Hemoptise, ou expectoração de sangue, é o sangramento
proveniente das vias aéreas inferiores. Em pacientes não tratados de forma
adequada, a mortalidade pode ser maior que 50%. As causas variam de acordo com
a população estudada, sendo a bronquiectasia a causa mais comum nos países
desenvolvidos e a tuberculose nos países em desenvolvimento.
Não há consenso sobre a definição de hemoptise maciça na
literatura. Alguns autores a consideram quando a perda de sangue
varia entre 100 e 600 ml em 24 h, enquanto outros quando o volume é maior que
600 ml em 24 h. Em cerca
de 90% dos casos o sangramento se deve à circulação brônquica, que possui
pressões mais elevadas, e não à circulação pulmonar. As principais causas de
hemoptise maciça podem ser vistas nos Quadros 1 e 2.
Quadro 1 -
Principais causas de Hemoptise Maciça - Sangramento Localizado
SANGRAMENTO LOCALIZADO
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Infeccioso
|
Tuberculose
|
Pneumonia
bacteriana necrotizante (principalmente Klebsiella e Staphylococcus
aureus)
|
Abscesso
pulmonar
|
Micetoma (Aspergillus mais comum)
|
Bronquiectasia
(fibrose cística ou deficiência imunológica)
|
Parasitas (cisto
hidatido, paragonimiase)
|
Leptospirose
|
Tumores
|
Carcinoma
broncogênico (CEC)
|
Doença pulmonar
metastática
|
Adenoma
brônquico
|
Sarcoma
|
Doença Pulmonar vascular
|
Malformação
Arteriovenosa Pulmonar (Síndrome Rendu-Osler-Weber)
|
Embolia Pulmonar
com infarto
|
Aneurisma
Pulmonar (Síndrome de Behcet)
|
Cateter de
artéria Pulmonar com ruptura arterial
|
Estenose Mitral
|
Coagulopatia (geralmente coexistindo com lesão de
mucosa)
|
Trombocitopenia
ou disfunção plaquetária (uremia, doença de von Willebrand)
|
Hemofilia A ou B
|
Alterações da
coagulação (deficiência de produção ou consumo de fatores da coagulação)
|
Trauma
|
Outros
|
Linfangioleiomiomatose
|
Catamenial
(endometriose)
|
Criptogênica
|
Broncolitíase
|
Sarcoidose
(geralmente com lesões cavitárias com micetoma)
|
Principles of Critical Care – 4th Edition - McGraw-Hill
Education
Quadro 2 - Principais
causas de Hemoptise Maciça - Sangramento Difuso
SANGRAMENTO DIFUSO
|
Capilarite (visto em biópsia)
|
Secundária a
fármacos (propiltiouracil, fenitoína, ácido retinóico)
|
Doença do tecido
Conectivo (Lupus Eritematoso, Artrite Reumatoide, Doença Mista do Tecido
Conectivo, Esclerose Sistêmica, Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide,
Polimiosite)
|
Vasculite
Sistêmica (Behcet, crioglobulinemia, nefropatia por IgA, poliangiite microscopica,
vasculite granulomatosa, pauci-imune, púrpura Henoch-Schonlein)
|
Hemorragia branda (visto em biópsia)
|
Doenças do
tecido conjuntivo (Lupus eritematoso sistemico, sindrome Goodpasture)
|
Fármacos
(anticoagulantes e antiplaquetário - inibidores glicoproteina IIa/IIIb)
|
Outros (doença
pulmonar veno-oclusiva, estenose mitral, hemosiderose pulmonar idiopatica)
|
Dano alveolar com sangramento (visto somente em
biopsia)
|
Infecção
(qualquer infecção que possa causar ARDS)
|
Fármacos
(amiodarona, crack, cocaína, nitrofurantoina, penicillamina, sirolimus,
drogas citotóxicas)
|
Doença do tecido
Conjuntivo (Lupus Eritematoso, artrite reumatoide, polimiosite)
|
Outros
(hemangiomatose pulmonar capilar, infarto pulmonar, SARA por qualquer causa)
|
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Education
1
Estabilização
Quatrocentos mililitros de sangue no
espaço alveolar são suficientes para prejudicar a troca gasosa causando
asfixia. Neste contexto, uma das formas de tentar diminuir a aspiração é
posicionar adequadamente o paciente. Por exemplo, num sangramento proveniente
do lobo inferior esquerdo, o melhor seria manter o paciente em Trendelemburg
reverso e em decúbito lateral esquerdo.
A tosse é uma forma muito eficaz de eliminar o sangue da
via aérea e o paciente só deve ser intubado se a troca gasosa estiver muito
prejudicada ou se a gravidade do doente indicar uma abordagem imediata com
broncoscopia terapêutica de urgência.
