As disfunções neuromusculares adquiridas
nas unidades de terapia intensiva (UTI) devido ao tempo prolongado de
internação, agravadas pela administração de determinados tipos de medicamentos
e por condições decorrentes da doença grave, são vistas como fatores
determinantes de fraqueza muscular.
No início do século os estudos na área
de fisioterapia, em particular em mobilização precoce, demonstraram bons
resultados nos desfechos dos pacientes em UTI, no que diz respeito à diminuição
de dias em ventilação mecânica, dias de internação e incidência de
delirium. A mobilização precoce traz
inúmeros benefícios para os pacientes, mas o impacto que esta estratégia traz
após a alta hospitalar sempre foi pouco estudado.
Neste ano, os investigadores da TEAM Study nos brindaram com um artigo
abordando o tema. Foi um estudo de coorte prospectivo, realizado em 12 UTIs na
Austrália e Nova Zelândia, com dados coletados entre ago/2012 e mar/2013. O
estudo teve como objetivo principal avaliar a relação entre a fraqueza muscular
adquirida na UTI e a mobilização precoce, interpretando os desfechos destes
pacientes no período de seis meses após a alta hospitalar. A mobilização
precoce foi definida como qualquer exercício em que as atividades fossem
realizadas pelo próprio paciente durante o período em que estivesse em
ventilação mecânica invasiva (VM).
Foram incluídos pacientes que possuíam
mobilização independente previamente à internação hospitalar, admitidos na UTI
num período de até 72h, que estivessem em VM por pelo menos 24h e com
programação de permanecer intubados por um tempo maior que 48h. Foram excluídas
pacientes com idade inferior a 18 anos, comprometimento neurológico suspeito ou
confirmado, alterações cognitivas anteriores à internação na UTI, fraturas
instáveis ou qualquer injúria que contraindicasse a mobilização, pacientes
admitidos na UTI com proposta de tratamento paliativo e com suspeita de
miopatia ou doença neurológica primária associada à fraqueza prolongada e
anterior à admissão na UTI.
Foram incluídos 192 pacientes (idade
média de 58 ± 16,1 anos e APACHE II 19,5 ±7,2). A mortalidade na UTI foi de
18,8% (36/192) e 90 dias após a alta hospitalar de 26,6% (51/192). Do
total, 63,5% (112/192) não receberam mobilização precoce. Dos 1.288
atendimentos realizados ao longo do estudo (inclusão até o 14º dia ou até a
extubação), a mobilização precoce efetivamente ocorreu em apenas 16% das vezes
(209/1.288). Dentre os 70 (36,5%)
pacientes que receberam mobilização precoce durante o tempo de VM, a mediana de
tempo entre a admissão na UTI e o início da atividade foi de 5 (3-8) dias e os níveis
máximos de mobilização foram: exercícios na cama (N = 94; 7%), ficar em
pé ao lado da cama (N = 11; 0,9%) ou deambular (N = 26; 2%). O tempo
médio em que os pacientes iniciaram as atividades pode ser visto na Tabela 1. Nenhum paciente em VM
caminhou antes do 7º dia. Dentre
as justificativas apresentadas pelo artigo, as principais barreiras encontradas
para mobilização foram sedação e a presença do tubo orotraqueal.
Tabela
1: Desfechos
A força dos pacientes na alta da UTI foi
mensurada por meio do Medical Research
Council Manual Test Sum Score (MRC-SS) em 94 dos 156 sobreviventes (60%),
nestes o MRC-SS médio foi de 43,3 ± 12.5, com 49 pacientes (52%) apresentando
valores abaixo de 48 pontos, ou seja, com fraqueza muscular adquirida na UTI
(Figura 1).
Figura 1: Avaliação do
MRC-SS na alta da UTI
A
pontuação foi maior naqueles que se mobilizaram precocemente enquanto estiveram
em VM (50,0 ± 11,2 X 42,0 ± 10,8, P 0,003). O MRC-SS dos pacientes
sobreviventes no dia 90 também foi maior que o dos não sobreviventes (44.9 ±
11.4 X 28.9 ± 13.2, P <0.0001) (Figura 2).
Figura 2: Sobrevida em 90 dias dos pacientes com e sem
fraqueza muscular adquirida na UTI.
Após seis meses, apenas 120 (62%) pacientes ainda continuavam vivos e foram
reavaliados quanto à mobilidade, cuidado pessoal, atividades usuais, dor e
retorno ao trabalho. Nota-se um impacto na qualidade de vida: 46 (38%)
apresentavam algum problema com mobilidade, 19 (16%) com cuidados pessoais, 42
(35%) com atividades usuais, 48 (40%) com dor/desconforto e apenas 29 (de 77
que trabalhavam antes da internação na UTI) retornaram ao trabalho (Tabela 2).
Dos pacientes independentes previamente à internação, apenas 62% sobreviveram.
Destes, pelo menos 40% evoluíram com algum grau de limitação por dor e
desconforto e 38% não têm mais mobilidade independente. Ou seja, nossos pacientes estão recebendo alta da UTI com que qualidade
de vida (Tabela 2)?
Tabela 2: Desfechos em 6 meses.
RELEMBRANDO:
O que é o MRC-SS mesmo?
A escala Medical Research Council Manual Test Sum Score (MRC-SS) consiste na
graduação de força muscular para seis tipos diferentes de movimentos que são
avaliados bilaterais. A pontuação total varia de 0 (tetraparesia completa) a 60
(força muscular normal). Em pacientes que previamente não possuíam alterações
de força muscular periférica, valores de MRC-SS abaixo de 48 pontos definem
fraqueza muscular adquirida na UTI.
CONSIDERAÇÕES
No que diz respeito ao desfecho dos
pacientes que apresentam fraqueza muscular adquirida na UTI, vale ressaltar que
o termo “mobilização precoce” não é ainda bem definido na literatura e não está
bem estabelecida a caracterização no que diz respeito ao próprio conceito,
frequência e intensidade das atividades, ou quais recursos adicionais
utilizar.
O imobilismo, fato comum à
maioria dos pacientes críticos graves nas UTIs, contribui para limitações
funcionais que podem repercutir por longo período após a alta hospitalar,
comprometendo a qualidade de vida e a reintegração ativa na sociedade.
Toda equipe
multiprofissional, em especial os fisioterapeutas, representam grande
importância para a população de pacientes críticos, que por meio de
intervenções precoces podem auxiliar na redução dos efeitos adversos da
imobilidade.
REFERÊNCIAS
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26026495
# Texto enviado por Alessandre de Carvalho Junior - fisioterapeuta do Hospital das Clínicas - HCFMUSP e preceptor do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP - e por Camila Pal - fisioterapeuta e residente do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP. Agradecemos por dividirem o conhecimento através do pacientegrave.com #
# Texto enviado por Alessandre de Carvalho Junior - fisioterapeuta do Hospital das Clínicas - HCFMUSP e preceptor do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP - e por Camila Pal - fisioterapeuta e residente do Programa de Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos - UNIFESP. Agradecemos por dividirem o conhecimento através do pacientegrave.com #
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