sábado, 19 de dezembro de 2015

Hemoptise Maciça

Hemoptise, ou expectoração de sangue, é o sangramento proveniente das vias aéreas inferiores. Em pacientes não tratados de forma adequada, a mortalidade pode ser maior que 50%. As causas variam de acordo com a população estudada, sendo a bronquiectasia a causa mais comum nos países desenvolvidos e a tuberculose nos países em desenvolvimento.

Não há consenso sobre a definição de hemoptise maciça na literatura. Alguns autores a consideram quando a perda de sangue varia entre 100 e 600 ml em 24 h, enquanto outros quando o volume é maior que 600 ml em 24 h. Em cerca de 90% dos casos o sangramento se deve à circulação brônquica, que possui pressões mais elevadas, e não à circulação pulmonar. As principais causas de hemoptise maciça podem ser vistas nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1 - Principais causas de Hemoptise Maciça  - Sangramento Localizado

SANGRAMENTO LOCALIZADO
           Infeccioso
   Tuberculose
   Pneumonia bacteriana necrotizante (principalmente Klebsiella e Staphylococcus aureus)
   Abscesso pulmonar
   Micetoma (Aspergillus mais comum)
   Bronquiectasia (fibrose cística ou deficiência imunológica)
   Parasitas (cisto hidatido, paragonimiase)
   Leptospirose
           Tumores
   Carcinoma broncogênico (CEC)
   Doença pulmonar metastática
   Adenoma brônquico
   Sarcoma
            Doença Pulmonar vascular
   Malformação Arteriovenosa Pulmonar (Síndrome Rendu-Osler-Weber)
   Embolia Pulmonar com infarto
   Aneurisma Pulmonar (Síndrome de Behcet)
   Cateter de artéria Pulmonar com ruptura arterial
   Estenose Mitral
           Coagulopatia (geralmente coexistindo com lesão de mucosa)
   Trombocitopenia ou disfunção plaquetária (uremia, doença de von Willebrand)
   Hemofilia A ou B
   Alterações da coagulação (deficiência de produção ou consumo de fatores da coagulação)
   Trauma
          Outros
   Linfangioleiomiomatose
   Catamenial (endometriose)
   Criptogênica
   Broncolitíase
   Sarcoidose (geralmente com lesões cavitárias com micetoma)
        Principles of Critical Care – 4th Edition - McGraw-Hill Education

        Quadro 2 - Principais causas de Hemoptise Maciça  - Sangramento Difuso

SANGRAMENTO DIFUSO
         Capilarite (visto em biópsia)
Secundária a fármacos (propiltiouracil, fenitoína, ácido retinóico)
Doença do tecido Conectivo (Lupus Eritematoso, Artrite Reumatoide, Doença Mista do Tecido Conectivo, Esclerose Sistêmica, Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide, Polimiosite)
Vasculite Sistêmica (Behcet, crioglobulinemia, nefropatia por IgA, poliangiite microscopica, vasculite granulomatosa, pauci-imune, púrpura Henoch-Schonlein)
           Hemorragia branda (visto em biópsia)
Doenças do tecido conjuntivo (Lupus eritematoso sistemico, sindrome Goodpasture)
Fármacos (anticoagulantes e antiplaquetário - inibidores glicoproteina IIa/IIIb)
Outros (doença pulmonar veno-oclusiva, estenose mitral, hemosiderose pulmonar idiopatica)
          Dano alveolar com sangramento (visto somente em biopsia)
Infecção (qualquer infecção que possa causar ARDS)
Fármacos (amiodarona, crack, cocaína, nitrofurantoina, penicillamina, sirolimus, drogas citotóxicas)
Doença do tecido Conjuntivo (Lupus Eritematoso, artrite reumatoide, polimiosite)
Outros (hemangiomatose pulmonar capilar, infarto pulmonar, SARA por qualquer causa)
         Principles of Critical Care – 4th Edition - McGraw-Hill Education

1        Estabilização

                Quatrocentos mililitros de sangue no espaço alveolar são suficientes para prejudicar a troca gasosa causando asfixia. Neste contexto, uma das formas de tentar diminuir a aspiração é posicionar adequadamente o paciente. Por exemplo, num sangramento proveniente do lobo inferior esquerdo, o melhor seria manter o paciente em Trendelemburg reverso e em decúbito lateral esquerdo.
A tosse é uma forma muito eficaz de eliminar o sangue da via aérea e o paciente só deve ser intubado se a troca gasosa estiver muito prejudicada ou se a gravidade do doente indicar uma abordagem imediata com broncoscopia terapêutica de urgência.