A hipoxemia deve ser imediatamente corrigida por meio da
administração de oxigênio por cateter nasal ou por dispositivos de CPAP e/ou
BIPAP, principalmente em casos de hemorragia alveolar, pois a administração de
pressão positiva nas vias aéreas além de melhorar a oxigenação, mantém as
unidades alveolares pressurizadas, tendendo a estabilizar o sangramento
alveolar. O uso da ventilação não-invasiva (VNI) está ainda mais indicada
quando a hemorragia alveolar for secundária ou associada à edema pulmonar
cardiogênico, pós-transplante de medula óssea, pneumocistose e doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC).
Nas hipoxemias não corrigidas com a administração de
oxigenioterapia e/ou VNI, ou nas contraindicações ao seu uso, deve-se proceder
a intubação orotraqueal, preferencialmente com cânula maior que 8, que além de
permitir a realização de broncoscopia também facilitará as aspirações. Em
geral, sempre que possível, utiliza-se o modo pressão-controlada com o limite
máximo de pressão em 30 cm/H2O.
A broncoscopia rígida, a aspiração e o
tamponamento com balão devem ser realizados preferencialmente antes da intubação.
O uso de tubos endotraqueais com duplo lúmen não são recomendados nas situações
de urgência devido às possíveis complicações e a técnica não é recomendada em
sangramentos no pulmão esquerdo pela grande probabilidade de oclusão do
brônquio superior direito pelo tubo. Alternativas mais efetivas que a intubação
seletiva são o uso de cateteres com balão. O cateter de Fogarty (via aérea
calibrosa) ou até mesmo o cateter de artéria pulmonar (vias aéreas distais
subsegmentares) guiados por broncoscopia podem ser usados para ocluir o local
do sangramento, protegendo o pulmão contralateral.
2
Investigação
Deve-se realizar inspeção cautelosa das vias aéreas
superiores, pois sangramentos nesta região podem ter apresentação clínica muito
semelhante à hemoptise maciça e a rinoscopia e laringoscopia podem ser
realizadas em caso de suspeita clínica. Da mesma forma, havendo dúvidas quanto à
origem do sangramento, a realização de uma endoscopia digestiva alta deve ser
considerada. Nos casos de história consistente com febre reumática,
sopro na ausculta cardíaca pode indicar a realização de ecocardiograma para
diagnóstico de estenose mitral.
Contagem de plaquetas, AP, TTPA, fibrinogênio, uréia e creatinina devem
ser solicitados principalmente em pacientes com doença hepática, trauma e coagulação
intravascular disseminada. Análise
urinária (urina tipo 1) pode mostrar hematúria, sugerindo a possibilidade de
hemorragia alveolar difusa (síndrome pulmão-rim). Nestes casos solicitam-se
provas reumatológicas (fator antinuclear, fator reumatóide, complemento,
crioglobulina e os anticorpos antifosfolípide, antinuclear citoplasmático e
anti-membrana basal glomerular).
3
Determinando o local e a etiologia do
sangramento
A radiografia de tórax pode identificar a região do
sangramento em até 60% das vezes, porém em menos de 35% dos casos permite
determinar a etiologia do sangramento. A tomografia de tórax é mais eficaz na
localização do sangramento e muito melhor para se identificar a etiologia,
devido a sua maior sensibilidade nos casos de bronquiectasias. Caso
haja necessidade de estabilização urgente, a broncoscopia deve ser realizada
devido ao seu potencial terapêutico (aspiração, terapia endobrônquica e
tamponamento com balão). Hemorragia alveolar difusa pode apresentar os mesmos achados
radiológicos de grandes aspirações de sangue e, nestes cosas, broncoscopia com
lavado broncoalveolar seriado de um mesmo local com concentração crescente de
eritrócitos pode indicar seu diagnóstico.
4
Tratamento geral
Os princípios fundamentais do manejo do paciente com
hemoptise são a proteção da via aérea e do pulmão sadio, a localização da fonte
de sangramento e o controle da hemorragia.
Deve-se manter oxigenação adequada, corrigir a
coagulopatia e manter a contagem de plaquetas acima de 50.000/µL se sangramento
ativo. TP e TTPA devem ser corrigidos para valores próximos ao normal. Para
isto pode-se utilizar vitamina K caso o tempo permita, porém nos casos de
urgência o melhor é administrar plasma fresco congelado em grande volume.
Algumas séries de casos colocam o uso de antifibrinolitico tópico ou
intravenoso como medida promissora.
Em pacientes com disfunção plaquetária secundária à
uremia, considerar diálise e/ou crioprecipitado e DDAVP. No caso de Hemofilia A
e doença de von Willebrand também se utiliza crioprecipitado e DDAVP. Naqueles
com fibrose cística e bronquiectasias, o Fator VIIa tem se mostrado uma medida
temporária efetiva, provavelmente devido à deficiência em vitamina K e fatores
de coagulação presentes nessa população. Entretanto, essa medida também pode
estar relacionada à trombose nesse grupo de doentes.
