domingo, 22 de março de 2015

Síndrome HELLP: um diagnóstico que não pode ser negligenciado.




HELLP é um acrômio que se refere a uma síndrome caracterizada por hemólise microangiopática, elevação das enzimas hepáticas e plaquetopenia (H: hemolyis, EL: elevated liver enzymes, LP: Low platelets) (1).  Foi descrita pela primeira vez na metade do século passado, em 1954, quando Pritchard e colaboradores relataram três casos em que estas alterações laboratoriais estavam presentes em gestantes toxemiadas (2).
         Em 1982, Louis Weinstein relatou 29 casos de pré-eclampsia grave complicados com trombocitopenia, hemólise intravascular evidenciada pelos achados de esquizócitos no esfregaço de sangue periférico e alterações nos testes de função hepática, sugerindo que as mulheres com esse quadro laboratorial fossem distinguidas daquelas que tradicionalmente eram classificadas como pré-eclampsia grave (3). Contudo, até hoje, tal distinção continua controversa, havendo aqueles que acreditam que a síndrome é uma variante severa desta condição e outros que a caracterizam como uma entidade nosológica independente, pois ao menos de 15 a 20% das pacientes com as alterações já citadas, não apresentam em nenhum momento do curso da doença, hipertensão e proteinúria. O mais aceito é que provavelmente seja uma forma grave de pré – eclâmpsia.

A Síndrome costuma complicar cerca de 0,1 – 0,8% de todas as gestações e 10 – 20% das pacientes que desenvolvem pré – eclâmpsia / eclâmpsia. Constitui, mundialmente, uma condição de grande morbimortalidade materno – fetal e requer reconhecimento imediato, objetivando evitar consequências desastrosas, como: manifestações hepáticas graves na mãe (ruptura, hematoma subcapsular, infarto, hemorragia, insuficiência aguda), insuficiência renal, sangramentos diversos, edema pulmonar, parto prematuro e até mesmo morte materna e do concepto (4). Na maior parte das vezes a doença se instala de forma repentina, predominando entre 27 e 37 semanas de gestação, com deterioração agressiva e rápida, embora possa ocorrer exclusivamente ao longo do puerpério, totalizando cerca de 15 – 20% dos casos (5). No puerpério, o mais comum é que ocorra nas primeiras 48 horas, mas ocasionalmente pode se apresentar após 7 dias do parto. A mortalidade materna, de acordo com Isle e colaboradores, pode ocorrer por vários mecanismos, sendo os principais em ordem de acontecimento: hemorragia cerebral (45%), falência cardiopulmonar (40%), coagulação intravascular disseminada (39%), síndrome do desconforto respiratório do adulto (28%), insuficiência renal (28%), sepse (23%), hemorragia hepática (20%), encefalopatia anóxica (16%) (6). O desfecho para o recém-nascido também é desfavorável e na grande maioria das vezes depende da idade gestacional e do peso no momento do parto. 70% ocorrem de forma prematura, gerando uma série de complicações neonatais - membrana hialina, displasia broncopulmonar, hemorragia intracraniana e enterocolite necrotizante (4).
A patogênese ainda é incerta. Se considerarmos que a síndrome é uma variante da pré – eclampsia, muito provavelmente o mecanismo de deflagração decorre do funcionamento inadequado da placenta e de seu desenvolvimento aberrante. A ineficiência estaria relacionada com a onda de invasão trofoblástica. Em condições normais as células que constituem o citotrofoblasto invadem as arteríolas espiraladas uterinas, substituindo as células do endotélio e destruindo a camada média destes vasos, gerando, consequentemente, artérias de maior calibre para nutrir a placenta durante a gestação. Na pré – eclampsia a invasão ocorre de forma incompleta ocasionando menor fluxo sanguíneo para o órgão. Tal situação propiciaria liberação de uma série de mediadores inflamatórios que ocasionariam disfunção endotelial sistêmica e reação inflamatória exacerbada, condições que levariam as manifestações clínicas da doença. Pensando em entidade isolada, o mecanismo sugerido seria a placentação anormal, similar ao mecanismo acima citado, mas com inflamação hepática bastante exacerbada, ativação do sistema de coagulação e do sistema complemento. 
A apresentação clínica da doença é bastante variável. A maioria das mulheres cursam com dor abdominal epigástrica ou em quadrante superior direito (7). Outros sintomas comuns são náusea, vômitos, fadiga, mal estar (6). Menos prevalentes, porém não menos importantes, cefaleia, alterações visuais, ascite, sangramentos, edemas, hematomas ao longo do corpo, insuficiência respiratória, oligúria (<500 mL/24hr), edemas e alterações da função hepática pelos motivos já citados no começo do texto. Em torno de 85% das pacientes cursam com hipertensão arterial (PA 140/90 mmHg) e proteinúria > 300 mg/dl em dosagem de 24 horas. Lembrar que algumas podem não apresentar perda de proteína na urina e/ou aumento da pressão arterial.
O diagnóstico é suspeitado quando os sintomas surgirem ao longo da segunda metade da gestação ou na primeira semana de puerpério e confirmado quando os mesmos forem associados aos seguintes exames laboratoriais (critérios de Teennesse):
- Anemia microangiopática evidenciada pela presença de esquizócitos em sangue periférico.
- Exames consistentes com hemólise: diminuição de haptoglobina, aumento de bilirrubina indireta e DHL > 600 UI/ L
- Bilirruina total > 1,2 mg / dl
- Trombocitopenia < 100.000/ microl
- AST e ALT > 70 UI / L

