A complicação infecciosa
é a segunda causa de mortalidade nos receptores de transplante renal, perdendo
apenas para as doenças cardiovasculares. Correspondem a 15-21% dos óbitos,
lideram as causas de internações na unidade de terapia intensiva e aumentam o
risco de morte e disfunção do enxerto (1).
O status imune e o risco de infecção estão diretamente relacionados à
dose e a duração da terapia imunossupressora; doenças autoimunes prévias;
integridade de barreiras mucocutâneas; presença de tecidos desvitalizados e
coleções; toxicidade medular por drogas (linfopenia, neutropenia); condições
metabólicas (uremia, desnutrição, diabetes, cirrose) e infecção por vírus
imunomoduladores, como vírus Epstein-Barr (EBV), hepatites virais e o vírus da
imunodeficiência humana (2).
As infeções no pós-transplante refletem a relação
entre as exposições epidemiológicas do receptor do
órgão e a estratégia imunossupressora empregada, de forma a
possibilitar que seja traçada uma linha do tempo para orientar alguns
possíveis diagnósticos diferenciais (3).
No primeiro mês
pós-transplante, os fatores relacionados à técnica cirúrgica e aos cuidados
pós-operatórios em terapia intensiva são os seus principais determinantes,
sendo as infecções nosocomiais as mais observadas. O risco está diretamente
relacionado ao tempo de permanência dos dispositivos invasivos (cateteres e
sondas), bem como a presença de tecido desvitalizado ou coleções (2,4,5). Neste
contexto citamos os fungos e bactérias nosocomiais ocasionando infecção de
ferida operatória, pneumonia, infecção de trato urinário ou de corrente
sanguínea relacionada ao cateter. Em alguns casos os agentes infeciosos podem
ser transmitidos pelo órgão transplantado (6).
O aparecimento de agentes oportunistas é mais
frequente entre o primeiro e o sexto mês, época em que a terapia
imunossupressora é máxima. Neste período as infecções por vírus
imunomoduladores, como o citomegalovírus, tornam-se importantes, predispondo o
receptor a infecções por Pneumocystis
jiroveci, Listeria monocytogenes e
Aspergillus fumigatus. Infecções por
Herpes simples, Herpes zóster, Mycobacterium
tuberculosis e EBV também podem ocorrer (6). Durante
este período o uso de sulfametoxazol-trimetoprima profilático atua prevenindo a
maioria das infecções de trato urinário e infecções oportunistas por pneumocistose,
listeriose, toxoplasmose e nocardiose (3).
Após seis meses, a função do enxerto
geralmente é suficientemente estável para permitir a redução do nível de
imunossupressão. Consequentemente, as infecções são em grande parte devido aos
patógenos bacterianos comumente adquiridos na comunidade, como
a doença pneumocócica e a legionelose, e
as virais, tais como vírus sincicial respiratório, influenza e parainfluenza. As infecções oportunistas são menos
frequentes, ocorrendo no subgrupo de pacientes que necessitam de
imunossupressores em doses mais altas, como durante os episódios recorrentes de
rejeição aguda ou crônica (2,4,5).
Porém, mesmo sendo uma ferramenta útil para a formação de diagnósticos
diferenciais, estudiosos afirmam que este velho paradigma entre TEMPO x
INFECÇÂO vem sendo quebrado. Os períodos de imunossupressão excessiva
em pacientes em tratamento de rejeição do enxerto, as mudanças nos regimes de imunossupressores e o uso cada vez mais frequente de
terapias de indução que depletam os linfócitos T, atuam aumentando a chance de
infecções virais (ex: CMV), fúngicas e de doença linfoproliferativa
pós-transplante (PTLD). A melhora nos exames diagnósticos tem possibilitado um
aumento na identificação e tratamento de agentes oportunistas; a mudança no
perfil socioeconômico e geográfico de doadores e receptores de órgãos tem
alterado a epidemiologia infecciosa habitual; e o uso cada vez mais rotineiro
de antibióticos profiláticos tem reduzido significativamente o risco de
infecções oportunistas. No fim, a qualquer momento pode surgir um “restart” e infecções
oportunistas podem ocorrer fora do período habitual e com gravidade incomum, assim como a ausência das mesmas (3).
Frente à alta
morbidade e mortalidade destes pacientes, a definição diagnóstica da doença
infecciosa torna-se vital e a sobrevida do doente pode depender da nossa
capacidade de diagnosticar e tratar corretamente. Então fica a dica: sempre lembrar que o tempo
de transplante pode nos dar boas pistas sobre possíveis diagnósticos
diferenciais, porém infeções oportunistas podem ocorrer a qualquer momento e
uma boa anamnese buscando exposições epidemiológicas, uso de antibióticos
profiláticos e tratamento recente para rejeição do enxerto podem ser
fundamentais para acertar o diagnóstico.
Figura contida na referência 3.
Referência:
6. Vella J. Differential diagnosis of infection following
renal transplantation. Uptodate. [atualizada em: 2013 Apr
03, acesso
em 2015 Feb 02]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/differential-diagnosis-of-infection-following-renal-transplantation?source=search_result&search=renal+transplante&selectedTitle=52~150
Nenhum comentário:
Postar um comentário