Desde 1969 Weil e Shubin já enfatizavam a importância da ressuscitação
volêmica seguida de suporte cardiovascular, com agente vasopressor, na
estabilização do paciente com choque séptico. Esta estratégia vem sendo adotada
de forma rotineira, de tal maneira que a Surving
Sepsis Campaign atualmente recomenda expansão volêmica com 30 ml/kg de
cristalóide na fase inicial de ressuscitação, seguida da associação de drogas
vasoativas na intenção de buscar alvo pressórico adequado para reverter as alterações
macrohemodinamicas, principalmente a hipotensão.
Esta, pode ser definida como
PAS < 90 mmHg, PAM < 65 mmHg ou queda da pressão arterial média > 40
mmHg em pacientes previamente hipertensos. Embora a meta inicial de 65 mmHg de
PAM seja considerado adequado, esta recomendação continua sendo motivo de
controvérsia, pois as evidências que suportam tal fato são limitadas. Este alvo
é atualmente recomendado porque alguns estudos demonstraram que seria o mínimo
necessário para gerar uma perfusão tecidual satisfatória. Contudo, pacientes
idosos com aterosclerose ou mesmo pessoas previamente hipertensas aparentemente
apresentam níveis de pressão arterial mais elevadas em comparação à indivíduos
jovens e sadios. Portanto, PAM de 65mmHg poderia ser considerado inadequado
nesta população em situações críticas.
PAM
(pressão arterial média) = PAS + 2 PAD / 3
Em 2004, Asfar e colaboradores, por meio de um estudo multicêntrico,
randomizado, prospectivo, não cego, incluindo várias UTIs da França, avaliou 776
indivíduos com choque séptico e demonstrou que em pacientes sem alterações
cardiovasculares prévias, o alvo de PAM em torno de 65 – 70 mmHg parecia ser
bem interessante como meta inicial, evitando evolução para disfunção orgânica
múltipla. Contudo, em pacientes previamente hipertensos o alvo entre 80 – 85
mmHg de PAM determinou menor número de disfunção renal e necessidade de terapia
renal substitutiva (TRS). Não houve diferença de mortalidade entre os grupos.
Atualmente, com a heterogeneidade de pacientes, bem como de seus órgãos e
microcirculações, um alvo único e uniforme de PAM não parece ser o mais
adequado. O que fazer então ???
Em condições fisiológicas normais o fluxo sanguíneo tecidual se mantém
constante e diferente entre os órgãos, de tal forma que cada um recebe a
quantidade ideal que necessita para manter a demanda metabólica. O fluxo pode
aumentar ou diminuir para atender esta necessidade, porém independe das
variações de pressão arterial ou de pressão de perfusão. Portanto, quem determina o fluxo de sangue é
consumo de cada órgão. Esta capacidade intrínseca é conhecida como
autorregulação. Contudo, em condições extremas de hipotensão ou hipertensão o
fluxo passa a ser dependente da pressão de perfusão e não mais da capacidade de
autorregulação local. Nesse ponto, o organismo não consegue mais direcionar o
fluxo conforme a demanda. Nos casos de hipotensão, há vasoconstrição sistêmica
e aumento do débito cardíaco mediados pelo sistema simpático na tentativa de
corrigir a perfusão tecidual. Áreas com mais receptores adrenérgicos (pele e
musculatura esquelética) sofrem mais vasoconstricção. Essa resposta parece
maléfica, mas direciona o fluxo de sangue para órgãos nobres como cérebro,
coração e rins, tecidos com menor quantidade de receptores alfa adrenérgicos. Se
o mecanismo compensatório não for suficiente e a hipotensão persistir, haverá
disfunção dos órgãos não perfundidos adequadamente. Por isso, em condições de
extrema hipotensão passa a ser importante manutenção de pressão arterial e PAM.
Embora a Surving Sepsis Campaign
recomende 65mmHg de PAM como alvo inicial em pacientes com choque séptico, com
individualização posterior, este fato é limitado em relação as evidências.
