A
cateterização venosa central é um procedimento bastante comum na unidade de
terapia intensiva, com uma estimativa de mais de cinco milhões de cateteres puncionados
por ano nos Estados Unidos (1,2).
Dentre
suas várias indicações temos: administração de medicações irritantes para a
parede dos vasos periféricos, como drogas vasopressoras, nutrição parenteral e
alguns quimioterápicos; ferramenta para monitoração hemodinâmica, como
monitoração de pressão venosa central, saturação venosa central e para passagem
de cateter de artéria pulmonar; alternativa de acesso quando existe falência da
via periférica; terapia substitutiva renal por hemodiálise; e para realização
de plasmaférese (1,3).
Tradicionalmente a punção é realizada de
forma cega e facilmente orientada pelas referências anatômicas quando realizada
por médicos experientes. Porém, apesar das complicações diretamente
relacionadas ao procedimento não serem muito frequentes quando realizadas por equipe
bem treinada, elas podem ocorrer e quando presentes podem trazer grande
prejuízo ao paciente. Dentre as complicações imediatas temos:
sangramentos/hematomas, punção arterial, lesão de ducto torácico, mal
posicionamento do cateter, pneumotórax, hemotórax, embolia gasosa e arritmias (1,3).
O uso de ultrassonografia com Doppler para a
localização e punção da veia jugular interna foi descrita inicialmente em 1984
(3) e desde então alguns estudos têm provado que o método é mais seguro e o
mais recomendado quando comparado à técnica as cegas (3,4). O uso do ultrassom
também é útil para passagem de cateter arterial, acesso venoso periférico e
passagem de cateter venoso central de inserção periférica (PICC) (3,5,6).
Um
metanálise conduzida por Wu e colaboradores comparou o acesso venoso central
guiado por ultrassonografia em modo 2D e a técnica de punção às cegas, apresentando
resultados favoráveis à técnica guiada quando realizada em pacientes adultos. No estudo a
ultrassonografia reduziu significativamente o risco de erro em 82%, além de reduzir a
ocorrência de complicações, incluindo redução no risco de punção arterial em 75%, de
hematoma em 70%, de pneumotórax em 79% e de hemotórax em 90% (2).
O
transdutor ideal deve possuir alta resolução (alta frequência e pequeno
comprimento de onda), o que possibilitará a fácil identificação de veias e
artérias. Nestes casos recomenda-se o transdutor linear 7.5 a 10 MHz (3,6).
Nas
imagens os vasos sanguíneos aparecem como imagens tubulares anecóicas (em preto)
devido à transmissão completa das ondas de ultrassom, enquanto o tecido ao
redor aparece com diferentes escalas de cinza (Figura 1). As artérias são pulsáteis
e não compressíveis com o transdutor, já as veias possuem válvulas e têm
paredes mais finas, não são pulsáteis, são facilmente compressíveis e se
distendem quando o paciente realiza uma manobra de Valsalva (3-6).
Figura
1: Corte transversal e longitudinal. A veia é demostrada pela seta e estrela
vermelhas, enquanto a artéria pela seta e estrela azuis. Observe como a veia pode
ser comprimida pelo transdutor (3).
As
imagens poderão ser adquiridas em eixo longo (longitudinal) ou curto (transversal)
(Figura 1). A técnica utilizando o corte transversal tem sido muito utilizada
por principiantes por ser a mais fácil, no entanto, nestes casos a ponta da
agulha tem de permanecer no eixo do feixe de ultrassom com a finalidade de ser
visualizada (Figura 2) (3,6).
Figura
2: Técnica dinâmica transversal. O ângulo entre a agulha e a pele do paciente
tem que ser o mais obtuso possível, a fim de permitir a visualização da ponta
da agulha perfurando o vaso exatamente abaixo do plano ultrassonográfico (6).
Para
o procedimento o paciente deve ser preparado na forma estéril clássica e o transdutor
do ultrassom deve ser protegido por uma capa estéril. Além disso, deve-se usar
gel estéril sob o transdutor e sob a capa estéril que vai entrar em contato com
a pele do paciente (3).