          Todos os critérios devem estar presentes para a confirmação diagnóstica, porém a ausência de alguns deles define Síndrome HELLP parcial, que eventualmente pode evoluir para o quadro completo.
Muitos são os diagnósticos diferenciais que devem ser descartados: PTT (púrpura trombocitopenica trombótica), SHU (síndrome hemolítica urêmica), apendicite, esteatose hepática aguda da gestação, PTI (púrpura trombocitopenica idiopática), hepatites, gastroenterites, LES (lúpus que muitas vezes se inicia na gestação), SAAF (síndrome do anticorpo antifósfolipide), falência hepática aguda de causas diversas. Na maioria dos casos AST e ALT não se elevam acima de 1000 UI / L na síndrome HELLP, devendo ser descartadas outras patologias, como hepatites virais.
Uma vez identificada a situação o ideal é realizar estabilização clínica da mãe, identificar o status do feto e decidir o momento ideal da interrupção da gestação. Esta consiste na principal estratégia de efetividade contra a doença, uma vez que o mecanismo de gatilho da mesma depende da placentação inadequada. Idealmente todo o processo deve ocorrer em ambiente monitorizado e capacitado para resolver eventuais complicações, devendo o paciente ser acompanhado em ambiente de terapia intensiva com intensivista e obstetra. O controle da pressão arterial pode ser feito com labetalol, hidralazina, alfa metildopa, e em condições de extrema gravidade nitroprussiato de sódio, contudo os riscos devem ser considerados (1). Atentar que a terapêutica é a mesma usada na pré – eclâmpsia / eclâmpsia. O uso de sufato de magnésio pode ser utilizado para prevenir convulsões maternas e até mesmo para ajudar na neuroproteção do feto nos casos de interrupção entre 28 e 32 semanas (8). A gestação deve ser interrompida nas seguintes situações: idade gestacional maior do que 34 semanas, comprometimento fetal (sugerido por alterações na cardiotocografia, alterações no batimento cardíaco fetal, ausência de movimentos fetais no exame físico) ou evidências de gravidade materna (DMOS, sangramentos, sinais de CIVD, alterações hepáticas, falência renal) (9). Sempre que possível, se as condições maternas e fetais permitirem, corticoide deve ser realizado e a interrupção da gestação postergada pôr no máximo 48 horas, no intuito de facilitar maturação do pulmão do concepto, evitando assim síndrome do desconforto respiratório por falta de surfactante (10). No que se refere a transfusão de plaquetas não existe indicação precisa em relação ao momento ideal de transfundir, contudo as melhores opções ocorrem quando existe plaquetopenia e sangramento vigente (principalmente quando em risco a vitalidade do binômio mãe – feto), profilática quando menor do que 20.000 células / microl ou quando a cessação da gestação irá ocorrer por cesárea; nesta o ideal é transfusão para manter a contagem acima de 50.000 células / microl de sangue, evitando assim risco de sangramento pelo procedimento.
Atualmente existe bastante controvérsia em relação ao uso de dexametasona para o tratamento de síndrome HELLP. Estudos observacionais e pequenos trials randomizados sugerem melhora dos parâmetros clínicos e laboratorias quando realizado ciclo da medicação (11,12). Contudo, ainda existe falta de grandes trials, multicêntricos e randomizados para validar seu uso de forma rotineira no dia a dia. Recentemente a Cochrane publicou uma meta análise, com 11 trials, comparando o uso de corticoide versus placebo na condução de gestantes com a síndrome, mostrando ausência de diferença no número de óbitos maternos e fetais, eventos perinatais, bem como desfechos desastrosos (13). 
Resumindo, a síndrome HELLP é uma condição bastante grave, infrequente, que pode acometer gestantes e puérperas, mas que deve ser reconhecida de forma imediata pela maioria dos profissionais de saúde, no intuito de diminuir as complicações advindas de sua evolução.


(2). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/13119851
(4). http://www.febrasgo.org.br
(6). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10521755
(12). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11408849
(13). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14973983

Nenhum comentário:

Postar um comentário