortalidade varia de 3% em pacientes com pancreatite edematosa intersticial até ~20% em pacientes que cursam com necrose pancreática. Geralmente é autolimitada e resolve-se em poucos dias. Uma minoria de pacientes cursam com necrose pancreática que caracterizam os quadros graves, com intensa resposta inflamatória sistêmica/disfunção de múltiplos órgãos.(Figura 1)
           A infecção é uma complicação frequente nos casos graves, em especial na presença de necrose pancreática extensa, decorrente da provável translocação bacteriana. As recomendações atuais sugerem que as estratégias nutricionais podem ser protetoras, reduzindo o risco de infecção e consequentemente a mortalidade na pancreatite grave, apesar da limitada base de evidências...

Figura1. Definição, classificação evolutiva e complicações
        Os pacientes com pancreatite leve podem ser conduzidos com hidratação intravenosa inicial, já que a recuperação ocorre rapidamente, permitindo que os pacientes retomem a dieta via oral dentro de poucos dias (3-5 dias). Já nos pacientes com pancreatite moderada e grave, muitas vezes é necessário um suporte nutricional, visto que geralmente não toleram retomar a ingestão oral em menos de 5-7 dias. Neste casos, prefere-se o suporte enteral ao parenteral.
      O estudo PYTHON [1], publicado em 2014 no New England Journal of Medicine, buscou demonstrar os benefícios do suporte enteral precoce na redução de infecções e mortalidade em pacientes com pancreatite aguda grave. Foram incluídos 208 pacientes em 19 UTIs na Holanda, os quais apresentavam um alto risco de complicações (escore APACHE II > 8, PCR > 150mg/L). Os pacientes foram randomizados em 2 grupos: inicio precoce da dieta enteral (dentro de 24 horas) e o outro grupo com jejum por 72horas e posterior inicio de dieta enteral ou oral.
Aproximadamente 62% dos pacientes apresentavam necrose pancreática. Após 6 meses de seguimento, não houve diferença significativa nos desfechos primários, composto por evento infeccioso ou morte.
      Este estudo randomizado não mudou a rotina de cuidados nessa população, que apesar de escassas sólidas evidências, as principais recomendações atuais resumem-se:
           -     Dieta oral: casos de pancreatite leve, na ausência de íleo significativo, náuseas ou vômitos, a alimentação oral pode ser iniciada assim que a dor reduzir e os marcadores inflamatórios apresentarem melhora, o que ocorrem em média 24 a 48horas após o início do quadro [2]. As evidências sugerem que a alimentação precoce nos pacientes que têm fome e tolerância não depende da resolução completa da dor abdominal ou normalização das enzimas pancreáticas [3,4]. Na pancreatite moderada a grave, inicialmente a alimentação oral em geral não é tolerada devido a dor, náuseas e vômito, mas deve ser reintroduzida progressivamente mediante tolerância.

      -    Dieta enteral: a nutrição enteral é preferível a parenteral para pacientes com pancreatite aguda moderada e grave que não toleram a alimentação oral. Em geral casos com extensa necrose, SIRS e disfunções de múltiplos órgãos. Como já discutido, apesar do racional fisiológico que sugere um efeito "protetor" da dieta à translocação bacteriana, o início precoce (< 24h) não demonstrou superioridade nos desfechos infecção e mortalidade. Em relação a posição da sonda, não existem boas evidências que suportem a necessidade de locar a sonda além do ligamento de Treitz. Dois ensaios controlados comparando posição gastrica com jejunal não encontraram diferenças na tolerância ou complicações maiores [5,6]. A presença de coleções líquidas ou enzimas pancreáticas elevadas não é necessariamente uma contra indicação para a alimentação oral ou enteral. No entanto, neste subgrupo há uma associação clara de dor abdominal após alimentação. Nos casos de intolerância significativa da oferta enteral até o 5-7 dia, sugere-se o inicio de nutrição parenteral, com periódicas reavaliações.

         -       Dieta parenteral: deve ser considerada apenas em pacientes que não toleram a alimentação entérica. Nos primeiros dias (5-7 dias) de introdução da enteral, não sugere-se suplementação com nutrição parenteral em busca do alvo calórico proteico (especialmente em pacientes eutróficos pré evento – IMC > 18). [7,8]


Referências:


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