quinta-feira, 23 de julho de 2015

A terapia com vasopressores apresenta indicação no choque hemorrágico?


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Inúmeras são as situações que podem ocasionar quadro de choque hemorrágico no atendimento de pacientes em ambiente de pronto – socorro e unidade de terapia intensiva, dentre os mais comuns destacam - se traumas, sangramentos por discrasia sanguínea, complicações de cirurgias das mais diversas, ferimentos por armas de fogo (FAF), ferimentos por arma branca (FAB), intoxicações medicamentosas (ex: intoxicação cumarínica).
Durante a fase inicial do choque hemorrágico é muito comum a associação de vasopressores, como por exemplo a noradrenalina, para o manejo e estabilização hemodinâmica do paciente, sendo usado inclusive em diversas equipes de emergências pré-hospitalares e hospitalares em vários países europeus (1). Contudo, na literatura médica americana e nas recomendações europeias não são realizadas indicações claras sobre o uso de vasopressores nesta condição clínica (2).

Qual seria o racional fisiopatológico para o uso dos vasopressores? A fase inicial do choque hemorrágico é caracterizada por ativação do sistema simpático resultando em vasoconstrição compensatória dos sistemas venosos e artérias, com a intenção de manter PAM e perfusão tecidual. Este mecanismo é extremamente eficiente, a tal ponto que dependendo da quantidade de sangue perdida o organismo consegue realizar a compensação sem ao menos alterar a frequência cardíaca. Alguns trabalhos experimentais em animais que realizaram a reposição de sangue na mesma quantidade esvaída mostram que a pressão arterial média costuma ser maior que a do baseline antes de ser gerado o mecanismo de sangramento, confirmando esta afirmação. Portanto, vasopressores não parecem ser benéficos neste momento (3). Posteriormente, com a queda do débito cardíaco, por diminuição da pré - carga efetiva, o organismo tenta realizar a compensação do débito com aumento da frequência cardíaca. Com uma perda de sangue considerável o mecanismo de compensação é deteriorado, com inibição do sistema simpático e evolução para queda da resistência vascular, bradicardia e posteriormente parada cardíaca.  Nesta fase, parece ser interessante o uso de vasopressores, pois a capacidade de adaptação do organismo já não se encontra adequada para a situação, e seu uso pode restaurar a pressão arterial e o débito cardíaco. Devemos nos atentar que nos pacientes em choque hemorrágico o uso de anestésicos e analgésicos endovenosos para facilitar manejo de ventilação de ventilação mecânica, consumo e analgesia para procedimentos pode ser extremante deletéria, uma vez que estudos experimentais em animais revela que a resposta simpática é muito menor nos anestesiados em comparação aos que não fizeram uso, mesmo com a mesma perda sanguínea (4).  O tempo de duração do choque também é importante, pois com maior duração do estimulo, menor é a capacidade simpática de resposta do organismo. Em choques hemorrágicos prolongados a resposta à transfusão não é tão efetiva para restaurar a pressão arterial como em fases inicias, justamente pelos eventos mencionados acima. Nesta situação a vasodilatação, devido ao menor efeito de catecolaminas endógenas, presença de uma série de mediadores inflamatórios (citocinas produzidas pelo mecanismo de isquemia – reperfusão) e iberação de óxido nítrico, existe uma predominância de choque distributivo (5,6), momento que parece ser interessante o uso de drogas vasoativas, pois geraria compensação do sistema, menor necessidade de transfusão e infusão de líquidos, bem como sobrecarga volêmica.