Varpula e colaboradores, em um estudo retrospectivo, demonstrou valores de PAM
< 65 mmHg, particularmente nas primeiras 48 horas estiveram associados com maior
mortalidade. Em contrapartida, um pequeno estudo desenhado por LeDoux e
colaboradores não mostrou melhora da perfusão tecidual quando ocorreram
variações de PAM entre 65 e 80 mmHg. Além disso, não parece haver evidência de benefício de pressões acima de 65 mmHg
no que diz mortalidade segundo Borgoin e colaboradores. Porém, quando
outros dados são analisados, alvos de pressões maiores podem trazer benefício.
É o caso do menor risco de disfunção renal com PAM acima de 70mmHg. O estudo
mais significativo representando tal condição foi citado no começo do texto.
Apesar da menor chance de disfunção renal e TRS em pacientes hipertensos com
alvo de PAM entre 80 e 85 mmHg, o risco de complicações relacionadas com
vasopressores, particularmente taquiarritmias, aumentou no grupo com alvo maior
de pressão (Assessment of Two Levels of
Arterial Pressure on Survival in Patients with Septic Shock –SEPSISPAM). Tais
dados, deixam claro que o mesmo alvo de pressão arterial para todos os
indivíduos com choque séptico não parece o ideal.
Após a publicação do estudo
SEPSISPAM dois artigos de revisão, tentando avaliar níveis de pressão em pacientes
com choque séptico, foram publicados. O primeiro, conduzido por Leone e
colaboradores, analizando 12 estudos, evidenciou que a meta de 65 mmHg em
relação à PAM é suficiente para condução deste tipo de choque, contudo percebeu
que valores de PAM girando em torno de 75 – 85 mmHg geraram menor risco de
evolução para disfunção renal em pacientes previamente hipertensos, com IRC,
aterosclerose significativa. D’Aragorn e colaboradores, revisaram 12 estudos,
incluindo o SEPSISPAM, bem como 10 estudos crossover. Eles se abstiveram de
concluir um alvo ideal de PAM, baseado na pequena quantidade de evidências.
Seguindo a mesma lógica do rim,
alguns estudos tentaram avaliar níveis de pressão e disfunção orgânica. Não
existe evidência suficiente para titular níveis de pressão em relação aos
pacientes que cursam com miocardiopatia da sepse. Aparentemente valores em
torno de 65 mmHg de PAM parecem ser suficientes. Poucos são os trabalhos que
tentaram correlacionar níveis de pressão e disfunção neurológica. Todos os
estudos são pequenos e cheios de falhas metodológicas. No entanto, crescem as
evidências, de acordo com o Trauma Brain
Foudation, que valores de Pressão de perfusão cerebral em torno de 50 – 70
mmHg favorecem desfecho neurológico em pacientes com perda da autorregulação em
situações de TCE. Extrapolando esta afirmação parece ser lógico que pacientes
com perda da capacidade de autorregulação cerebral em virtude da sepse
(rebaixamento do nível de consciência, delirium) poderiam se beneficiar de
valores de pressão arterial média que atingissem tal avo. Lembrando que a PPC é
a diferença entre PAM e PIC. Não há nenhum grande estudo correlacionando níveis
de pressão com vísceras abdominais. O que é sugerido atualmente é o que se
preconiza em síndrome compartimental abdominal, pressão de perfusão abdominal
em torno de 60 mmHg. Lembrando que PPA = PAM – PIA (pressão intra-abdominal).
Concluindo, as evidências sugerem
que o alvo de PAM em torno de 65 -70 mmHg parece ser o ideal para pacientes com
choque séptico no que diz respeito a restauração do fluxo sanguíneo orgânico
quando a capacidade de autorregulação é perdida. Contudo, em pacientes
previamente hipertensos, idosos, com aterosclorose e disfunção renal crônica
(situações em que a curva de perfusão renal esta desviada para a direita – adaptada
a valores maiores de entrada) valores mais altos, 80 – 85 mmHg, são mais
aconselhados, pois o risco de evolução para TRS diminui. Embora com pouca
evidência, pacientes com sepse e disfunção neurológica podem se beneficiar de
valores mais altos de PAM.
Aos interessados o texto foi baseado em um artigo de revisão publicado na Revista Annals of Intensive Care, intitulado Personalizing Blood Pressure management in Septic Shock. O texto é livre para consulta no site da revista.
Ryotaro Kato,
Michael Pinsky Annals of Intensive Care 2015, 5:41 (16 November 2015)
2. http://www.annalsofintensivecare.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário