Em condições fisiológicas, graças à capacidade intrínseca
de autorregulação, o fluxo sanguíneo tecidual se mantem constante independente
das variações de pressão e pode aumentar ou diminuir de forma a atender a
demanda metabólica de cada órgão. Porém, em casos extremos de hipotensão ou
hipertensão o fluxo passa a ser dependente da pressão de perfusão e não mais da
capacidade de autorregulação local. Nesse ponto, o organismo não consegue mais
direcionar o fluxo conforme a demanda (1).
Em situações de hipotensão importante o sistema simpático é
ativado e áreas com maior quantidade de receptores adrenérgicos, como pele e
musculatura esquelética, sofrem vasoconstrição importante de forma a desviar o
fluxo de sangue para os órgãos nobres, como cérebro, coração e rins. Essa
vasoconstrição exacerbada leva a redução da perfusão periférica e pode ser
vista precocemente nos estados de choque (1).
Na
sepse a combinação entre hipovolemia, redução da função ventricular e
vasodilatação sistêmica, também podem levar a uma perfusão tecidual inadequada
que pode ser persistente mesmo após a normalização dos parâmetros hemodinâmicos
sistêmicos (2).
Independente do tipo de choque os tecidos periféricos são
os primeiros a mostrar sinais de hipoperfusão e os últimos a reperfundir após a
ressuscitação, o que torna a sua monitorização uma ferramenta útil para ajudar
no diagnóstico e manejo de condições ameaçadoras de vida. Além disto, seus
achados podem predizer um pior desfecho clínico independente da presença ou não
de alterações de macro-hemodinâmica (2).
A monitorização da perfusão tecidual visa avaliar o
desacoplamento entre o transporte e consumo de oxigênio tecidual periférico e pode
ser facilmente conseguida na beira do leito usando avaliação clínica simples
(ectoscopia e avaliação da temperatura cutânea) ou por meio de dispositivos
ópticos de monitoração, de forma a evitar procedimentos invasivos que podem
levar a eventos adversos (2,3).
AVALIAÇÃO CLÍNICA DA
CIRCULAÇÃO PERIFÉRICA
Tempo de enchimento
capilar (TEC)
O TEC é definido como o tempo necessário para que o leito
capilar distal recupere a perfusão basal após uma compressão aplicada para
provocar palidez. Para realizar a manobra o examinador deve aplicar digito-pressão
do 2º quirodáctilo do paciente por aproximadamente 20 segundos e o exame é
considerado normal caso o retorno à coloração normal ocorra em até 4,5
segundos. Tempos maiores estão relacionados à hipoperfusão tecidual e maior
chance de disfunções orgânicas (2).
Temperatura da pele
A temperatura da pele é mais bem avaliada quando o
examinador utiliza o dorso da mão ou dos dedos, uma vez que estas áreas são
mais sensíveis à percepção da temperatura. Os pacientes são considerados como
tendo extremidades frias, se todas as extremidades examinadas forem
consideradas frias ou se, na ausência de doença vascular periférica, as
extremidades dos membros inferiores forem frias, apesar da dos membros
superiores permanecerem quentes. Alterações de temperatura mantidas apesar da
ressuscitação hemodinâmica inicial também estão associadas à hiperlactatemia e
piora das disfunções orgânicas (2).
Moteamento (Mottling score)
O moteamento da pele é definido como a presença de uma
coloração marmóreo-acinzentada com padrão irregular e rendilhado na pele que geralmente
se inicia na topografia dos joelhos e é decorrente da vasoconstrição
heterogênea dos pequenos vasos, refletindo alterações na microcirculação.
A
sua avaliação objetiva foi realizada por Ait-Oufella e colaboradores que avaliaram
a relação entre moteamento e sobrevida em pacientes sépticos. Os autores
avaliaram a extensão do rendilhamento do joelho em direção à periferia de forma
a estabelecer um escore que variava entre 0 e 5, em que 0 representava um
paciente sem moteamento e 5 um com acometimento além da região inguinal. Após
seis horas da inclusão a presença de oligúria, o nível de lactato e o escore de
moteamento estiveram fortemente associados à mortalidade em 14 dias,
independente da hemodinâmica sistêmica.
O trabalho também mostrou que escores mais altos estavam associados à
mortalidade mais precoce e que a redução no escore após ressuscitação volêmica predizia
melhor prognóstico (4).
Gradientes de
temperatura
Apesar
da temperatura da pele ser facilmente acessível e ser um bom método de
monitorização em pacientes com choque, alguns estudos têm demonstrado que os
gradientes de temperatura podem ser um melhor método para predizer as
alterações no fluxo sanguíneo da pele.
A medida consiste na aferição da temperatura em dois pontos distintos,
tais como a temperatura central-artelho, periferia-ambiente ou antebraço-ponta
dos dedos (2).
