O sono é
considerado uma condição biológica essencial para manutenção da fisiologia, bem
como do emocional e do bem-estar humano. Contudo, dormir na unidade de terapia
intensiva tem sido relatado, pelos sobreviventes de doenças críticas, como de
baixa qualidade e de grande estresse durante a internação (1).
Muitos são os
fatores que contribuem para desestruturar o bom funcionamento da fisiologia do
sono nesta população de internados, incluindo a própria doença, as terapêuticas
invasivas praticadas dentro da unidade e principalmente o ambiente, repleto de
instrumentos que geram barulhos, luzes e ruídos. Como resultado os pacientes
apresentam uma série de alterações, como dificuldade de iniciar o processo de
dormir, sono fragmentado, despertar muito precoce pela manhã, alteração do
ciclo circadiano, delirium, entre outros (2).
Como se
constrói o sono normal? O sono é constituído de várias fases complementares e sequenciais,
com duas predominantes: REM (rapid eyes moviment) e NREM (non-rapid eyes moviment).
O NREM apresenta 3 estágios, totalizando 75 a 80% do tempo que uma pessoa passa
dormindo, se diferenciando segundo a progressão de sua profundida. O primeiro
estágio, N1, atua como a transição entre o estado desperto e o sono profundo.
Neste período o ser humano pode ser acordado com facilidade, e é o momento em
que começam a diminuir os movimentos oculares e a atividade muscular. Nesta
fase é liberado o hormônio melatonina que induz a sonolência (depende de local
escuro). O segundo estágio, N2, é a fase em que o metabolismo começa a ceder, a
temperatura corporal abaixa, a frequência do coração diminui, a respiração
torna-se mais lenta, a musculatura mais relaxada. É considerado um sono leve, e
abrange 45 – 55% do total do tempo do período NREM. Sequencialmente o sono
progride para o período N3, mais curto, porém mais importante para o organismo.
É nesta fase que ocorre o processo anabólico, a restruturação fisiológica do
organismo e dos tecidos, bem como o descanso. As ondas cerebrais são lentas, o
metabolismo é muito reduzido, o consumo de oxigênio diminui de forma acentuada
e ocorre liberação do hormônio de crescimento GH. Todas as 3 fases do período
não REM apresentam ondas lentas no EEG.
Após todo o
processo acima citado, o sono progride para o estágio REM. Esta fase se
caracteriza pela atividade cerebral de baixa amplitude e mais rápida, por
episódios de movimentos oculares incessantes e de relaxamento muscular máximo.
Tem duração de 20 – 25% do período total de sono, e acredita-se que seja a fase
relacionada com os sonhos e com a fixação da memória do dia. Em um indivíduo
normal, o sono não REM e o sono REM alternam-se ciclicamente ao longo da noite.
O sono não REM e o sono REM repetem-se a cada 70 a 110 minutos, com 4 a 6
ciclos por noite. A distribuição dos estágios de sono durante a noite pode ser
alterada por vários fatores, como: idade, ritmo circadiano, temperatura
ambiente, ingestão de drogas ou por determinadas doenças. Mas normalmente o
sono não REM concentra-se na primeira parte da noite, enquanto o sono REM
predomina na segunda parte.
Durante
o processo de internação na UTI o sono pode ser alterado de várias maneiras. O
tempo total parece ser próximo a de um indivíduo normal, em torno de 7 a 9
horas por dia (3, 4), contudo a fragmentação é muito acentuada, com os
pacientes experimentando 6.2 despertares por hora (em média um despertar a cada
10 minutos) (2), o que contribui para a não progressão para as diversas fases
evolutivas do sono, de tal forma que a restruturação fisiológica e o descanso
não se completam, uma vez que o indivíduo não alcança a fase 3. A maior fase do
sono acaba permanecendo nos períodos N1 e N2, que são consideradas mais
superficiais. Como consequência, os
pacientes manifestam sonolência durante o dia, sendo que 50% dos doentes acabam
completando o tempo total de sono (de 7 a 9 horas), durante o período diurno.
Isto contribui para alteração do ciclo circadiano, que persiste meses após a
alta da UTI (5).
Em
consequência da privação do sono, muitas são as consequências negativas que os
pacientes podem apresentar, contribuindo para internação prolongada, aumento
das morbidades e mortalidade (6,7).
1.
A resposta dos quimiorreceptores no centro
respiratório é reduzida em pacientes privados de sono, o que contribui para a
diminuição da resposta ventilatória intrínseca à hipóxia e hipercapnia,
contribuindo para tempo de ventilação mecânica prolongada (8). Além disso, já
foi demonstrado por Cheng and Tang (9) que a privação de sono favorece de forma
significativa a perda de força respiratória em indivíduos saudáveis. Quando
extrapolado para pacientes internados, pode contribuir para um eventual desmame
difícil da ventilação mecânica.
