Inúmeras são as situações que
podem ocasionar quadro de choque hemorrágico no atendimento de pacientes em
ambiente de pronto – socorro e unidade de terapia intensiva, dentre os mais
comuns destacam - se traumas, sangramentos por discrasia sanguínea,
complicações de cirurgias das mais diversas, ferimentos por armas de fogo
(FAF), ferimentos por arma branca (FAB), intoxicações medicamentosas (ex:
intoxicação cumarínica).
Durante a fase inicial do choque hemorrágico é muito
comum a associação de vasopressores, como por exemplo a noradrenalina, para o
manejo e estabilização hemodinâmica do paciente, sendo usado inclusive em
diversas equipes de emergências pré-hospitalares e hospitalares em vários
países europeus (1). Contudo, na literatura médica americana e nas
recomendações europeias não são realizadas indicações claras sobre o uso de
vasopressores nesta condição clínica (2).
Qual seria o racional
fisiopatológico para o uso dos vasopressores? A fase inicial do choque
hemorrágico é caracterizada por ativação do sistema simpático resultando em
vasoconstrição compensatória dos sistemas venosos e artérias, com a intenção de
manter PAM e perfusão tecidual. Este mecanismo é extremamente eficiente, a tal
ponto que dependendo da quantidade de sangue perdida o organismo consegue
realizar a compensação sem ao menos alterar a frequência cardíaca. Alguns
trabalhos experimentais em animais que realizaram a reposição de sangue na
mesma quantidade esvaída mostram que a pressão arterial média costuma ser maior
que a do baseline antes de ser gerado o mecanismo de sangramento, confirmando
esta afirmação. Portanto, vasopressores não parecem ser benéficos neste momento
(3). Posteriormente, com a queda do débito cardíaco, por diminuição da pré -
carga efetiva, o organismo tenta realizar a compensação do débito com aumento
da frequência cardíaca. Com uma perda de sangue
considerável o mecanismo de compensação é deteriorado, com inibição do sistema
simpático e evolução para queda da resistência vascular, bradicardia e posteriormente
parada cardíaca. Nesta fase, parece ser
interessante o uso de vasopressores, pois a capacidade de adaptação do
organismo já não se encontra adequada para a situação, e seu uso pode restaurar
a pressão arterial e o débito cardíaco. Devemos nos atentar que nos pacientes
em choque hemorrágico o uso de anestésicos e analgésicos endovenosos para
facilitar manejo de ventilação de ventilação mecânica, consumo e analgesia para
procedimentos pode ser extremante deletéria, uma vez que estudos experimentais
em animais revela que a resposta simpática é muito menor nos anestesiados em
comparação aos que não fizeram uso, mesmo com a mesma perda sanguínea (4). O tempo de duração do choque também é
importante, pois com maior duração do estimulo, menor é a capacidade simpática
de resposta do organismo. Em choques hemorrágicos prolongados a resposta à
transfusão não é tão efetiva para restaurar a pressão arterial como em fases inicias,
justamente pelos eventos mencionados acima. Nesta situação a vasodilatação,
devido ao menor efeito de catecolaminas endógenas, presença de uma série de
mediadores inflamatórios (citocinas produzidas pelo mecanismo de isquemia –
reperfusão) e iberação de óxido nítrico, existe uma predominância de choque
distributivo (5,6), momento que parece ser interessante o uso de drogas
vasoativas, pois geraria compensação do sistema, menor necessidade de
transfusão e infusão de líquidos, bem como sobrecarga volêmica.
Apesar do exposto acima, o uso de
vasopressores em fases iniciais de choque séptico, conforme descrito por
Hamzaoui e colaboradores, mostrou que a administração precoce de nodranalina,
aumentou o débito cardíaco mediado por aumento do retorno venoso por
vasoconstrição venosa e da contratilidade cardíaca (7). Um efeito similar
poderia ser esperado nos pacientes com choque hemorrágico. Talvez o uso de
vasopressores em fases iniciais parece ter um racional interessante no que diz
respeito a menor necessidade de infusão de fluidos, o que geraria menor
complicações posteriores – SDRA, síndrome compartimental abdominal, sobrecarga
volêmica, edema, perpetuação do sangramento por diluição, hipotermia e
hipocalcemia (presença de citrato nas bolsas de hemocomponentes).