Quando
a oferta de oxigênio para a pele diminui, a temperatura cai e, como a vasoconstrição
da pele reduz a perda de calor corporal, a diferença entre a temperatura
central e da pele pode ser utilizada para diagnosticar e avaliar resposta ao
tratamento nos casos hipoperfusão global. Desta forma, um gradiente
artelho-central entre 3-7ºC está presente em pacientes com hemodinâmica
otimizada e valores > 7ºC estão relacionados à má perfusão periférica e a
maior morbimortalidade (2,3).
Bourcier
e colaboradores realizaram um estudo prospectivo observacional unicêntrico
recente avaliando os gradientes de temperatura após 6 horas de ressuscitação em
pacientes com sepse grave (atualmente apenas sepse) e choque séptico. Foram
avaliados os gradientes de temperatura central-artelho, central-joelho,
artelho-ambiente e joelho ambiente. Os autores avaliaram 63 pacientes com
choque séptico e 40 com sepse grave e observaram que quando comparados, o
primeiro grupo possuía um gradiente de temperatura central-artelho
significativamente maior (12.5 X 6.9°C, p < 0.001) e um gradiente
artelho-ambiente significativamente menor (1.2 x 6.0°C, p < 0.001)
que o segundo grupo. Após a ressuscitação inicial o gradiente de temperatura artelho-ambiente
foi significativamente menor em pacientes que faleceram por disfunção de
múltiplos órgãos quando comparados aos sobreviventes (−0.2°C x +3.9°C, P <
0.001) e a diferença aumentou nas primeiras 24 horas. Além disto, este
gradiente também esteve de acordo com outros parâmetros de perfusão tissular,
como lactato arterial, débito urinário, tempo de enchimento capilar do joelho e
o escore de moteamento (5).
MONITORIZAÇÃO ÓPTICA
Índice de perfusão
periférica (IPP)
O
oxímetro de pulso emite luz vermelha (660 nm) e infravermelha (940nm) sobre o
leito cutâneo vascular da falange distal do paciente e faz a distinção entre
oxihemoglobina (HbO2) e desoxihemoglobina (Hb) com base no modo em
que elas absorvem a luz. A HbO2 absorve mais luz infravermelha
enquanto a Hb absorve mais luz vermelha, sendo a saturação de oxigênio
determinada pela relação entre os diferentes comprimentos de onda absorvidos
(7).
Outros
tecidos (ossos, músculo e interstício) e o sangue venosos também absorvem a
luz. A oximetria de pulso consegue distinguir o componente pulsátil arterial do
não pulsátil através da absorção diferente dos dois comprimentos de onda. Desta
forma o aparelho consegue reconhecer e excluir o componente não pulsátil,
utilizando assim apenas o componente pulsátil para calcular a saturação
arterial (7).
O
índice de perfusão periférica (IPP) é derivado a partir do sinal
pletismográfico fotoelétrico do oxímetro de pulso e é a razão entre a parte
pulsátil e a parte não pulsátil da curva, expresso como uma porcentagem. Alterações na perfusão periférica levam a
variações no componente pulsátil (arterial) e, já que o componente não pulsátil
se mantem estável, a relação entre eles se altera. Neste contexto, o IPP
reflete as alterações no tônus vascular periférico de tal forma que o índice se
eleva quando a amplitude da porção pulsátil aumenta com a vasodilatação e se
reduz nos casos de vasoconstrição periférica (2,7).
Em
paciente saudáveis, o valor de IPP normal é de 1,4% e, em pacientes
criticamente enfermos, valores < 1,4% estão relacionados à maior morbidade e
mortalidade (2,7).
Espectroscopia no infravermelho proximal (Near-infrared spectroscopy – NIRS)
NIRS é uma técnica não invasiva que permite estimar a
oxigenação tecidual por meio da espectrofotometria quantitativa da HbO2 e Hb tecidual, informando de forma indireta sobre a
microcirculação (2,6). Apesar de teoricamente poder ser aplicada em
qualquer órgão, a técnica tem sido utilizada principalmente para a
investigação da oxigenação cerebral e muscular (8).
Na
terapia intensiva seu uso é direcionado para o estudo da oxigenação muscular
periférica devido a seu fácil acesso quando comparado ao tecido cerebral. Além
disto, nos estados de choque o cérebro mantem sua perfusão adequada à custa da
vasoconstrição dos tecidos periféricos, tornando este último compartimento mais
interessante no contexto da fisiopatologia dos estados de choque (8).
As variáveis obtidas podem ser diretamente calculadas, como
no caso da saturação do oxigênio
tecidual periférico (StO2) e do citocromo oxidase
mitocondrial (citaa3),
ou obtidas por intervenção fisiológica de oclusão arterial e/ou venosa, como no
caso do delta de HbO2 e Hb, do
fluxo sanguíneo periférico, da velocidade da desoxigenação e de reoxigenação (8).
