sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Punção venosa central guiada por ultrassonografia


A cateterização venosa central é um procedimento bastante comum na unidade de terapia intensiva, com uma estimativa de mais de cinco milhões de cateteres puncionados por ano nos Estados Unidos (1,2).
Dentre suas várias indicações temos: administração de medicações irritantes para a parede dos vasos periféricos, como drogas vasopressoras, nutrição parenteral e alguns quimioterápicos; ferramenta para monitoração hemodinâmica, como monitoração de pressão venosa central, saturação venosa central e para passagem de cateter de artéria pulmonar; alternativa de acesso quando existe falência da via periférica; terapia substitutiva renal por hemodiálise; e para realização de plasmaférese (1,3).

Tradicionalmente a punção é realizada de forma cega e facilmente orientada pelas referências anatômicas quando realizada por médicos experientes. Porém, apesar das complicações diretamente relacionadas ao procedimento não serem muito frequentes quando realizadas por equipe bem treinada, elas podem ocorrer e quando presentes podem trazer grande prejuízo ao paciente. Dentre as complicações imediatas temos: sangramentos/hematomas, punção arterial, lesão de ducto torácico, mal posicionamento do cateter, pneumotórax, hemotórax, embolia gasosa e  arritmias (1,3).
O uso de ultrassonografia com Doppler para a localização e punção da veia jugular interna foi descrita inicialmente em 1984 (3) e desde então alguns estudos têm provado que o método é mais seguro e o mais recomendado quando comparado à técnica as cegas (3,4). O uso do ultrassom também é útil para passagem de cateter arterial, acesso venoso periférico e passagem de cateter venoso central de inserção periférica (PICC) (3,5,6).
Um metanálise conduzida por Wu e colaboradores comparou o acesso venoso central guiado por ultrassonografia em modo 2D e a técnica de punção às cegas, apresentando resultados favoráveis à técnica guiada quando realizada em pacientes adultos. No estudo a ultrassonografia reduziu significativamente  o risco de erro em 82%, além de reduzir a ocorrência de complicações, incluindo redução no risco de punção arterial em 75%, de hematoma em 70%, de pneumotórax em 79% e de hemotórax em 90% (2).
O transdutor ideal deve possuir alta resolução (alta frequência e pequeno comprimento de onda), o que possibilitará a fácil identificação de veias e artérias. Nestes casos recomenda-se o transdutor linear 7.5 a 10 MHz (3,6).
Nas imagens os vasos sanguíneos aparecem como imagens tubulares anecóicas (em preto) devido à transmissão completa das ondas de ultrassom, enquanto o tecido ao redor aparece com diferentes escalas de cinza (Figura 1). As artérias são pulsáteis e não compressíveis com o transdutor, já as veias possuem válvulas e têm paredes mais finas, não são pulsáteis, são facilmente compressíveis e se distendem quando o paciente realiza uma manobra de Valsalva (3-6).

Figura 1: Corte transversal e longitudinal. A veia é demostrada pela seta e estrela vermelhas, enquanto a artéria pela seta e estrela azuis. Observe como a veia pode ser comprimida pelo transdutor (3).

As imagens poderão ser adquiridas em eixo longo (longitudinal) ou curto (transversal) (Figura 1). A técnica utilizando o corte transversal tem sido muito utilizada por principiantes por ser a mais fácil, no entanto, nestes casos a ponta da agulha tem de permanecer no eixo do feixe de ultrassom com a finalidade de ser visualizada (Figura 2) (3,6).

Figura 2: Técnica dinâmica transversal. O ângulo entre a agulha e a pele do paciente tem que ser o mais obtuso possível, a fim de permitir a visualização da ponta da agulha perfurando o vaso exatamente abaixo do plano ultrassonográfico (6).

