HELLP
é um acrômio que se refere a uma síndrome caracterizada por hemólise
microangiopática, elevação das enzimas hepáticas e plaquetopenia (H: hemolyis,
EL: elevated liver enzymes, LP: Low platelets) (1). Foi descrita pela primeira vez na metade do
século passado, em 1954, quando Pritchard e colaboradores relataram três casos em
que estas alterações laboratoriais estavam presentes em gestantes toxemiadas
(2).
Em 1982, Louis Weinstein relatou
29 casos de pré-eclampsia grave complicados com trombocitopenia, hemólise
intravascular evidenciada pelos achados de esquizócitos no esfregaço de sangue
periférico e alterações nos testes de função hepática, sugerindo que as
mulheres com esse quadro laboratorial fossem distinguidas daquelas que
tradicionalmente eram classificadas como pré-eclampsia grave (3). Contudo, até
hoje, tal distinção continua controversa, havendo aqueles que acreditam que a
síndrome é uma variante severa desta condição e outros que a caracterizam como
uma entidade nosológica independente, pois ao menos de 15 a 20% das pacientes
com as alterações já citadas, não apresentam em nenhum momento do curso da
doença, hipertensão e proteinúria. O mais aceito é que provavelmente seja uma
forma grave de pré – eclâmpsia.
A
Síndrome costuma complicar cerca de 0,1 – 0,8% de todas as gestações e 10 – 20%
das pacientes que desenvolvem pré – eclâmpsia / eclâmpsia. Constitui,
mundialmente, uma condição de grande morbimortalidade materno – fetal e requer
reconhecimento imediato, objetivando evitar consequências desastrosas, como:
manifestações hepáticas graves na mãe (ruptura, hematoma subcapsular, infarto,
hemorragia, insuficiência aguda), insuficiência renal, sangramentos diversos, edema
pulmonar, parto prematuro e até mesmo morte materna e do concepto (4). Na maior
parte das vezes a doença se instala de forma repentina, predominando entre 27 e
37 semanas de gestação, com deterioração agressiva e rápida, embora possa ocorrer
exclusivamente ao longo do puerpério, totalizando cerca de 15 – 20% dos casos (5).
No puerpério, o mais comum é que ocorra nas primeiras 48 horas, mas
ocasionalmente pode se apresentar após 7 dias do parto. A mortalidade materna,
de acordo com Isle e colaboradores, pode ocorrer por vários mecanismos, sendo
os principais em ordem de acontecimento: hemorragia cerebral (45%), falência
cardiopulmonar (40%), coagulação intravascular disseminada (39%), síndrome do
desconforto respiratório do adulto (28%), insuficiência renal (28%), sepse
(23%), hemorragia hepática (20%), encefalopatia anóxica (16%) (6). O desfecho
para o recém-nascido também é desfavorável e na grande maioria das vezes
depende da idade gestacional e do peso no momento do parto. 70% ocorrem de forma
prematura, gerando uma série de complicações neonatais - membrana hialina,
displasia broncopulmonar, hemorragia intracraniana e enterocolite necrotizante
(4).
A
patogênese ainda é incerta. Se considerarmos que a síndrome é uma variante da
pré – eclampsia, muito provavelmente o mecanismo de deflagração decorre do
funcionamento inadequado da placenta e de seu desenvolvimento aberrante. A ineficiência
estaria relacionada com a onda de invasão trofoblástica. Em condições normais
as células que constituem o citotrofoblasto invadem as arteríolas espiraladas
uterinas, substituindo as células do endotélio e destruindo a camada média
destes vasos, gerando, consequentemente, artérias de maior calibre para nutrir
a placenta durante a gestação. Na pré – eclampsia a invasão ocorre de forma
incompleta ocasionando menor fluxo sanguíneo para o órgão. Tal situação
propiciaria liberação de uma série de mediadores inflamatórios que ocasionariam
disfunção endotelial sistêmica e reação inflamatória exacerbada, condições que
levariam as manifestações clínicas da doença. Pensando em entidade isolada, o
mecanismo sugerido seria a placentação anormal, similar ao mecanismo acima
citado, mas com inflamação hepática bastante exacerbada, ativação do sistema de
coagulação e do sistema complemento.
A
apresentação clínica da doença é bastante variável. A maioria das mulheres
cursam com dor abdominal epigástrica ou em quadrante superior direito (7).
Outros sintomas comuns são náusea, vômitos, fadiga, mal estar (6). Menos
prevalentes, porém não menos importantes, cefaleia, alterações visuais, ascite,
sangramentos, edemas, hematomas ao longo do corpo, insuficiência respiratória, oligúria
(<500 mL/24hr), edemas e alterações da função hepática pelos motivos já citados
no começo do texto. Em torno de 85% das pacientes cursam com hipertensão
arterial (PA ≥ 140/90 mmHg) e proteinúria > 300 mg/dl em
dosagem de 24 horas. Lembrar que algumas podem não apresentar perda de proteína
na urina e/ou aumento da pressão arterial.