O
teste de oclusão com o NIRS pode ajudar indiretamente a avaliar a resposta da
microcirculação a oclusão vascular. A velocidade de desoxigenação (diminuição da
StO2 durante o
período da oclusão arterial) representa a taxa de extração local do oxigênio na
área examinada pela NIRS, de forma que uma velocidade maior corresponde a uma
taxa de extração alta de oxigênio. A velocidade de reoxigenação (aumento da StO2
que ocorre entre o término da oclusão arterial) reflete o balanço entre o
influxo do sangue arterial e o consumo de oxigênio tissular e é totalmente dependente da
função da microcirculação, de forma que uma velocidade tardia representa baixa
reserva microvascular. O citaa3 representa o receptor final da cadeia de
transporte de elétrons da membrana mitocondrial interna e é a via de
convergência de todo o metabolismo aeróbico da célula. Em condições
fisiológicas a variação entre ele a StO2 ocorre de forma concordante
e valores discordantes (StO2 alta e citaa3 baixo) sugerem disfunção
mitocondrial (8,9).
O
valor da StO2 de repouso
medida pela NIRS reflete principalmente o compartimento venoso e seu valor prognóstico
é dado mediante aferições seriadas. Apesar das medidas serem comumente
realizadas por meio de dispositivos colocados na eminência tenar, alguns
estudos mostraram resultados interessantes na monitoração da StO2 do
joelho. A sua avaliação objetiva foi inicialmente estudada por H. Ait-Oufella e
colaboradores que observaram que a StO2 do joelho teve um bom fator
preditivo de mortalidade em 14 dias em pacientes com choque séptico após a fase
de ressuscitação. Dentre os achados, os não sobreviventes possuíam uma StO2
menor quando comparados aos sobreviventes (39 ± 23 x 71 ± 12 %, p 0,001) e
baixos valores de StO2 aferidos na sexta hora estiveram relacionados
à hiperlactatemia, redução do débito urinário e o escore de moteamento mais
elevado (6).
Dentre as limitações do método temos a influência do tecido
adiposo na muscular; a interferência da mioglobina na
medida da oxigenação tecidual, dado pelo fato de que o método é incapaz de
diferenciar a hemoglobina da mioglobina; e a influência do edema intersticial
no sinal da NIRS (8).
Seus
valores não se correlacionam com os de saturação venosa central e apesar de
parecer promissor, seu uso não é frequente na prática clínica e está mais
restrito a áreas de pesquisa (8,9).
REFERÊNCIAS
(1) Kato R, Pinsky MR. Personalizing blood pressure management in septic
shock. Ann Intensive Care. 2015 Dec;5(1):41.
(2)
van Genderen ME, van Bommel
J, Lima A. Monitoring peripheral perfusion in critically ill patients at the
bedside. Curr Opin Crit Care. 2012 Jun;18(3):273-9.
(3) Lima A, Bakker J. Noninvasive monitoring of peripheral perfusion.
Intensive Care Med. 2005 Oct;31(10):1316-26.
(4) Ait-Oufella H, Lemoinne S, Boelle PY, et al. Mottling
score predicts survival in septic shock. Intensive Care Med 2011; 37:801–807.
(5) Bourcier S, Pichereau C, Boelle PY, Nemlaghi S, Dubée
V, Lejour G, Baudel JL, Galbois A, Lavillegrand JR, Bigé N, Tahiri J, Leblanc
G, Maury E, Guidet B, Ait-Oufella H. Toe-to-room temperature gradient
correlates with tissue perfusion and predicts outcome in selected critically
ill patients with severe infections. Ann Intensive Care. 2016 Dec;6(1):63.
(6) Ait-Oufella H, Joffre J, Boelle PY, Galbois A, Bourcier S, Baudel JL, Margetis D, Alves M, Offenstadt G, Guidet B, Maury E. Knee area tissue oxygen saturation is predictive of 14-day mortality
in septic shock. Intensive
Care Med. 2012 Jun;38(6):976-83.
(7) Lima
A, Bakker
J. Noninvasive monitoring of peripheral
perfusion. Intensive Care Med. 2005 Oct;31(10):1316-26.
(8) Lima A, Bakker J. Near-infrared spectroscopy for monitoring peripheral tissue perfusion
in critically ill patients. Rev Bras Ter Intensiva. 2011 Sep;23(3):341-51.
(9)
Cecconi M1, De Backer D, Antonelli M, Beale R, Bakker J, Hofer C, Jaeschke R, Mebazaa A, Pinsky MR, Teboul JL, Vincent JL, Rhodes A. Consensus on circulatory shock and hemodynamic monitoring. Task force
of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive
Care Med. 2014 Dec;40(12):1795-815.
O que o moteamento pode se relacionar com hipertensao arterial pulmonar?
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