Apesar do exposto acima, o uso de vasopressores em fases iniciais de choque séptico, conforme descrito por Hamzaoui e colaboradores, mostrou que a administração precoce de nodranalina, aumentou o débito cardíaco mediado por aumento do retorno venoso por vasoconstrição venosa e da contratilidade cardíaca (7). Um efeito similar poderia ser esperado nos pacientes com choque hemorrágico. Talvez o uso de vasopressores em fases iniciais parece ter um racional interessante no que diz respeito a menor necessidade de infusão de fluidos, o que geraria menor complicações posteriores – SDRA, síndrome compartimental abdominal, sobrecarga volêmica, edema, perpetuação do sangramento por diluição, hipotermia e hipocalcemia (presença de citrato nas bolsas de hemocomponentes).
Baseado no racional mencionado acima, o que temos de evidência atualmente para o uso de vasopressores na situação de choque hemorrágico? Realizando busca no Pubmed, são encontrados apenas 15 estudos experimentais em animais comparando ressuscitação com ou sem vasopressor, 3 estudos clínicos retrospectivos e um estudo controlado. Em estudos experimentais com modelos animais a infusão precoce de vasopressor foi capaz de restaurar o status hemodinâmico inicial mobilizando sangue do sistema venoso, melhorando débito cardíaco, aumento de pré –carga, pressão arterial força de contração, variação da pressão de pulso (8). Entretanto, pode mascarar hipovolemia. Outro trabalho interessante em animais mostrou que a infusão de noradrenalina em fases iniciais restaurou a hemodinâmica mesmo na ausência de infusão de fluidos, contudo mascarou hipovolemia resultando em necrose miocárdica extensa e insuficiência renal aguda (9). Este efeito adverso parece ter relação com a dose administrada (10). A infusão de vasopressores em fases iniciais parece prejudicar demais a perfusão, apesar da resposta adequada em relação a macro hemodinâmica. Vale lembrar, que estes trabalhos não realizaram infusão de fluidos, o uso de drogas vasoativas foi feito de forma isolada e ocorreram em fases muito iniciais do choque hemorrágico, ou seja, sem a presença de vasodilatação. Entretanto, em modelos com porcos feridos no sistema esplâncnico, simulando uma situação de trauma, o uso de vasopressor isolado na fase inicial foi associado a maior sobrevivência quando comparado com ressuscitação apenas com cristaloide (11). Outro estudo, com o mesmo modelo de porcos, evidenciou que a associação de cristaloide com vasopressina ou noradrenalina quando comparado apenas com ressuscitação com volume, gerou menor sobrecarga hídrica pulmonar e menor edema cerebral naquele grupo (12).  Em modelos experimentais animais, com sangramento maciço, ou seja, quando a capacidade de adaptação do sistema simpático for menor e a vasodilatação já tiver sido instalada, o uso de vasopressina foi associada com sobrevida, quando comparado com ressuscitação apenas com cristaloide ou quando comparado com outros vasopressores (adrenalina e noradrenalina) (13,14,15). A vasopressina parece ser superior as outras drogas porque diminui o fluxo de sangue portal e mesentérico, provavelmente resultado em melhor distribuição de sangue para outros órgãos e diminuindo o risco do local de sangramento. Apesar de interessantes, os modelos animais não conseguem retratar a realidade do ser humano, das múltiplas variações clínicas do dia a dia, da complexidade e o tempo de internação prologado de UTI (geralmente os trabalhos são realizados em períodos curtos, não ultrapassando as primeiras 24 horas).
Trabalhos clínicos e prospectivos em seres humanos nunca foram conduzidos, comparando diferentes estratégias terapêuticas, incluindo vasopressores isolados ou em conjunto com infusão de líquidos. Plurad e colaboradores realizaram um estudo retrospectivo com 1349 pacientes sem lesão neurológica, que receberam vasopressores em fase inicial de uma injuria crítica, relatando aumento significativo na mortalidade. Existe apenas um estudo descritivo, relatando o uso de dopamina na primeira hora de chegada ao hospital, em protocolo de trauma para fraturas pélvicas seguida de embolização por arteriografia. Contudo, avaliar o resultado dessa terapêutica fica muito difícil, uma vez que o paciente recebeu muitos outros bundles de atendimento. Estes estudos negativos são desanimadores. Apenas um estudo recente, prospectivo, duplo cego, randomizado, evidenciou que o uso de vasopressina associada a volume, na dose de 4 UI bolus seguida de 2.4 UI/H por 5 horas (38 pacientes), quando comparado com ressuscitação apenas com volume (40 pacientes), gerou menor necessidade de fluidos em 5 dias (p = 0,04), com mortalidade no dia 5 de 13% contra 25%, respectivamente (p = 0,19) (16).
Com tudo o que foi relatado acima o que podemos concluir? 1. Apesar dos argumentos teóricos que o uso de vasopressor de forma precoce associada a infusão de volume parece ser benéfica, ainda existe pouca evidência para esta estratégia. 2. Estudos experimentais claramente evidenciam que o uso de vasopressor não deve substituir a infusão de líquidos. 3.  Uso de vasopressor claramente diminui a necessidade de volume, reduzindo os riscos desta intervenção isolada (sobrecarga volêmica). 4. O tipo de vasopressor, o tempo de iniciar e quanto tempo manter não parece claro 5. Sem dúvida, a infusão de fluídos é a primeira estratégia para compensação de quadros de choque hemorrágico.


(16). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21161222

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