Para o procedimento o paciente deve ser preparado na forma estéril clássica e o transdutor do ultrassom deve ser protegido por uma capa estéril. Além disso, deve-se usar gel estéril sob o transdutor e sob a capa estéril que vai entrar em contato com a pele do paciente (3).
O médico deverá segurar o transdutor com a mão não dominante e a agulha de punção com a dominante (Figura 2). O operador pode visualizar a ponta da agulha perfurando o vaso apropriado e, neste momento, o transdutor deverá ser deixado de lado, enquanto o fio-guia é inserido. Uma vez que este for inserido, deverá ser confirmado o seu posicionamento no interior do vaso com o ultrassom, a fim de evitar a dilatação inadvertidamente de uma artéria ou demais estruturas das partes moles (3,6).

A técnica dinâmica longitudinal possibilita a visualização direta da agulha perfurando o vaso. (Figura 3) (3,6).

Figura 3: Técnica dinâmica longitudinal. Visão longitudinal possibilitando a visualização da agulha perfurando a veia jugular interna (3).


Técnica adequada da punção da veia jugular interna (5,6):

1. Realizar técnica asséptica convencional. Proteger o transdutor do ultrassom com capa estéril.
2. Buscar o ponto em que em que a veia jugular interna esteja localizada o mais lateralmente possível da artéria carótida. Centralizar a veia na tela do ultrassom (corte transversal) ou obter uma visão longitudinal do vaso (corte longitudinal) (Figura 1).
Anestesiar o local da punção observando a ponta da agulha na tela do ultrassom. O aparelho pode ajudar a orientar a anestesia de modo a evitar punção inadvertida de vasos ou administração excessiva de anestésico, o que poderia distorcer a anatomia local.
3. Inserir a agulha da seringa, avançando lentamente em direção ao vaso, sempre mantendo pressão negativa sobre a seringa, até ocorrer o retorno do sangue. Se estiver usando o corte transversal, posicionar a agulha no meio e o mais próximo possível do transdutor, formando um ângulo bem mais obtuso do que o utilizado na técnica convencional às cegas (Figura 2). A visualização da agulha pode ser facilitada por uma movimentação leve da agulha dentro do tecido, para cima e para baixo. Além disso, a distância entre a pele e a veia pode ser medida no monitor de ultrassom.
4. Se estiver utilizando o corte longitudinal, o operador deverá manter a agulha em um ângulo mais agudo com a pele. Isto permitirá observar a agulha penetrar na pele, tecido subcutâneo e no interior da veia (Figura 3).
5. Uma vez que a veia foi acessada, o transdutor poderá ser deixado de lado para que o médico possa introduzir o fio guia.


Referências

  1. Heffner AC, Androes MP. Overview of central venous access. Uptodate. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/overview-of-central-venous-access?source=see_link> Last updated: Jan 09, 2015.
  2. Wu SY, Ling Q, Cao LH, Wang J, Xu MX, Zeng WA. Real-time two-dimensional ultrasound guidance for central venous cannulation: a meta-analysis. Anesthesiology. 2013 Feb;118(2):361-75.
  3. Rebecca L. Ryszkiewicz | Paul E. Marik Bedside Ultrasonography  in the Critical Care. In:  Parrillo JE, Dellinger RP. Critical care medicine: principles of diagnosis and management in the adult. 4th ed. Philadelphia, Elsevier, 2014. 1786-99
  4. Frykholm P, Pikwer A, Hammarskjöld F, Larsson AT, Lindgren S, Lindwall R, Taxbro K, Oberg F, Acosta S, Akeson J. Clinical guidelines on central venous catheterisation. Swedish Society of Anaesthesiology and Intensive Care Medicine. Acta Anasesthesiol Scand. 2014 May;58(5):508-24.
  5. Mitchell E, Sabado JJ. Pinciples of ultrasound-guided venous access. Uptodate. Disponível em: <http://www.uptodate.com/contents/principles-of-ultrasound-guided-venous-access?source=search_result&search=ultrasound+vessel&selectedTitle=2%7E150> Last updated: Jun 04, 2015.
  6. Mendes C. Punção venosa e arterial guiadas por ultrassonografia. In: ECOTIN, ecografia em terapia intensiva. AMIB. 140-152

Nenhum comentário:

Postar um comentário