O
diagnóstico é suspeitado quando os sintomas surgirem ao longo da segunda metade
da gestação ou na primeira semana de puerpério e confirmado quando os mesmos
forem associados aos seguintes exames laboratoriais (critérios de Teennesse):
- Anemia
microangiopática evidenciada pela presença de esquizócitos em sangue
periférico.
- Exames
consistentes com hemólise: diminuição de haptoglobina, aumento de bilirrubina
indireta e DHL > 600 UI/ L
-
Bilirruina total > 1,2 mg / dl
-
Trombocitopenia < 100.000/ microl
- AST e
ALT > 70 UI / L
Todos os critérios devem estar
presentes para a confirmação diagnóstica, porém a ausência de alguns deles
define Síndrome HELLP parcial, que eventualmente pode evoluir para o quadro
completo.
Muitos
são os diagnósticos diferenciais que devem ser descartados: PTT (púrpura
trombocitopenica trombótica), SHU (síndrome hemolítica urêmica), apendicite, esteatose hepática aguda da gestação, PTI (púrpura trombocitopenica idiopática), hepatites, gastroenterites, LES
(lúpus que muitas vezes se inicia na gestação), SAAF (síndrome do anticorpo
antifósfolipide), falência hepática aguda de causas diversas. Na maioria dos
casos AST e ALT não se elevam acima de 1000 UI / L na síndrome HELLP, devendo
ser descartadas outras patologias, como hepatites virais.
Uma vez
identificada a situação o ideal é realizar estabilização clínica da mãe,
identificar o status do feto e decidir o momento ideal da interrupção da
gestação. Esta consiste na principal estratégia de efetividade contra a doença,
uma vez que o mecanismo de gatilho da mesma depende da placentação inadequada.
Idealmente todo o processo deve ocorrer em ambiente monitorizado e capacitado
para resolver eventuais complicações, devendo o paciente ser acompanhado em
ambiente de terapia intensiva com intensivista e obstetra. O controle da
pressão arterial pode ser feito com labetalol, hidralazina, alfa metildopa, e
em condições de extrema gravidade nitroprussiato de sódio, contudo os riscos
devem ser considerados (1). Atentar que a terapêutica é a mesma usada na pré –
eclâmpsia / eclâmpsia. O uso de sufato de magnésio pode ser utilizado para
prevenir convulsões maternas e até mesmo para ajudar na neuroproteção do feto
nos casos de interrupção entre 28 e 32 semanas (8). A gestação deve ser
interrompida nas seguintes situações: idade gestacional maior do que 34
semanas, comprometimento fetal (sugerido por alterações na cardiotocografia,
alterações no batimento cardíaco fetal, ausência de movimentos fetais no exame
físico) ou evidências de gravidade materna (DMOS, sangramentos, sinais de CIVD,
alterações hepáticas, falência renal) (9). Sempre que possível, se as condições
maternas e fetais permitirem, corticoide deve ser realizado e a interrupção da
gestação postergada pôr no máximo 48 horas, no intuito de facilitar maturação do
pulmão do concepto, evitando assim síndrome do desconforto respiratório por
falta de surfactante (10). No que se refere a transfusão de plaquetas não
existe indicação precisa em relação ao momento ideal de transfundir, contudo as
melhores opções ocorrem quando existe plaquetopenia e sangramento vigente
(principalmente quando em risco a vitalidade do binômio mãe – feto),
profilática quando menor do que 20.000 células / microl ou quando a cessação da
gestação irá ocorrer por cesárea; nesta o ideal é transfusão para manter a
contagem acima de 50.000 células / microl de sangue, evitando assim risco de
sangramento pelo procedimento.
Atualmente
existe bastante controvérsia em relação ao uso de dexametasona para o
tratamento de síndrome HELLP. Estudos observacionais e pequenos trials
randomizados sugerem melhora dos parâmetros clínicos e laboratorias quando
realizado ciclo da medicação (11,12). Contudo, ainda existe falta de grandes
trials, multicêntricos e randomizados para validar seu uso de forma rotineira
no dia a dia. Recentemente a Cochrane publicou uma meta análise, com 11 trials,
comparando o uso de corticoide versus placebo na condução de gestantes com a
síndrome, mostrando ausência de diferença no número de óbitos maternos e
fetais, eventos perinatais, bem como desfechos desastrosos (13).
Resumindo,
a síndrome HELLP é uma condição bastante grave, infrequente, que pode acometer
gestantes e puérperas, mas que deve ser reconhecida de forma imediata pela
maioria dos profissionais de saúde, no intuito de diminuir as complicações
advindas de sua evolução.
(2). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/13119851
(4). http://www.febrasgo.org.br
(6). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10521755
(8). www.uptodate.com
(12). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11408849
(13). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14973983
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