domingo, 22 de fevereiro de 2015

Nefropatia induzida por contraste: vamos prevenir



 
Nefropatia induzia por contraste é definida, de acordo com o  Kidney disease improving global outcomes  (KDIGO, 2012), como um aumento na creatinina sérica de pelo menos 0,5mg/dl (44mmol/l) ou de 25% em relação ao basal no valor, que ocorre em até 48h após procedimentos radiológicos (1). Essa forma de lesão renal aguda é geralmente reversível e instala-se tão logo o contraste entra em contato com as células tubulares (2). Está associada com aumento do tempo de internação, dos custos com cuidados de saúde e aumento do risco tanto de deterioração da função renal quanto de desfechos desfavoráveis (3). Entretanto, “culpar” de imediato a exposição ao contraste por aumentos de creatinina em pacientes internados não deve ser rotina. Vários estudos mostram que o aumento de creatinina acontece não só nos pacientes que receberam algum tipo de contraste iodado, mas também nos dos grupo controle, evidenciando a multifatoriedade das lesões renais agudas em pacientes internados, fato já conhecido por todos (1).
Os contrastes iodados podem ser iônicos e não iônicos, de osmolaridade e “propriedades nefrotóxicas” variáveis. Os estudos sugerem que os contrastes hipo e isoosmolar são associados com menor risco de lesão renal aguda nos pacientes de alto risco (2).
Função renal alterada prévia é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento de nefropatia induzia por contraste; clinicamente, valores de creatinina sérica de 1,3 mg/dL em homens e 1,0mgdL em mulheres (valores que equivalem aproximadamente a uma taxa de filtração glomerular em torno de 60mL/min). Outros fatores de risco já identificados são diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, idade avançada, hipovolemia, instabilidade hemodinâmica, uso de medicações nefrotóxicas e de grandes quantidades de contraste de alta osmolaridade (1). Importante ressaltar que diabetes além de ser fator de risco isolado, em pacientes com doença renal crônica, aumenta mais ainda o risco de desenvolver nefropatia por contraste (4, 5).
A lesão renal causada pela administração de contraste ocorre no momento em que esse agente entra em contato com as células tubulares renais (ou seja, é imediada!) e é caracterizada por uma necrose tubular aguda em decorrência da vasoconstricção causada pelo contraste, resultando em hipóxia (2); entretanto a alteração laboratorial que a define só é observada cerca de 48h após. Devido a essa característica da creatinina sérica subir de forma lenta e da sua falta de sensibilidade ou especificidade em relação à pequenas alterações da taxa de filtração glomerular, novos marcadores mais sensíveis e específicos e, principalmente, que surgem em “tempo real” estão se consolidando, como o NGAL (neutrophil gelatinase-associated lipocalin) e a cistatina C (5).
Após instalada a lesão renal, não há tratamento específico para evitar sua progressão, mas existem evidências de que medidas preventivas são eficazes: hidratação venosa, uso da menor quantidade possível de contraste, uso de contraste hipo ou isoosmolar não iodados (1). Uso de n-acetilcisteína e hidratação com bicarbonato de sódio continuam controversos, motivo pelo qual ainda são estudados; recentemente um número considerável de estudos sobre estatina como medida preventiva de nefropatia por contraste está sendo publicado. Vamos detalhar um pouco mais.
A hidratação venosa é a medida primária de prevenção (5) e o racional é que aumenta a diurese, reduzindo a concentração e, consequentemente, o tempo de ação do contraste nas células tubulares renais (1, 3). Vários regimes de hidratação são sugeridos (soro fisiológico, bicarbonato de sódio, n-acetilcisteína), mas tanto qual a solução de escolha como a duração da sua infusão permanecem incertos (1, 5).  A maioria dos estudos sugere que a infusão comece pelo menos 1h antes e continue por pelo menos 3-6 horas após a exposição ao contraste (1). Com o objetivo de manter débito urinário de 150mL/h  seis horas após o procedimento radiológico (fato associado com redução das taxas de nefropatia induzida por contraste), os fluidos são administrados em uma dose entre 1 -1,5ml/kg/h, por um período de 3-12h antes e 6-12h após o uso de contraste (1).
Vários estudos comparam a eficácia de soluções de soro fisiológico puro versus soro fisiológico com bicarbonato de sódio e os resultados ora favorecem à solução pura ora à solução com bicarbonato. O guidiline KDIGO sugere que seja feita hidratação como nefroproteção, seja com soro fisiológico seja com a chamada “solução bicarbonatada”, ficando a critério de cada serviço a escolha do que utilizar. Há também a sugestão para uso de n-acetilcisteína por via oral em conjunto com a hidratação venosa como profilaxia para nefropatia induzia por contraste. Os estudos a esse respeito são heterogêneos, incluindo a forma de administração da n-acetilcisteína utilizada, bem como os grupos comparados entre si (1).
Um ensaio clínico randomizado, feito em um único centro na Turquia e publicado em 2014, comparou a eficácia da administração, em curto tempo, de três soluções como profilaxia para nefropatia por contraste no departamento de emergência. Pacientes de moderado a alto risco, segundo o escore de Mehran (figura 1),  foram randomizados em três grupos: primeiro grupo recebeu 150mg/Kg de n-acetilcisteína em 1000mL de soro fisiológico, o segundo grupo recebeu 150mEq/Kg de bicarbonato de sódio em 1000mL de soro fisiológico e o terceiro grupo recebeu apenas 1000mL de soro fisiológico puro; todas as soluções infundidas a 350mL/h, por pelo menos 3 horas (antes, durante e após administração de contraste). Foram usados menos de 100mL de contraste não iônico de baixa osmolaridade. Cento e sete pacientes foram randomizados, dos quais 16 (14,9%) desenvolveram injuria renal aguda após administração de contraste; quatro (11.1%) do grupo bicarbonato e solução salina, cinco (14,2%) do grupo da solução fisiológica pura e sete (19,4%) do grupo n-acetilcisteína e solução salina, sem, no entanto, significância estatística entre os grupos. Os autores concluem não há superioridade entre nenhum dos três protocolos na prevenção de nefropatia por contraste na sala de emergência (6).


