O
acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) é uma condição devastadora com
altos índices de incapacitação e morte, sendo considerado a segunda causa de morte
no mundo. No Brasil sua incidência varia entre 137-168:100.000 habitantes e em
2005 foi responsável por 10% dos óbitos dentre todas as causas (1). A busca por
terapias que melhorem o desfecho neurológico destes pacientes é incessante e o
objetivo principal visa recanalizar a obstrução e restaurar o fluxo sanguíneo
cerebral (2). A droga mais estudada neste contexto é o ativador do
plasminogênio tecidual recombinante (rT-PA), que levou a melhor desfecho
funcional quando administrada em até 4,5 horas do evento, sendo considerado o
tratamento de escolha nos dias atuais (Evidência 1A) (3).
Porém mesmo com os resultados promissores dos estudos, dentre os pacientes com acometimento da circulação anterior proximal, 60 a 80% irão morrer em até 90 dias ou não terão mais independência funcional a despeito da terapia trombolítica (4). Dentre as terapias alternativas estão a trombólise intra-arterial ou mecânica e a terapia combinada (IV + terapia intervencionista), porém até pouco tempo atrás a real eficácia destas estratégias ainda permanecia desconhecida (2).
Porém mesmo com os resultados promissores dos estudos, dentre os pacientes com acometimento da circulação anterior proximal, 60 a 80% irão morrer em até 90 dias ou não terão mais independência funcional a despeito da terapia trombolítica (4). Dentre as terapias alternativas estão a trombólise intra-arterial ou mecânica e a terapia combinada (IV + terapia intervencionista), porém até pouco tempo atrás a real eficácia destas estratégias ainda permanecia desconhecida (2).
O
cenário começou a mudar após a apresentação dos resultados do MR CLEAN em dezembro de 2014 e a sua publicação
no New England Journal of
Medicine (NEJM) em janeiro deste ano. O estudo representou um verdadeiro
avanço no cuidado dos pacientes com AVCI de circulação anterior ao mostrar
melhora no desfecho funcional em três meses para o grupo que recebeu tratamento
padrão associado à trombectomia endovascular e sem gerar aumento de mortalidade
(5).
Em fevereiro de 2015 a NEJM publicou mais dois estudos similares
com
desfechos primários também favoráveis (6). O primeiro, também conhecido como EXTEND-IA, multicêntrico, randomizou
aleatoriamente pacientes com AVCI em dois grupos: terapia trombolítica exclusiva
com alteplase 0,9 mg/Kg x trombólise associada a trombectomia endovascular com
o stent retriever Solitaire
FR (Vídeo 1) (7). Todos os pacientes
que apresentassem AVCI envolvendo circulação anterior, com acometimento de
carótida interna (ACI) ou os segmentos 1 e 2 (M1 e M2) da artéria cerebral
média (ACM), com tomografia computadorizada (TC) de perfusão evidenciando
presença de tecido viável e que pudessem receber alteplase em até 4,5 horas do
ictus eram elegíveis. Não houve restrições quanto à idade e o
NIHSS inicial, porém todos os pacientes deveriam ter Rankin modificado prévio
menor ou igual a 2 e a terapia endovascular deveria ser
iniciada em até 6 horas após o início dos sintomas, com termino do procedimento
em até 8 horas. O estudo foi
interrompido precocemente, após a inclusão de 70 doentes, por demonstar
superioridade do grupo com trombectomia mecânica adjuvante (após os achados do
MR CLEAN). Dentre os desfechos, a terapia combinada resultou em aumento da
reperfusão em 24 horas (100%
x 37%, p < 0.001) e probabilidade
de reperfusão de mais de 90% sem hemorragia intraparenquimatosa (HIP)
sintomática associada (89%
x 34%, p < 0.001); levou a melhora neurológica em três dias (80% x 37%, p = 0,002)
e melhora da escala de Rankin modificada em 90 dias (pontuação de 0-2, 71% x 40 %, p = 0,01). Não houve diferenças
significativas na mortalidade (6).