5
Tratamento específico
O tratamento endobrônquico se inicia com o uso de
salina a 4ºC em alíquotas de 50 ml, podendo ser necessários volumes de até 750
ml para o efeito completo. Caso não seja efetivo, drogas vasoconstritoras
tópicas são utilizadas (epinefrina, na proporção 1:20.000). Ácido tranexâmico e
soluções com fibrina-trombina parecem eficazes em séries de casos.
O tamponamento por balão é utilizado para
estabilização antes da embolização ou cirurgia. Outras técnicas como
fotocoagulação a laser, coagulação com plasma de argônio, eletrocauterização,
crioterapia, braquiterapia e tamponamento com stent necessitam de material específico e
broncoscopista altamente treinado. Além disto, estas técnicas ainda não tiveram
sua eficácia rigorosamente estudada. Irradiação externa tem sido
usada com sucesso em casos de micetomas e neoplasias irressecáveis caso o sangramento
tiver baixo fluxo e o paciente estiver estável.
A embolização brônquio arterial é o tratamento de
escolha para a maioria das hemoptises secundárias às lesões localizadas que
ameacem a vida. Apesar do sucesso de até 90%, pode ocorrer recidiva do
sangramento em 10 a 55% dos casos, principalmente em pacientes com micetoma,
carcinoma broncogênico e fibrose cística. A tomografia permite melhor identificação
dos vasos que devem ser embolizados. Novas embolizações costumam ser seguras,
entretanto micetomas e carcinomas que ressangram devem ser preferencialmente
tratados com cirurgia.
6
Tratamento clinico ou cirúrgico?
Embolização
é uma medida segura e eficaz para o controle da hemorragia em hemoptise maciça
e deve ser a terapia inicial na maioria dos pacientes. Fibrose cística,
tuberculose pulmonar extensa, bronquiectasias e doenças difusas não são
tratadas cirurgicamente.
Pacientes com doença vascular, doença fúngica ou
tuberculose localizada e bronquiectasias, bem como aqueles que apresentaram
falha da embolização, devem ser avaliados para cirurgia de urgência caso
apresentem reserva cardiopulmonar. Pacientes com doença localizada devem ser
criteriosa e individualmente avaliados, pois não há estudos comparando o
desfecho de pacientes operados e os submetidos a embolizações repetidas.
Trauma e lesão iatrogênica da artéria pulmonar
devem ser tratados cirurgicamente. Embolizações podem ser ponte para um
tratamento cirúrgico, como nos casos de malformações arteriovenosas complexas e
fístulas broncovasculares.
As principais indicações de cirurgia são:
· Recorrência do sangramento após
embolização;
· Impossibilidade de se realizar
embolização por questões anatômicas;
· Sangramento de múltiplos vasos visto na
angiografia.
Ann Thorac Surg
2009;87:849–53
7
Hemorragia alveolar difusa
Sugere-se o diagnóstico de hemorragia
alveolar difusa em pacientes com hemoptise, exames de imagem com infiltrado
pulmonar difuso, queda do hematócrito e manifestações sistêmicas. Um terço dos
pacientes não apresentará hemoptise, mas terão outras manifestações sistêmicas
como rash cutâneo, mialgias, artralgias e conjuntivite. A hemorragia
alveolar ocorre em até 10% dos pacientes com vasculite granulomatosa
(Granulomatose de Wegener) e 33% dos casos de poliangiite microscópica (com
manifestação de glomeruronefrite), pode ser encontrada em até 5% dos pacientes
com lúpus eritematoso sistêmico e raramente ocorre em associação com
polimiosite, artrite reumatoide e doença mista do tecido conjuntivo. A maioria
dos pacientes com Síndrome de Goodpasture (anticorpo contra o colágeno tipo 4
encontrado na membrana basal dos alvéolos e glomérulos) apresenta hemorragia
alveolar difusa e glomerulonefrite, porém só 10% podem apresentar hemoptise.
O correto diagnóstico é fundamental para o
tratamento da causa de base. Provas reumatológicas inconclusivas podem requerer
biópsia renal ou pulmonar. Apesar do tratamento, mais da metade dos pacientes
com hemorragia alveolar difusa secundária à vasculite sistêmica ou doença do
colágeno vascular necessitam de ventilação mecânica e a mortalidade chega a 25%
em pacientes com granulomas a 50% nos com lúpus.
8 Referências
- Jean-Baptiste E. Clinical assessment and management of massive hemoptysis. Crit Care Med 2000;28:1642–7.
- Critical Care Medicine – Principles of Diagnosis and Management in the Adult; Dellinger 4th Edition - Elsevier.
- Principles of Critical Care – 4th Edition - McGraw-Hill Education.
- Shigemura N, Wan IY, Yu SC, et al. Multidisciplinary management of life-threatening massive hemoptysis: a 10-year experience. AnnThorac Surg. 2009;87:849-853. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.athoracsur.2008.11.010
- Clínica Médica: dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento. Barueri - Manole, 2007.
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