Um ensaio clínico randomizado brasileiro, publicado em 2011 na Circulation, envolvendo 2308 pacientes submetidos à angiografia coronária diagnóstica (67,2%), angioplastia coronária (28,8%) e angiografia vascular periférica (2,8%), com pelo menos um fator de risco para nefropatia por contraste (idade acima de 70 anos, insuficiência renal, diabetes, insuficiência cardíaca ou hipotensão), estudou o efeito nefroprotetor da administração de n-acetilcisteína (1200mg) comparado com o placebo. As drogas eram administradas a cada 12h, em um total de 4 doses, 2 antes da exposição ao contraste e 2 após. Nefropatia induzida por contraste ocorreu de forma igual nos dois grupos (12,7% vesus 12,7%, RR: 1.0, IC:0.81 – 1.25, p:0.92), da mesma forma que mortalidade ou necessidade de diálise, levando aos autores a conclusão de que a n-acetilcisteina não reduz o risco de injúria renal aguda causada pelo contraste nos pacientes submetidos à angiografia coronária ou vascular periférica (7).
Muito se tem falado ultimamente sobre o papel das estatinas na prevenção de nefropatia por contraste. Em 2014, uma metanálise publicada no The American Journal of Medicine, com o intuito de investigar o impacto do uso de estatina antes de cateterismo cardíaco diagnóstico ou terapêutico, concluiu que o uso de estatina reduz o risco de nefropatia por contraste em comparação com o placebo; esse mesmo benefício foi evidenciado quanto comparadas altas e baixas doses de estatina (8). Resultados semelhantes foram encontrados na revisão sistemática e metanálise publicada no The American Journal of Cardiology, no mesmo ano. Novos estudos são necessários para determinar qual a estatina é a mais adequada, em que dose e por quanto tempo (9).
Dessa forma, para reduzir o risco de injuria renal aguda causada por contraste, seguindo as orientações do guidiline KDIGO,  devemos estar atentos a:
- usar métodos diagnósticos alternativos, como ultrassonografia, ressonância magnética ou tomografia sem contraste, se clínica do paciente permitir;
- usar a menor dose possível de contraste, dando preferência aos agentes não iônicos hipo ou isoosmolar e evitar exposição repetida em curto período;
- evitar hipovolemia e uso de antiinflamatórios não esteroidais (AINES);
- usar solução cristalóide ou solução bicarbonatada intravenosa e n-acetilcisteína oral como profilaxia;
- considerar o uso de estatina como profilaxia.
E sempre pensar em outras causas para a lesão renal aguda adquirida durante a internação, mesmo quando há a exposição à contraste.


1.     KDIGO Clincal Practice Guideline fo Akute Kidney Injury, 2012. (http://kdigo.org/home/guidelines/acute-kidney-injury/)
2.     Prevention of contrast-induced nephropathy – Uptodate topic.


Nenhum comentário:

Postar um comentário