sábado, 7 de fevereiro de 2015

Infecção no transplantado renal: uma questão de tempo?


         A complicação infecciosa é a segunda causa de mortalidade nos receptores de transplante renal, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. Correspondem a 15-21% dos óbitos, lideram as causas de internações na unidade de terapia intensiva e aumentam o risco de morte e disfunção do enxerto (1).
        O status imune e o risco de infecção estão diretamente relacionados à dose e a duração da terapia imunossupressora; doenças autoimunes prévias; integridade de barreiras mucocutâneas; presença de tecidos desvitalizados e coleções; toxicidade medular por drogas (linfopenia, neutropenia); condições metabólicas (uremia, desnutrição, diabetes, cirrose) e infecção por vírus imunomoduladores, como vírus Epstein-Barr (EBV), hepatites virais e o vírus da imunodeficiência humana (2).
        As infeções no pós-transplante refletem a relação entre as exposições epidemiológicas do receptor do órgão e a estratégia imunossupressora empregada, de forma a possibilitar que seja traçada uma linha do tempo para orientar alguns possíveis diagnósticos diferenciais (3).
        No primeiro mês pós-transplante, os fatores relacionados à técnica cirúrgica e aos cuidados pós-operatórios em terapia intensiva são os seus principais determinantes, sendo as infecções nosocomiais as mais observadas. O risco está diretamente relacionado ao tempo de permanência dos dispositivos invasivos (cateteres e sondas), bem como a presença de tecido desvitalizado ou coleções (2,4,5). Neste contexto citamos os fungos e bactérias nosocomiais ocasionando infecção de ferida operatória, pneumonia, infecção de trato urinário ou de corrente sanguínea relacionada ao cateter. Em alguns casos os agentes infeciosos podem ser transmitidos pelo órgão transplantado (6).
        O aparecimento de agentes oportunistas é mais frequente entre o primeiro e o sexto mês, época em que a terapia imunossupressora é máxima. Neste período as infecções por vírus imunomoduladores, como o citomegalovírus, tornam-se importantes, predispondo o receptor a infecções por Pneumocystis jiroveci, Listeria monocytogenes e Aspergillus fumigatus. Infecções por Herpes simples, Herpes zóster, Mycobacterium tuberculosis e EBV também podem ocorrer (6). Durante este período o uso de sulfametoxazol-trimetoprima profilático atua prevenindo a maioria das infecções de trato urinário e infecções oportunistas por pneumocistose, listeriose, toxoplasmose e nocardiose (3).
        Após seis meses, a função do enxerto geralmente é suficientemente estável para permitir a redução do nível de imunossupressão. Consequentemente, as infecções são em grande parte devido aos patógenos bacterianos comumente adquiridos na comunidade, como a doença pneumocócica e a legionelose, e as virais, tais como vírus sincicial respiratório, influenza e parainfluenza. As infecções oportunistas são menos frequentes, ocorrendo no subgrupo de pacientes que necessitam de imunossupressores em doses mais altas, como durante os episódios recorrentes de rejeição aguda ou crônica (2,4,5).
        Porém, mesmo sendo uma ferramenta útil para a formação de diagnósticos diferenciais, estudiosos afirmam que este velho paradigma entre TEMPO x INFECÇÂO vem sendo quebrado. Os períodos de imunossupressão excessiva em pacientes em tratamento de rejeição do enxerto, as mudanças nos regimes de imunossupressores e o uso cada vez mais frequente de terapias de indução que depletam os linfócitos T, atuam aumentando a chance de infecções virais (ex: CMV), fúngicas e de doença linfoproliferativa pós-transplante (PTLD). A melhora nos exames diagnósticos tem possibilitado um aumento na identificação e tratamento de agentes oportunistas; a mudança no perfil socioeconômico e geográfico de doadores e receptores de órgãos tem alterado a epidemiologia infecciosa habitual; e o uso cada vez mais rotineiro de antibióticos profiláticos tem reduzido significativamente o risco de infecções oportunistas. No fim, a qualquer momento pode surgir um “restart” e infecções oportunistas podem ocorrer fora do período habitual e com gravidade incomum, assim como a ausência das mesmas (3).
        Frente à alta morbidade e mortalidade destes pacientes, a definição diagnóstica da doença infecciosa torna-se vital e a sobrevida do doente pode depender da nossa capacidade de diagnosticar e tratar corretamente.  Então fica a dica: sempre lembrar que o tempo de transplante pode nos dar boas pistas sobre possíveis diagnósticos diferenciais, porém infeções oportunistas podem ocorrer a qualquer momento e uma boa anamnese buscando exposições epidemiológicas, uso de antibióticos profiláticos e tratamento recente para rejeição do enxerto podem ser fundamentais para acertar o diagnóstico.




                          Figura contida na referência 3.

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