domingo, 1 de maio de 2016

Ventilação não invasiva reduz reintubação no pós-operatório de cirurgia abdominal?


Pacientes em pós-operatório (PO) imediato de cirurgia abdominal têm maior risco de desenvolver disfunção diafragmática e redução da capacidade vital pulmonar levando a uma maior chance de atelectasias e hipoxemia. Por este motivo muitos pacientes nestas condições evoluem para insuficiência respiratória aguda (IRPA) e necessidade de reintubação, o que aumenta o risco de infecções, leva a um maior tempo de internação na UTI e hospitalar, além de aumentar a mortalidade e os custos.


A ventilação não invasiva (VNI) provou ser efetiva nos casos de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) exacerbada e edema agudo de pulmão, porém nenhum estudo até o momento provou o seu real benefício em pacientes em PO de cirurgia abdominal com IRPA hipoxêmica. Além disto, é muito frequente a cultura de que a VNI deve ser evitada nos casos de cirurgia abordando o trato gastrointestinal superior.

Para tentar quebrar paradigmas e responder a esta questão Jaber e colaboradores publicaram recentemente no JAMA o estudo “Effect of Noninvasive Ventilation on Tracheal Reintubation Among Patients With Hypoxemic Respiratory Failure Following Abdominal Surgery. A Randomized Clinical Trial”, também conhecido como NIVAS Study, que mostrou resultados interessantes e bem promissores.

Tratou-se de um estudo multicêntrico, randomizado e estratificado. Dentre os critérios de elegibilidade os pacientes deveriam ter idade superior a 18 anos e terem sido submetidos à cirurgia abdominal laparoscópica ou não, sob anestesia geral, de forma eletiva ou de urgência. Os pacientes eram incluídos se o diagnóstico da IRPA hipoxêmica ocorresse nos primeiros sete dias do procedimento cirúrgico. A IRPA era definida como a presença de hipoxemia persistente, ou seja,  PaO2 < 60mmHg em ar ambiente ou < 80 mmHg em uso de oxigênio 15l/min ou uma SatO2 periférica ≤ 90% em ar ambiente associado a uma frequência respiratória (FR) > 30 ipm ou sinais clínicos de intenso trabalho respiratório.

De acordo com o protocolo do estudo os pacientes eram randomizados em dois grupos, VNI x oxigenioterapia usual (suplementação de oxigênio até 15l/min). O grupo intervenção iniciava VNI com pressão inspiratória positiva de 5 cmH2O, podendo aumentar até 15 cmH2O, objetivando manter um volume corrente de 6-8ml/kg de peso predito e uma FR < 25 ipm. A pressão expiratória final positiva (PEEP) iniciava em 5 cmH2O e poderia ser aumentada até 10 cmH2O caso necessário. Os parâmetros eram ajustados para manter SatO2 ≥ 94%. Os pacientes deveriam ser mantidos na VNI por pelo menos 6 horas (contínua ou intermitente) nas primeiras 24h pós-randomização e mantidos com oxigenioterapia usual entre os intervalos. O uso de cateter nasal de alto fluxo não era permitido.

Resultados


Os grupos foram iguais e o baseline do estudo pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1: Características da população estudada.


Dentre os principais achados destacamos os seguintes (Tabela 2):
  • Dos 293 pacientes incluídos, a necessidade de reintubação foi 12,4% menor no grupo VNI (33,1% x 45,5%; P 0,03) (Figura 1).
Figura 1: Incidência cumulativa de reintubação da randomização até o 30º dia.

  • O uso de VNI foi associado ao aumento absoluto de 2,2 dias no tempo livre de ventilação mecânica (25,5 x 23,2; P 0,04) e a redução no numero de paciente com infecções relacionadas aos cuidados de saúde (31.4% x 49.2%; P 0,003), em especial aos casos de pneumonia adquiridos na UTI (14.6% x 29.7%; P 0,003).
  • Não houve diferença significativa na mortalidade e tempo de internação hospitalar.
Tabela 2: Desfecho primário e secundário do estudo.



Pontos fortes:
  • O estudo trouxe uma evidencia positiva para o uso de VNI como ferramente para reduzir reintubação em pacientes em PO de cirurgia abdominal.
  • Grande número de pacientes.
  • Estudo multicêntrico.
  • Os autores evitaram fatores confundidores estratificando os grupos por idade, sitio cirúrgico e tipo de analgesia.


Pontos fracos:
  • Incluiu mais pacientes com DPOC no grupo NIV do que no grupo controle (19,6% x 12,6%), o que pode ter predisposto a um melhor desfecho para o grupo VNI.
  • A característica do estudo impossibilitou o "cegamento" dos grupos.
  • O estudo não foi desenhado para mostrar uma diminuição significativa na mortalidade no grupo VNI. 


Referências:
  • http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26975890
  • http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26976699

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