terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Suporte ventilatório em pacientes com sepse e choque séptico em um cenário de recursos limitados


Dado o grande número de pacientes com sepse e a grande desigualdade de recursos presente em nosso país em que poucos podem manejar casos de hipoxemia refratária com oxigenação por membrana extracorpórea e muitos têm acesso limitado à exames básicos, como radiografia de tórax, torna-se interessante discutir sobre a melhor forma de oferecer suporte ventilatório seguro para pacientes sépticos em localidades com recursos limitados.

Neste contexto Serpa Neto e colaboradores organizaram uma série de recomendações privilegiando este grupo de pacientes. Os autores se basearam em guidelines de sepse (Surviving Sepsis Campaign e nas recomendações para manejo de sepse no cenário de recursos limitados do “Global Intensive Care Working Group of the European Society of Intensive Care Medicine”), bem como em dados de literatura e opinião de especialistas, objetivando sintetizar recomendações simples para o suporte ventilatório seguro de pacientes com sepse/choque séptico e que sejam facilmente aplicáveis em um cenário com recursos limitados.

As recomendações e sugestões estão descritas abaixo.

Diagnóstico de SDRA:
  • Os autores sugerem que, sempre que possível, seja realizado o diagnóstico de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) a fim de que se possa instituir estratégias de ventilação protetora.
  • Usar radiografia de tórax e gasometria arterial em pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRPA) para realizar o diagnóstico de SDRA (2B).
  • Na ausência de radiografia de tórax, o ultrassom de pulmão e coração, quando o equipamento estiver disponível, poderá ser usado para auxiliar no diagnóstico de edema pulmonar não cardiogênico (2D).
  • Em lugares em que a gasometria arterial não estiver disponível, a relação entre a saturação periférica de oxigênio e a fração inspirada de oxigênio (S/F) ao invés da relação entre a pressão parcial de oxigênio e a fração inspirada de oxigênio (P/F) poderá ser uma alternativa para orientar decisões e possibilitar a monitorização dos pacientes (2D).
  • Pacientes com IRPA, com ou sem SDRA, deverão ser manejados com ventilação protetora (2B).

Posição da cabeceira:
  • Os autores recomendam manter cabeceira elevada em todos os pacientes em ventilação mecânica a fim de reduzir o risco de aspirações.
  • Manter elevação da cabeceira a 30-45º para pacientes sépticos em ventilação mecânica invasiva (VM), a menos que as condições hemodinâmicas sejam limitantes (1B); manter a cabeceira abaixo de 30º transitoriamente durante procedimentos  e durante a ressuscitação de estados de choque até que a hemodinâmica do paciente seja restabelecida (1B).

 Ventilação não invasiva (VNI):
  • Os autores recomendam usar VM invasiva nos casos de instabilidade hemodinâmica grave e/ou hipoxemia grave (1A).
  • A VNI poderá ser utilizada em casos selecionados de insuficiência respiratória moderada com hemodinâmica estável (2A).
  • Recomenda-se manter reavaliações frequentes dos pacientes em VNI a fim de não retardar a instituição de ventilação mecânica invasiva (1B).

 Teste de respiração espontânea (TRE):
  • Avaliar a possibilidade de TRE precocemente nos pacientes em VM, preferencialmente mantendo avaliações diárias (1A); para aumentar as chances de sucesso, deve-se evitar sedação excessiva. Usar pressão de suporte baixa (2D), realizar o TRE e, caso o paciente passe no teste, extubar apenas se equipe suficiente esteja disponível (2D).
  • Desenvolva um protocolo local de TRE (2C).

 Volume corrente (VC):
  • Usar VC baixo em pacientes com SDRA (1A) e em todos os pacientes em VM (VC 5-7 ml/Kg de peso predito) (2B). Calcular o VC ideal com base no peso predito (2D).
  • Ao reconhecer hipoventilação deve-se ajustar a frequência respiratória (2D); aceite altas frequências (2C); o ETCO2 pode ser uma ferramenta útil para reconhecer deslocamentos do tubo,  hipo ou hipervetilação (2D).

Pressão expiratória final positiva (PEEP):
  • Os autores sugerem usar PEEP mínimo (PEEP 5 cmH2O) em pacientes com sepse e choque séptico com IRPA  (2B); considerar usar valores mais altos apenas se SDRA moderada a grave (2A).
  • Nos casos em que a falta de radiografia de tórax e gasometria arterial dificultar o diagnóstico de SDRA, os autores sugerem contra o uso liberal de altos valores de PEEP (2D).
  • Quando a equipe é bem treinada em mecânica ventilatória, a PEEP pode ser titulada pela complacência dinâmica (2D).
  • A tabela PEEP/FiO2 pode ser usada para titular a PEEP, mas esta ferramenta geralmente exige coletas frequentes de gasometrias (2B).
  • Pacientes que precisam de PEEP alta devem ser bem monitorados, preferencialmente com monitoração invasiva da pressão arterial, devido a possibilidade de hipotensão e choque (1A).

FiO2 x PEEP:
  • FiO2 mais baixa é preferível à valores mais altos (2B), objetivando alvos de oxigenação mais baixos (PaO2 60mmHg e/ou SpO2 88-95%) (2A).
  • A tabela PEEP/FiO2 pode ser utilizada para encontrar a melhor combinação de  PEEP e FiO2 (2B).
  • Profissionais com experiência no uso de PEEP podem preferir utilizar altos valores para o manejo de hipoxemia; em centros com pouca experiência deve-se inicialmente preferir tentar elevar a FiO2 para só depois tentar elevar a PEEP (2D).    

 Manobra de recrutamento:
  • Os autores sugerem utilizar manobras de recrutamento alveolar apenas em pacientes com SDRA moderada a grave com hipoxemia refratária (2B) e apenas se o profissional possuir boa experiência em recrutamento (2D).
  • A manobra poderá ser realizada em pacientes com hipoxemia refratária em que o diagnóstico de SDRA for impossibilitado pela falta de radiografia de tórax e/ou de gasometria arterial (2D).
  • Durante a manobra de recrutamento o ideal é que o paciente esteja adequadamente monitorado, preferencialmente com a monitoração invasiva da pressão arterial, para auxiliar na detecção precoce de instabilidade hemodinâmica (2B).

Modos ventilatórios:
  • Utilizar modos ventilatórios com volume controlado ao invés dos com pressão controlada (2D), já que o volume minuto e o VC são garantidos quando o VC é controlado.
  • Os bloqueadores neuromusculares devem ser utilizados apenas em pacientes em ventilação controlada com SDRA moderada a grave e por curto período (< 48h) (2B).

OBS: O sistema GRADE é um método que combina a força de recomendação e a qualidade da evidência (Tabela 1 e 2)



Referência

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