quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Paciente crítico com doença renal crônica em estágio terminal: o que o intensivista não pode esquecer



Os pacientes com doença renal em estágio terminal representam uma grande e crescente porcentagem dos indivíduos com doença renal crônica (DRC). Nestes pacientes as complicações decorrentes da disfunção renal e comorbidades podem levar a quadros agudos que necessitem de internação na UTI (Quadro 1), levando a altas taxas de mortalidade.

Quadro 1: Principais causas de internação na UTI de pacientes com DRC

ACESSOS VASCULARES

A perda da função da fístula arteriovenosa (FAV) pode gerar um grande transtorno para o paciente após a sua recuperação. Desta forma, durante a hospitalização, a sua avaliação cuidadosa deve fazer parte do exame físico dos profissionais de saúde. A inspeção deve buscar a presença de edema, lesões de pele, secreções e dilatações precoces; na palpação sempre verificar a temperatura do membro e a intensidade do frêmito; e pela ausculta, buscar sopros e avaliar a sua intensidade. Práticas como compressões (ex: aferir pressão), punções venosas e coletas de sangue no membro do acesso vascular para hemodiálise podem levar à trombose e perda iatrogênica da FAV, devendo ser evitadas. A hipotensão também é uma causa potencial de trombose e deve rapidamente revertida.

As complicações decorrentes de punções venosas podem levar à redução de veias potencialmente disponíveis para a futura confecção de fístulas ou colocação de próteses vascular. A punção venosa central da veia subclávia pode levar à estenose venosa central e, nos casos em que a estenose é significativa, o braço ipsilateral fica impossibilitado de ser utilizado para confecção de acessos vasculares para hemodiálise.  Desta forma, o ideal seria evitar ao máximo punção de subclávia para acessos temporários em pacientes com doença renal.

A passagem de cateteres centrais de inserção periférica (PICC, do inglês peripherally inserted long-term catheter) em acesso braquial pode levar à estenose da veia central ou trombose venosa, com incidências variando entre 11-85% neste último, o que mais uma vez pode levar a perda de acessos potenciais para futuras confecções de fístulas no membro. 

A atenção a este assunto é tão relevante de tal forma que o Guideline de acessos vasculares da National Kidney Foundation recomenda que as subclávias e as veias do antebraço e braço não sejam utilizadas para, respectivamente, acesso central e punções venosas (periférica ou PICC) em pacientes com insuficiência renal em estágio 4 e 5. A punção jugular é uma opção interessante neste grupo de pacientes.

Porém, apesar das recomendações, não podemos esquecer que os casos devem ser individualizados e a equipe deve seguir a conduta que julgar mais adequada para reverter a injúria aguda que levou o paciente a ser internado.

INFECÇÕES

Celulite, pneumonia, bacteremia e cistite são causas comuns de infecção neste grupo de pacientes. Na ausência de um foco infeccioso claro, o médico deve ter uma especial atenção à possibilidade de infecção relacionada ao cateter de hemodiálise, já que, em geral, os cateteres podem não mostrar sinais de infecção. Inicialmente, deve-se utilizar terapia antibiótica empírica de amplo espectro, com cobertura para gram-positivos e gram-negativos, já que estes são os principais agentes relacionados à infecção neste grupo de pacientes.

A população de doentes renais crônicos tem alta prevalência de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e o uso isolado de cefalospirinas pode ser perigoso. O uso de aminoglicosídeos deve ser evitado, se possível, nos pacientes em diálise peritoneal que ainda mantêm diurese pelo alto risco de perda da função residual do rim por nefrotoxidade a droga. As cefalosporinas de terceira geração podem ser um boa opção em casos selecionados.

Sempre que possível a terapia empírica inicial poderá ser guiada pelos resultados de culturas anteriores. Nos pacientes com forte suspeita de infecção de túnel de cateter de longa permanência (ex: hiperemia de trajeto ou saída de secreção purulenta), o cateter deverá ser removido com urgência. A mesma urgência deve ser dada a remoção das próteses vasculares nos casos de suspeita de infecção, já que enxertos vasculares trombosadas podem representar uma fonte de infecção indolente crônica perpetuadora de inflamação.

EXPANSÃO VOLÊMICA

Pacientes sépticos devem receber expansão volêmica adequada, porém o manejo ideal de fluidos nestes pacientes requer monitorização e avaliações frequentes devido ao risco de sobrecarga volêmica.


Por fim, os pacientes com DRC dialítica são cada vez mais frequentes no cenário da UTI e este grupo tem particularidades que deverão ser levadas em consideração a fim de melhorar manejo e evitar complicações futuras.

Referências
  1. McFadden CB. Chronic Kidney Disease. In: Parrillo JE, DellingerRP. Critical care medicine: principles of diagnosis and management in the adult. 4th ed, Elsevier. 2014. p 985-992.
  2. Clinical practice guidelines for vascular access. Am J Kidney Dis 2006;48(Suppl 1):S176-S247.

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