segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cetamina: guia prático para dúvidas frequentes



A cetamina é um derivado de fenciclidina que atua como um sedativo dissociativo. Tem sido muito utilizada para facilitar procedimentos dolorosos em crianças no departamento de emergência nas ultimas duas décadas. Nos últimos anos seu uso, com o mesmo proposito, tem se expandido para adultos. A ideia deste post é revisar o uso desta medicação para sedação e analgesia em adultos.

A cetamina atua “desconectando” os sistema talamocorticais e límbico, e  assim dissocia o sistema nervoso central de estímulos externos (por exemplo, a dor, a visão e som). O estado cataléptico resultantes de transe, "isolamento sensorial". Isto gera analgesia potente, sedação e amnésia, mantendo a estabilidade cardiovascular e respiratória, além de manter os reflexos protetores das vias aéreas. Outras características desta sedação dissociativa são: aumento leve frequência cardíca e pressão arterial e nistagmo. Esta analgesia potente permite a realização de procedimentos extremamente dolorosos. A sedação produzida pela cetamina é  difícil de ser classificada conforme modelos tradicionais aplicados a outras medicações (sedação leve, moderada ou profunda). O paciente torna-se irresponsivo, porem mantem a proteção de via aérea e o drive respiratório.
Indicações: procedimentos dolorosos como:
-       Drenagem de abscessos
-       Curativos e desbridamento de queimados
-       Intubação traqueal
-       Instalação de drenos torácicos
-       Redução de fraturas
Seu uso não é adequado para a realização de exames radiológicos. O paciente pode apresentar movimentos e reduzir a qualidade do exame.
Contra-indicações:
Absoluta
-       Idade menor que 3 meses
-       Portadores de esquizofrenia (pode exacerbar o quadro)
Relativas
Risco de laringoespasmo
-    Procedimentos com grande estimulo a faringe posterior pelo risco de laringoespasmo – endoscopia digestiva alta, broncoscopia.
-       História de patologia de via aérea ou risco de instabilidade desta, como: cirurgia de traqueia prévia, estenose de traqueia.
-       Doenças pulmonares e infecções pulmonares e de via aérea superior
Exacerbação do tônus simpático
-       Pacientes portadores de coronáriopatias, ICC, HAS
-       Pacientes portadores de glaucoma
-       Portadores de doenças tireoidianas, uso de hormônio tireoidiano e porfiria
-  Pacientes em risco de aumento de pressão intracraniana. Uma revisão dos artigos já publicados sobre o uso de cetamina como agente sedativo para intubação traqueal de pacientes com TCE sugere que esta medicação é segura e pode ser utilizada. (referencia 4)

Administração da cetamina:
-       Monitorar o paciente (SpO2, frequência respiratória e cardíaca, PA). Monitorar ainda a patência das vias aéreas, a ocorrência de efeitos colaterais e a efetividade da sedação e analgesia durante o procedimento.
-       Pode ser feita pela via intravenosa ou intramuscular, o que pode ser bastante útil em pacientes sem acesso venoso, ou em pacientes agitados.
-       A via IV é preferível por ter recuperação mais rápida e provocar menos êmese.
-       O acesso venoso é importante para o tratamento de efeitos colaterais, mais comuns em adultos.

Posologia para sedação analgesia:
Intravenosa
Dose de ataque (adultos): 0,2 a 1,0 mg / kg IV, administrada durante 30 a 60 segundos.
Administração mais rápida produz elevados níveis tem sido associada com depressão respiratória ou apneia.
Dose adicional pode ser administrada (0,25 a 0,5 mg/kg) se sedação inicial for inadequada ou na realização de um procedimento mais longo (a cada 5 a 10 minutos, conforme a avaliação individual).
Para sedação continua: 2 a 7 mcg/kg/min
Duração do efeito: 10 a 20 minutos.
Intramuscular
Dose de ataque (adultos): 2-4 mg/kg IM.

A dose para intubação traqueal descrita em vários estudos é de 1 a 2,0 mg/Kg IV.
A dose utilizada para obter ação anestésica é maior (dose de ataque 0,5 a 2,0 mg/Kg IV).

Uso em gestantes: Risco C - Não há estudos adequados em mulheres (em experimentos animais ocorreram alguns efeitos adversos para o feto). A cetamina atravessa facilmente a barreira placentária e atinge concentrações no feto semelhantes às observadas no meio materno.


Efeitos adversos:
- Laringoespasmo (0,3%)
- Apneia (0,8% - especialmente se administrada rapidamente)
- Aumento de PA e FC
- Aumento de pressão intracraniana
- Aumento da pressão intraocular
- Hipersalivação (raro)
- Emese (8,4%, principalmente na recuperação)
- Alucinações e desorientação (6,3%, porem clinicamente importantes 1,4%).
- Movimentos involuntários e hipertonia.

Algumas medicações podem ser utilizadas concomitantemente para minimizar efeitos colaterais da cetamina.
Benzodiazepínicos: O paciente pode apresentar alucinações e desorientação e passar por uma experiência assustadora, o que aumenta os efeitos no sistema simpático. Elas ocorrem em até 20% dos adultos, mas podem ser prevenidas ou tratadas por administração de uma dose pequena de midazolam. Para a prevenção, midazolam, aproximadamente 0,05 mg/kg (dose de adulto típico de 2 a 4 mg), podem ser administradas lentamente (ao longo de cerca de dois minutos) por IV antes da administração de cetamina. Estas reações são menos frequentes em crianças. NNT = 6 ou mais pacientes)


Ondasentrona: prevenção de efeitos eméticos, são mais frequentes em adultos. NNT = 9 ou mais pacientes.

Atropina: evitar hipersalivação. Não é recomendada de rotina. Benefício questionável.

Algoritmo de uso da cetamina (referencia 1)


Agradecimento ao Dr. André Miguel Japiassú por sua colaboração, de grande valia, ao sugerir a inclusão da referencia 4.

Referencias
1 - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21256625 (Clinical Practice Guideline for Emergency Department Ketamine Dissociative Sedation – acesso livre).
2 – Ketamine: Drug information. Uptodate.com. 2012.
3 - Robert L FrankProcedural sedation in adults. Uptodate.com. 2012.
4 - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20219164   (Myth: Ketamine should not be used as an induction agent for intubation in patients with head injury.)


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