terça-feira, 19 de maio de 2015

Naloxona: um guia prático para dúvidas frequentes


A naloxona é um antagonista específico dos receptores opióides no sistema nervoso central, apresentando maior afinidade com os receptores µ e menor com os κ e δ. Seu principal objetivo visa restabelecer a ventilação espontânea em pacientes intoxicados por opióides. O fármaco também pode reverter o efeito analgésico e os efeitos tóxicos cardiovasculares, pode restabelecer o nível de consciência, normalizar o tamanho das pupilas e a atividade intestinal (1). O uso da medicação para a reversão de efeitos colaterais, como prurido e náusea, ainda é considerada off-label (2), apesar de já demostrada em alguns estudos (3-5).

Quando administrado por via intravenosa (IV) em pacientes sob efeitos de morfina, pode reverter completamente seus efeitos dentro de um a três minutos. Em indivíduos que fazem uso de opióides de forma abusiva a administração de naloxone pode rapidamente precipitar sinais de abstinência (1), como dor, hipertensão, sudorese, agitação e irritabilidade (6).
O fármaco é comercializado na apresentação de ampola de 1 ml com concentração de 0,4mg/1ml. A ampola poderá ser diluída em 9 ml de água destilada, gerando uma concentração de 0,04mg/ml (total 10 ml) (2) ou conforme o protocolo da instituição. A medicação é compatível com soro glicosado e fisiológico nos casos em que se optar por infusão contínua e se mantém estável na solução por 24 horas (dados contidos na bula).
As formas de administração são IV (preferida), intramuscular (IM), subcutânea (SC), inalatório (nebulização), intranasal, endotraqueal e intraósseo (1,2).
O início da ação é variável a depender da forma de administração (endotraqueal, IM e SC de 2 a 5 minutos; nebulização 5 minutos; inalatória de 8 a 13 minutos; IV 2 minutos) e apresenta curto tempo de duração, variando entre 30 e 120 minutos. Os profissionais de saúde devem ter especial atenção para esta informação, visto que pacientes com intoxicação grave podem recuperar a respiração espontânea e o nível de consciência após a dose inicial do antídoto e após retornar ao coma, gerando morbidade ao paciente (1).
A dose inicial parenteral (IV, IM, SC) varia de 0,4 a 3 mg e pode ser repetida a cada dois ou três minutos até reversão dos sintomas. Doses adicionais extras podem ser necessárias (após 20 a 30 min) a depender do tipo de opióide utilizado e de seu tempo de duração. Caso o paciente não apresente retorno a ventilação espontânea após 5-10 mg da droga o diagnóstico de intoxicação por opióide deverá ser revisto (2).
Para pacientes em uso de opióides com meia-vida prolongada, como a metadona, o uso da naloxona em infusão contínua é uma opção. Sempre administrar bolus da medicação 15 min antes de iniciar a infusão contínua. Geralmente a dose utilizada será a ½ da dose que foi necessária para a reversão inicial do quadro e após manter 2/3 da dose em infusão contínua por hora (tipicamente 0,25-6,25 mg/h) (2).

Exemplo:
Foi necessário 3 mg para restabelecer a ventilação espontânea:
·         Opção 1 - Repetir 3 mg de forma intermitente a cada 30 a 60 minutos
·         Opção 2 - Fazer ataque de 1,5 mg e manter 2 mg/h em infusão contínua.


Pacientes recebendo doses terapêuticas de opióides que evoluírem com depressão respiratória poderão receber doses menores de naloxona, com dose inicial IV, IM ou SC recomendada de 0,04 a 0,4 mg, repetindo conforme necessário. Se resposta não alcançada após 0,8 mg de dose total, pesquisar de outro diagnóstico. Indivíduos em pós-operatória poderão receber 0,1 a 0,2 mg IV a cada 2 a 3 min. Repetir dose a cada uma ou duas hora a depender da dose e do opióide utilizado (2).
Nos casos em que se deseja o controle do prurido orienta-se infusão contínua de 0,25 mcg/Kg/hora, objetivando reverter o efeito colateral e não a analgesia (2).
Outras formas alternativas de administração do fármaco e respectivas doses estão resumidas na tabela 1 (2).

Tabela 1: Formas alternativas de administração da naloxona
Forma de administração
Dose inicial
Observações
Endotraqueal
0,8 a 5 mg
2-2,5 vezes a dose IV inicial
IM ou SC
0,4 mg
Repetir a cada 2 a 3 min se necessário
Intranasal
1 mg em cada narina
Repetir a cada 5 min se necessário.
Inalação
2 mg
Repetir se necessário.
Todas as formas alternativas às parenterais deverão ser trocadas para administração IV assim que possível


A medicação é relativamente contra-indicada em gestantes nas quais a abstinência aos opióides pode precipitar o trabalho de parto prematuro. Porém o médico deverá pesar risco benefício nos casos com depressão respiratória grave. Não é necessário ajuste de dose em pacientes idosos, com insuficiência renal ou hepática (7).

Os efeitos colaterais estão disponíveis na tabela 2 (6).

Tabela 2: Efeitos colaterais da naloxona
Efeitos colaterais da naloxona
Maioria decorrente da síndrome de abstinência aos opióides e desencadeados por descarga catecolaminérgica
Febre, rubor, hipertensão, hipotensão, taquicardia, fibrilação ventricular, taquicardia ventricular
Agitação, alucinações, irritabilidade, inquietação, tremores e coma
Cólicas gastrointestinais, diarréia, náusea e vômitos
Dor, parestesias, piloereção, tremor, astenia, diaforese e calafrios
Dispnéia, hipoxemia, edema pulmonar, depressão respiratória, rinorréia e espirros

Em resumo, a naloxona é uma medicação valiosa nos casos em que se objetiva o diagnóstico de intoxicação por opióides e a reversão de seus efeitos colaterais. Para o uso seguro da medicação algumas informações devem ser lembradas: 1. O objetivo primordial da naloxona é o restabelecimento da ventilação espontânea e não do status neurológico; 2. O fármaco deverá ser usado com cautela em pacientes cardiopatas pelo risco de estimulação simpática, principalmente em pacientes com risco de evoluir com síndrome de abstinência; e 3. A meia-vida dos opióides é maior que a da naloxona e que doses adicionais intermitentes poderão ser necessárias.

Referências:

  1. Schumacher MA, Basnaum AI. Analgésicos opióides e antagonistas. In: Katzung BG, Masters SB, Trevor AJ, editors. Farmacologia básica e clínica. 12ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2014.543-64.
  2. Naloxone: Drug information. Disponível em: www.uptodate.com.
  3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21957831
  4. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15781505
  5. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21785031
  6. Stolbach A, Hoffman RS. Acute opioid intoxication in adults. Última atualização em: Apr 03, 2014. Disponível em: www.uptodate.com
  7. Dowsett RP, Yup L. Intoxicação por opióides. In: Irwin RS, Rippe JM, editors. Terapia intensiva. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 1379-84. 

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