Baseado no
racional mencionado acima, o que temos de evidência atualmente para o uso de
vasopressores na situação de choque hemorrágico? Realizando busca no Pubmed,
são encontrados apenas 15 estudos experimentais em animais comparando
ressuscitação com ou sem vasopressor, 3 estudos clínicos retrospectivos e um
estudo controlado. Em estudos experimentais com modelos animais a infusão
precoce de vasopressor foi capaz de restaurar o status hemodinâmico inicial
mobilizando sangue do sistema venoso, melhorando débito cardíaco, aumento de
pré –carga, pressão arterial força de contração, variação da pressão de pulso
(8). Entretanto, pode mascarar hipovolemia. Outro trabalho interessante em
animais mostrou que a infusão de noradrenalina em fases iniciais restaurou a
hemodinâmica mesmo na ausência de infusão de fluidos, contudo mascarou
hipovolemia resultando em necrose miocárdica extensa e insuficiência renal
aguda (9). Este efeito adverso parece ter relação com a dose administrada (10).
A infusão de vasopressores em fases iniciais parece prejudicar demais a
perfusão, apesar da resposta adequada em relação a macro hemodinâmica. Vale
lembrar, que estes trabalhos não realizaram infusão de fluidos, o uso de drogas
vasoativas foi feito de forma isolada e ocorreram em fases muito iniciais do
choque hemorrágico, ou seja, sem a presença de vasodilatação. Entretanto, em
modelos com porcos feridos no sistema esplâncnico, simulando uma situação de
trauma, o uso de vasopressor isolado na fase inicial foi associado a maior
sobrevivência quando comparado com ressuscitação apenas com cristaloide (11).
Outro estudo, com o mesmo modelo de porcos, evidenciou que a associação de
cristaloide com vasopressina ou noradrenalina quando comparado apenas com
ressuscitação com volume, gerou menor sobrecarga hídrica pulmonar e menor edema
cerebral naquele grupo (12). Em modelos
experimentais animais, com sangramento maciço, ou seja, quando a capacidade de
adaptação do sistema simpático for menor e a vasodilatação já tiver sido
instalada, o uso de vasopressina foi associada com sobrevida, quando comparado
com ressuscitação apenas com cristaloide ou quando comparado com outros
vasopressores (adrenalina e noradrenalina) (13,14,15). A vasopressina parece
ser superior as outras drogas porque diminui o fluxo de sangue portal e
mesentérico, provavelmente resultado em melhor distribuição de sangue para
outros órgãos e diminuindo o risco do local de sangramento. Apesar de
interessantes, os modelos animais não conseguem retratar a realidade do ser
humano, das múltiplas variações clínicas do dia a dia, da complexidade e o
tempo de internação prologado de UTI (geralmente os trabalhos são realizados em
períodos curtos, não ultrapassando as primeiras 24 horas).
Trabalhos
clínicos e prospectivos em seres humanos nunca foram conduzidos, comparando
diferentes estratégias terapêuticas, incluindo vasopressores isolados ou em
conjunto com infusão de líquidos. Plurad e colaboradores realizaram um estudo
retrospectivo com 1349 pacientes sem lesão neurológica, que receberam
vasopressores em fase inicial de uma injuria crítica, relatando aumento
significativo na mortalidade. Existe apenas um estudo descritivo, relatando o
uso de dopamina na primeira hora de chegada ao hospital, em protocolo de trauma
para fraturas pélvicas seguida de embolização por arteriografia. Contudo,
avaliar o resultado dessa terapêutica fica muito difícil, uma vez que o
paciente recebeu muitos outros bundles de atendimento. Estes estudos negativos
são desanimadores. Apenas um estudo recente, prospectivo, duplo cego,
randomizado, evidenciou que o uso de vasopressina associada a volume, na dose de
4 UI bolus seguida de 2.4 UI/H por 5 horas (38 pacientes), quando comparado com
ressuscitação apenas com volume (40 pacientes), gerou menor necessidade de
fluidos em 5 dias (p = 0,04), com mortalidade no dia 5 de 13% contra 25%,
respectivamente (p = 0,19) (16).
Com tudo o que
foi relatado acima o que podemos concluir? 1. Apesar dos argumentos teóricos
que o uso de vasopressor de forma precoce associada a infusão de volume parece
ser benéfica, ainda existe pouca evidência para esta estratégia. 2. Estudos experimentais
claramente evidenciam que o uso de vasopressor não deve substituir a infusão de
líquidos. 3. Uso de vasopressor
claramente diminui a necessidade de volume, reduzindo os riscos desta
intervenção isolada (sobrecarga volêmica). 4. O tipo de vasopressor, o tempo de
iniciar e quanto tempo manter não parece claro 5. Sem dúvida, a infusão de
fluídos é a primeira estratégia para compensação de quadros de choque
hemorrágico.
(16). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21161222
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