Vídeo 1: Trombectomia endovascular com o stent retriever Solitaire FR (7)
O segundo, também conhecido como ESCAPE, foi um estudo prospectivo,
randomizado, multicêntrico (22 centros) e mais robusto, com intenção inicial de
incluir 500 doentes. Estes
foram randomizados em dois grupos: terapia clínica padrão de acordo com o guideline canadense ou o protocolo da
instituição x terapia clínica associada à endovascular. Os pacientes eram
elegíveis a despeito da idade, caso apresentassem independência funcional
prévia (índice de Barthel ≥ 90). A
inclusão poderia ocorrer em até 12 horas do ictus e todos deveriam ter área
isquêmica com core pequeno (ASPECTS de 6-10), oclusão arterial proximal (tronco
da ACM ou seus ramos M1 e M2, com ou sem acometimento da área intracraniana da ACI)
e presença de circulação colateral moderada a boa avaliadas pela TC de crânio e
angiotomografia. Todos os pacientes com até 4,5 horas do ictus e que
preenchessem os critérios das instituições para trombólise intravenosa
receberam alteplase. O grupo intervenção deveria ser prontamente submetido à
trombectomia mecânica, com recomendação para uso de stents retrievers e guia com balão mantido na ACI e sob aspiração contínua
(4).
Mais uma vez o estudo foi interrompido
precocemente por superioridade (após os achados do MR CLEAN), após inclusão de
165 participantes no grupo intervenção e 160 no controle. Duzentos e trinta e
oito pacientes receberam alteplase (120 no grupo intervenção e 118 no grupo
controle). O desfecho primário (escore modificado de Rankin em 90 dias) foi
superior no grupo intervenção (OR 2,6; IC 95% [1,7-3,8], p < 0,001), com
independência funcional (Rankin 0-2) atingida em 53.0% x 29.3% (p < 0.001) e
média de escore de 2 e 4 (p < 0,001). A intervenção foi associada à redução na
mortalidade (10.4% x 19.0%, p = 0.04) e aumento de HIP (3.6% x 2.7%), porém
este último sem significância estatística (RR 1.4; IC 95% [0.4 - 4.7]; p =
0.75) (4).
Um
quarto estudo - o SWIFT-PRIME - também foi positivo para a terapia com trombectomia mecânica
com o Solitaire FR (8), porém seus
resultados ainda não foram publicados.
Diante do exposto os benefícios funcionais
em longo prazo da trombectomia mecânica com o stent retriever ficaram claros, mas infelizmente a sua utilização
protocolizada ainda será retardada pela pequena disponibilidade do método e mão
de obra qualificada. Até lá nos resta usar apenas o bom e velho alteplase.
Referências:
- Executive Committee from Brazilian Stroke Society and the Scientific Department in Cerebrovascular Diseases of the Brazilian Academy of Neurology, et al. Guidelines for acute ischemic stroke treatment – Part I. Arq Neuropsiquiatr 2012;70(8):621-629.
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/term=Systematic+Review+of+Outcome+After+Ischemic+Stroke+due+to+Anterior+Circulation+Occlusion+Treated+With
- Martins SCO, Freitas GR, Pontes-Neto OM, et al. Guidelines for acute ischemic stroke treatment – Part II: Stroke treatment. Arq Neuropsiquiatr 2012;70(11):885-893
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25671798
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25517348
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25671797
- http://www.covidien.com/solitaire/pages.aspx
- http://my.americanheart.org/idc/groups/ahamahpublic/@wcm/@sop/@scon/documents/downloadable/ucm_471815.pdf
Estes estudos com grande potencial financeiro são muito dificeis de interpretar. Apesar de terem sido publicados no NEJM acho que a reprodutibilidade destes estudos é difícil por uma serie de questões técnicas. Minha impressão é que So o tempo vai dizer se este dispositivo veio pra ficar.
ResponderExcluirNem tudo que reluz é ouro, ou é?
ExcluirConcordo plenamente com sua colocação. O método é caro, não está disponível na maioria dos serviços, os que possuem nem sempre conseguem realiza-lo no delta T necessário (as vezes nem a TC de crânio é realizada em tempo hábil) e são poucos os profissionais com boa experiência técnica, os critérios de inclusão eram restritos a pacientes com área tecido viável e com boa funcionalidade prévia.
ExcluirOu seja, não seria possível reproduzi-lo com um N adequado mesmo em nossos grandes centros. Mas não podemos negar que os achados foram bem interessantes.