A hipoxemia deve ser imediatamente corrigida por meio da administração de oxigênio por cateter nasal ou por dispositivos de CPAP e/ou BIPAP, principalmente em casos de hemorragia alveolar, pois a administração de pressão positiva nas vias aéreas além de melhorar a oxigenação, mantém as unidades alveolares pressurizadas, tendendo a estabilizar o sangramento alveolar. O uso da ventilação não-invasiva (VNI) está ainda mais indicada quando a hemorragia alveolar for secundária ou associada à edema pulmonar cardiogênico, pós-transplante de medula óssea, pneumocistose e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Nas hipoxemias não corrigidas com a administração de oxigenioterapia e/ou VNI, ou nas contraindicações ao seu uso, deve-se proceder a intubação orotraqueal, preferencialmente com cânula maior que 8, que além de permitir a realização de broncoscopia também facilitará as aspirações. Em geral, sempre que possível, utiliza-se o modo pressão-controlada com o limite máximo de pressão em 30 cm/H2O.  
A broncoscopia rígida, a aspiração e o tamponamento com balão devem ser realizados preferencialmente antes da intubação. O uso de tubos endotraqueais com duplo lúmen não são recomendados nas situações de urgência devido às possíveis complicações e a técnica não é recomendada em sangramentos no pulmão esquerdo pela grande probabilidade de oclusão do brônquio superior direito pelo tubo. Alternativas mais efetivas que a intubação seletiva são o uso de cateteres com balão. O cateter de Fogarty (via aérea calibrosa) ou até mesmo o cateter de artéria pulmonar (vias aéreas distais subsegmentares) guiados por broncoscopia podem ser usados para ocluir o local do sangramento, protegendo o pulmão contralateral.


2           Investigação


       Deve-se realizar inspeção cautelosa das vias aéreas superiores, pois sangramentos nesta região podem ter apresentação clínica muito semelhante à hemoptise maciça e a rinoscopia e laringoscopia podem ser realizadas em caso de suspeita clínica. Da mesma forma, havendo dúvidas quanto à origem do sangramento, a realização de uma endoscopia digestiva alta deve ser considerada. Nos casos de história consistente com febre reumática, sopro na ausculta cardíaca pode indicar a realização de ecocardiograma para diagnóstico de estenose mitral.

    Contagem de plaquetas, AP, TTPA, fibrinogênio, uréia e creatinina devem ser solicitados principalmente em pacientes com doença hepática, trauma e coagulação intravascular disseminada.  Análise urinária (urina tipo 1) pode mostrar hematúria, sugerindo a possibilidade de hemorragia alveolar difusa (síndrome pulmão-rim). Nestes casos solicitam-se provas reumatológicas (fator antinuclear, fator reumatóide, complemento, crioglobulina e os anticorpos antifosfolípide, antinuclear citoplasmático e anti-membrana basal glomerular).

3           Determinando o local e a etiologia do sangramento


A radiografia de tórax pode identificar a região do sangramento em até 60% das vezes, porém em menos de 35% dos casos permite determinar a etiologia do sangramento. A tomografia de tórax é mais eficaz na localização do sangramento e muito melhor para se identificar a etiologia, devido a sua maior sensibilidade nos casos de bronquiectasias. Caso haja necessidade de estabilização urgente, a broncoscopia deve ser realizada devido ao seu potencial terapêutico (aspiração, terapia endobrônquica e tamponamento com balão).     Hemorragia alveolar difusa pode apresentar os mesmos achados radiológicos de grandes aspirações de sangue e, nestes cosas, broncoscopia com lavado broncoalveolar seriado de um mesmo local com concentração crescente de eritrócitos pode indicar seu diagnóstico.


4           Tratamento geral

        
Os princípios fundamentais do manejo do paciente com hemoptise são a proteção da via aérea e do pulmão sadio, a localização da fonte de sangramento e o controle da hemorragia.
Deve-se manter oxigenação adequada, corrigir a coagulopatia e manter a contagem de plaquetas acima de 50.000/µL se sangramento ativo. TP e TTPA devem ser corrigidos para valores próximos ao normal. Para isto pode-se utilizar vitamina K caso o tempo permita, porém nos casos de urgência o melhor é administrar plasma fresco congelado em grande volume. Algumas séries de casos colocam o uso de antifibrinolitico tópico ou intravenoso como medida promissora.

Em pacientes com disfunção plaquetária secundária à uremia, considerar diálise e/ou crioprecipitado e DDAVP. No caso de Hemofilia A e doença de von Willebrand também se utiliza crioprecipitado e DDAVP. Naqueles com fibrose cística e bronquiectasias, o Fator VIIa tem se mostrado uma medida temporária efetiva, provavelmente devido à deficiência em vitamina K e fatores de coagulação presentes nessa população. Entretanto, essa medida também pode estar relacionada à trombose nesse grupo de doentes.