O
médico deverá segurar o transdutor com a mão não dominante e a agulha de punção
com a dominante (Figura 2). O operador pode visualizar a ponta da agulha perfurando
o vaso apropriado e, neste momento, o transdutor deverá ser deixado de lado,
enquanto o fio-guia é inserido. Uma vez que este for inserido, deverá ser confirmado
o seu posicionamento no interior do vaso com o ultrassom, a fim de evitar a
dilatação inadvertidamente de uma artéria ou demais estruturas das partes moles
(3,6).
A
técnica dinâmica longitudinal possibilita a visualização direta da agulha
perfurando o vaso. (Figura 3) (3,6).
Figura 3: Técnica dinâmica longitudinal. Visão
longitudinal possibilitando a visualização da agulha perfurando a veia jugular
interna (3).
Técnica adequada da punção da veia jugular interna (5,6):
1. Realizar técnica asséptica convencional.
Proteger o transdutor do ultrassom com capa estéril.
2. Buscar o ponto em que em que a veia jugular
interna esteja localizada o mais lateralmente possível da artéria carótida. Centralizar
a veia na tela do ultrassom (corte transversal) ou obter uma visão longitudinal do
vaso (corte longitudinal) (Figura 1).
Anestesiar
o local da punção observando a ponta da agulha na tela do ultrassom.
O aparelho pode ajudar a orientar a anestesia de modo a evitar punção
inadvertida de vasos ou administração excessiva de anestésico, o que poderia
distorcer a anatomia local.
3. Inserir a
agulha da seringa, avançando lentamente em direção ao vaso, sempre mantendo pressão
negativa sobre a seringa, até ocorrer o retorno do sangue. Se estiver usando o corte transversal, posicionar a agulha no meio e o mais próximo possível do
transdutor, formando um ângulo bem mais obtuso do que o utilizado na técnica
convencional às cegas (Figura 2). A visualização da agulha pode ser facilitada
por uma movimentação leve da agulha dentro do tecido, para cima e para baixo.
Além disso, a distância entre a pele e a veia pode
ser medida no
monitor de ultrassom.
4. Se estiver
utilizando o corte longitudinal, o operador deverá manter a agulha em
um ângulo mais agudo com a pele. Isto permitirá observar a agulha penetrar na pele, tecido subcutâneo e no interior da veia (Figura 3).
5. Uma vez
que a veia foi acessada, o
transdutor poderá ser deixado de lado para que o médico
possa introduzir o fio guia.
Referências
- Heffner AC, Androes MP. Overview of central venous access. Uptodate. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/overview-of-central-venous-access?source=see_link> Last updated: Jan 09, 2015.
- Wu SY, Ling Q, Cao LH, Wang J, Xu MX, Zeng WA. Real-time two-dimensional ultrasound guidance for central venous cannulation: a meta-analysis. Anesthesiology. 2013 Feb;118(2):361-75.
- Rebecca L. Ryszkiewicz | Paul E. Marik Bedside Ultrasonography in the Critical Care. In: Parrillo JE, Dellinger RP. Critical care medicine: principles of diagnosis and management in the adult. 4th ed. Philadelphia, Elsevier, 2014. 1786-99
- Frykholm P, Pikwer A, Hammarskjöld F, Larsson AT, Lindgren S, Lindwall R, Taxbro K, Oberg F, Acosta S, Akeson J. Clinical guidelines on central venous catheterisation. Swedish Society of Anaesthesiology and Intensive Care Medicine. Acta Anasesthesiol Scand. 2014 May;58(5):508-24.
- Mitchell E, Sabado JJ. Pinciples of ultrasound-guided venous access. Uptodate. Disponível em: <http://www.uptodate.com/contents/principles-of-ultrasound-guided-venous-access?source=search_result&search=ultrasound+vessel&selectedTitle=2%7E150> Last updated: Jun 04, 2015.
- Mendes C. Punção venosa e arterial guiadas por ultrassonografia. In: ECOTIN, ecografia em terapia intensiva. AMIB. 140-152
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