2.
A privação de sono favorece no sistema
cardiovascular a liberação de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina),
contribuindo para aumento da pressão arterial e frequência cardíaca. Já foi
demonstrado que uma noite de sono mal dormida pode gerar aumentos de até 12
mmHg na pressão arterial em indivíduos saudáveis (10).
3.
A manifestação mais comum correlacionada ao
sistema nervoso central é o aumento da chance de o paciente evoluir com
delirium. Já foi demonstrado que o quadro confusional agudo aumenta o tempo de
internação hospitalar, gera diminuição cognitiva (aumentando inclusive a chance
de demência) e aumenta a mortalidade. O mais interessante é que a privação de
sono contribui para o delirium, e o mesmo contribui para a manutenção do sono
não reparador. O maior desafio para o intensivista consiste em escolher um
fármaco eficaz para tratar os sintomas de agitação do delirium, uma vez que a
maioria das drogas podem exacerbar distúrbios de sono, devido ao seu efeito
inibitório no período de ondas lentas e no sono REM.
Referencia 16 |
4.
O sono não reparador contribui para inatividade
do sistema imunológico aumentando o risco de infecção na UTI (11).
5.
Como ocorre alteração do ciclo circadiano, a
liberação de hormônios é toda comprometida.
O aumento da liberação de cortisol e supressão de melatonina, perpetua a
dificuldade de o paciente iniciar e manter o sono, bem como ocasiona alterações
metabólicas como aumento do nível sérico de glicose e resistência à insulina.
Fatos já comprovados que aumentam a mortalidade na UTI.
O Que realmente influência a privação
de sono dentro da unidade de terapia intensiva? O principal contribuinte é o
ambiente.
1.
Efeito dos barulhos: Considerado o principal
estressante dos pacientes dentro da unidade e o maior fator atrapalhador do
sono. A organização mundial de saúde recomenda que o hospital, durante a noite,
produza ruídos que não ultrapassem 30 dB (12), no intuito de facilitar o
descanso dos pacientes. É improvável que a UTI consiga manter níveis de ruídos
adequados, pois a literatura mostra que ao longo do mundo, os ruídos dentro da
unidade apresentam valores em torno de 50 dB (13). A tecnologia tem contribuído
para o aumento das intensidades sonoras. Estudo conduzido por Busch – Vishnich
(14) evidenciou que nas últimas décadas o ruído, ocasionado por alarmes das
novas ferramentas de monitorização, aumentou em torno de 0,38 dB por dia e 0,42
dB ao ano, atingindo valores de até 70dB quando alarmando. Apesar de tudo que
foi citado, ainda parece que o maior produtor de sons dentro da unidade fica
por parte da equipe multiprofissional (15). Quando muitas pessoas estão atuando
e conversando dentro da UTI os valores podem atingir até 84 dB.
2.
Efeito das interações entre pacientes e equipe:
Por ser uma unidade monitorizada em tempo integral, se faz necessário coleta de
dados como sinais vitais, BH, diurese, ajuste de medicações, infusão de drogas
e remédios. Estes procedimentos contribuem demais para a dificuldade de sono
dos doentes internados. Walker and Woods demonstraram que o paciente é acordado
de 1 a 14 vezes por hora durante a noite pela equipe que presta assistência.
Ocorre cerca de 40 – 60 interações ao longo de uma noite completa. Enfermeiros chefes acreditam que cerca de
13,9% das interações poderiam não ocorrer (atendimentos desnecessários),
garantindo melhor sono da população internada.
3.
Efeito das luzes: A produção de luz artificial,
no ambiente de terapia intensiva, é muito maior do que a considerada ideal.
Isto permite uma diminuição da produção de melatonina, hormônio responsável
pela indução do sono. Além das horas do dia, a luz acaba permanecendo acessa
durante longos períodos da noite, atrapalhando demais no bem-estar do paciente
e no início do sono.
Concluindo,
apesar de muito estudo e do conhecimento sobre as alterações do ambiente
influenciando o sono dos pacientes internados, pouco foi feito no intuito de
tentar ajustar estes fatores e favorecer um repouso adequado e tão importante
para a melhora do indivíduo. Cabe aos profissionais, criar protocolos
assistenciais no intuito de propiciar um ambiente menos agressivo e inóspito no
que diz respeito ao paciente, como ajuste de alarmes e determinando momentos em
que a luz devera permanecer acesa, bem como treinar a equipe multiprofissional
para alterar o comportamento dentro da unidade, gerando assim, um ambiente mais
humano, acolhedor, respeitoso e confortável para aqueles que estão internados.
Referências
(12). Berglund BL. Guidelines
for community noise. World Health Organisation, Geneva;
1999.
(16). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25852963
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