5           Tratamento específico


       O tratamento endobrônquico se inicia com o uso de salina a 4ºC em alíquotas de 50 ml, podendo ser necessários volumes de até 750 ml para o efeito completo. Caso não seja efetivo, drogas vasoconstritoras tópicas são utilizadas (epinefrina, na proporção 1:20.000). Ácido tranexâmico e soluções com fibrina-trombina parecem eficazes em séries de casos.

O tamponamento por balão é utilizado para estabilização antes da embolização ou cirurgia. Outras técnicas como fotocoagulação a laser, coagulação com plasma de argônio, eletrocauterização, crioterapia, braquiterapia e tamponamento com stent necessitam de material específico e broncoscopista altamente treinado. Além disto, estas técnicas ainda não tiveram sua eficácia rigorosamente estudada. Irradiação externa tem sido usada com sucesso em casos de micetomas e neoplasias irressecáveis caso o sangramento tiver baixo fluxo e o paciente estiver estável.

A embolização brônquio arterial é o tratamento de escolha para a maioria das hemoptises secundárias às lesões localizadas que ameacem a vida. Apesar do sucesso de até 90%, pode ocorrer recidiva do sangramento em 10 a 55% dos casos, principalmente em pacientes com micetoma, carcinoma broncogênico e fibrose cística. A tomografia permite melhor identificação dos vasos que devem ser embolizados. Novas embolizações costumam ser seguras, entretanto micetomas e carcinomas que ressangram devem ser preferencialmente tratados com cirurgia.


6           Tratamento clinico ou cirúrgico?



      Embolização é uma medida segura e eficaz para o controle da hemorragia em hemoptise maciça e deve ser a terapia inicial na maioria dos pacientes. Fibrose cística, tuberculose pulmonar extensa, bronquiectasias e doenças difusas não são tratadas cirurgicamente.
Pacientes com doença vascular, doença fúngica ou tuberculose localizada e bronquiectasias, bem como aqueles que apresentaram falha da embolização, devem ser avaliados para cirurgia de urgência caso apresentem reserva cardiopulmonar. Pacientes com doença localizada devem ser criteriosa e individualmente avaliados, pois não há estudos comparando o desfecho de pacientes operados e os submetidos a embolizações repetidas.
Trauma e lesão iatrogênica da artéria pulmonar devem ser tratados cirurgicamente. Embolizações podem ser ponte para um tratamento cirúrgico, como nos casos de malformações arteriovenosas complexas e fístulas broncovasculares.

As principais indicações de cirurgia são:
·       Recorrência do sangramento após embolização;
·        Impossibilidade de se realizar embolização por questões anatômicas;
·       Sangramento de múltiplos vasos visto na angiografia.

Ann Thorac Surg 2009;87:849–53

7           Hemorragia alveolar difusa

        
 Sugere-se o diagnóstico de hemorragia alveolar difusa em pacientes com hemoptise, exames de imagem com infiltrado pulmonar difuso, queda do hematócrito e manifestações sistêmicas. Um terço dos pacientes não apresentará hemoptise, mas terão outras manifestações sistêmicas como rash cutâneo, mialgias, artralgias e conjuntivite. A hemorragia alveolar ocorre em até 10% dos pacientes com vasculite granulomatosa (Granulomatose de Wegener) e 33% dos casos de poliangiite microscópica (com manifestação de glomeruronefrite), pode ser encontrada em até 5% dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e raramente ocorre em associação com polimiosite, artrite reumatoide e doença mista do tecido conjuntivo. A maioria dos pacientes com Síndrome de Goodpasture (anticorpo contra o colágeno tipo 4 encontrado na membrana basal dos alvéolos e glomérulos) apresenta hemorragia alveolar difusa e glomerulonefrite, porém só 10% podem apresentar hemoptise.


O correto diagnóstico é fundamental para o tratamento da causa de base. Provas reumatológicas inconclusivas podem requerer biópsia renal ou pulmonar. Apesar do tratamento, mais da metade dos pacientes com hemorragia alveolar difusa secundária à vasculite sistêmica ou doença do colágeno vascular necessitam de ventilação mecânica e a mortalidade chega a 25% em pacientes com granulomas a 50% nos com lúpus.

8           Referências



  • Jean-Baptiste E. Clinical assessment and management of massive hemoptysis. Crit Care Med 2000;28:1642–7.
  • Critical Care Medicine – Principles of Diagnosis and Management in the Adult; Dellinger 4th Edition - Elsevier.
  • Principles of Critical Care – 4th Edition - McGraw-Hill Education.
  • Shigemura N, Wan IY, Yu SC, et al. Multidisciplinary management of life-threatening massive hemoptysis: a 10-year experience. AnnThorac Surg. 2009;87:849-853. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.athoracsur.2008.11.010
  • Clínica Médica: dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento. Barueri - Manole, 2007.


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