terça-feira, 10 de novembro de 2015

A mobilização que faz a diferença!



As disfunções neuromusculares adquiridas nas unidades de terapia intensiva (UTI) devido ao tempo prolongado de internação, agravadas pela administração de determinados tipos de medicamentos e por condições decorrentes da doença grave, são vistas como fatores determinantes de fraqueza muscular.
No início do século os estudos na área de fisioterapia, em particular em mobilização precoce, demonstraram bons resultados nos desfechos dos pacientes em UTI, no que diz respeito à diminuição de dias em ventilação mecânica, dias de internação e incidência de delirium.  A mobilização precoce traz inúmeros benefícios para os pacientes, mas o impacto que esta estratégia traz após a alta hospitalar sempre foi pouco estudado.

Neste ano, os investigadores da TEAM Study nos brindaram com um artigo abordando o tema. Foi um estudo de coorte prospectivo, realizado em 12 UTIs na Austrália e Nova Zelândia, com dados coletados entre ago/2012 e mar/2013. O estudo teve como objetivo principal avaliar a relação entre a fraqueza muscular adquirida na UTI e a mobilização precoce, interpretando os desfechos destes pacientes no período de seis meses após a alta hospitalar. A mobilização precoce foi definida como qualquer exercício em que as atividades fossem realizadas pelo próprio paciente durante o período em que estivesse em ventilação mecânica invasiva (VM).
Foram incluídos pacientes que possuíam mobilização independente previamente à internação hospitalar, admitidos na UTI num período de até 72h, que estivessem em VM por pelo menos 24h e com programação de permanecer intubados por um tempo maior que 48h. Foram excluídas pacientes com idade inferior a 18 anos, comprometimento neurológico suspeito ou confirmado, alterações cognitivas anteriores à internação na UTI, fraturas instáveis ou qualquer injúria que contraindicasse a mobilização, pacientes admitidos na UTI com proposta de tratamento paliativo e com suspeita de miopatia ou doença neurológica primária associada à fraqueza prolongada e anterior à admissão na UTI.
Foram incluídos 192 pacientes (idade média de 58 ± 16,1 anos e APACHE II 19,5 ±7,2). A mortalidade na UTI foi de 18,8% (36/192) e 90 dias após a alta hospitalar de 26,6% (51/192). Do total, 63,5% (112/192) não receberam mobilização precoce. Dos 1.288 atendimentos realizados ao longo do estudo (inclusão até o 14º dia ou até a extubação), a mobilização precoce efetivamente ocorreu em apenas 16% das vezes (209/1.288). Dentre os 70 (36,5%) pacientes que receberam mobilização precoce durante o tempo de VM, a mediana de tempo entre a admissão na UTI e o início da atividade foi de 5 (3-8) dias e os níveis máximos de mobilização foram: exercícios na cama (N = 94; 7%), ficar em pé ao lado da cama (N = 11; 0,9%) ou deambular (N = 26; 2%). O tempo médio em que os pacientes iniciaram as atividades pode ser visto na Tabela 1. Nenhum paciente em VM caminhou antes do 7º dia. Dentre as justificativas apresentadas pelo artigo, as principais barreiras encontradas para mobilização foram sedação e a presença do tubo orotraqueal.

                           Tabela 1: Desfechos

A força dos pacientes na alta da UTI foi mensurada por meio do Medical Research Council Manual Test Sum Score (MRC-SS) em 94 dos 156 sobreviventes (60%), nestes o MRC-SS médio foi de 43,3 ± 12.5, com 49 pacientes (52%) apresentando valores abaixo de 48 pontos, ou seja, com fraqueza muscular adquirida na UTI (Figura 1).

Figura 1: Avaliação do MRC-SS na alta da UTI

A pontuação foi maior naqueles que se mobilizaram precocemente enquanto estiveram em VM (50,0 ± 11,2 X 42,0 ± 10,8, P 0,003). O MRC-SS dos pacientes sobreviventes no dia 90 também foi maior que o dos não sobreviventes (44.9 ± 11.4 X 28.9 ± 13.2, P <0.0001) (Figura 2).

Figura 2: Sobrevida em 90 dias dos pacientes com e sem fraqueza muscular adquirida na UTI.

Após seis meses, apenas 120 (62%) pacientes ainda continuavam vivos e foram reavaliados quanto à mobilidade, cuidado pessoal, atividades usuais, dor e retorno ao trabalho. Nota-se um impacto na qualidade de vida: 46 (38%) apresentavam algum problema com mobilidade, 19 (16%) com cuidados pessoais, 42 (35%) com atividades usuais, 48 (40%) com dor/desconforto e apenas 29 (de 77 que trabalhavam antes da internação na UTI) retornaram ao trabalho (Tabela 2). Dos pacientes independentes previamente à internação, apenas 62% sobreviveram. Destes, pelo menos 40% evoluíram com algum grau de limitação por dor e desconforto e 38% não têm mais mobilidade independente. Ou seja, nossos pacientes estão recebendo alta da UTI com que qualidade de vida (Tabela 2)?

Tabela 2: Desfechos em 6 meses.


RELEMBRANDO:

O que é o MRC-SS mesmo?


A escala Medical Research Council Manual Test Sum Score (MRC-SS) consiste na graduação de força muscular para seis tipos diferentes de movimentos que são avaliados bilaterais. A pontuação total varia de 0 (tetraparesia completa) a 60 (força muscular normal). Em pacientes que previamente não possuíam alterações de força muscular periférica, valores de MRC-SS abaixo de 48 pontos definem fraqueza muscular adquirida na UTI.

CONSIDERAÇÕES

No que diz respeito ao desfecho dos pacientes que apresentam fraqueza muscular adquirida na UTI, vale ressaltar que o termo “mobilização precoce” não é ainda bem definido na literatura e não está bem estabelecida a caracterização no que diz respeito ao próprio conceito, frequência e intensidade das atividades, ou quais recursos adicionais utilizar. 
O imobilismo, fato comum à maioria dos pacientes críticos graves nas UTIs, contribui para limitações funcionais que podem repercutir por longo período após a alta hospitalar, comprometendo a qualidade de vida e a reintegração ativa na sociedade.
Toda equipe multiprofissional, em especial os fisioterapeutas, representam grande importância para a população de pacientes críticos, que por meio de intervenções precoces podem auxiliar na redução dos efeitos adversos da imobilidade.


REFERÊNCIAS

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26026495


# Texto enviado por Alessandre de Carvalho Junior - fisioterapeuta do Hospital das Clínicas - HCFMUSP e preceptor do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP - e por Camila Pal - fisioterapeuta e residente do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP. Agradecemos por dividirem o conhecimento através do pacientegrave.com #

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