quinta-feira, 28 de junho de 2012

O que fazer quando a saturação arterial de oxigênio não melhora? (parte 2)



#   Enviado por Dr. Luciano Azevedo - Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, Professor da Disciplina de Emergências Clinica da FMUSP, Medico Intensivista e Pesquisador do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa , diarista da UTI da Disciplina de anestesiologia dor e terapia intensiva da UNIFESP. Dr. Luciano é também coordenador do Curso Nacional de Atualização em Terapia Intensiva. Agradecemos por dividir seus conhecimentos através do pacientegrave.com.  #

         Em pacientes que permanecem hipoxêmicos após utilização de todas as manobras descritas no post anterior, temos as opções das terapias de resgate para hipoxemia refratária. Uma primeira estratégia de resgate ventilatória desses pacientes é a utilização de manobras de recrutamento. Define-se manobra de recrutamento como o processo de aumento temporário da pressão transpulmonar, de modo a vencer a pressão crítica de abertura dos alvéolos previamente colapsados...
Em modelos experimentais de SDRA, as manobras de recrutamento foram eficazes em melhorar a troca gasosa e abrir áreas colapsadas. Os resultados de estudos clínicos são mais variáveis, dependendo do mecanismo de lesão inicial ao pulmão, tempo de evolução da SDRA e técnica de recrutamento empregada. As manobras de recrutamento são frequentemente associadas ao uso de PEEPs elevados nestes pacientes com o objetivo de abrir as unidades colapsadas (com o recrutamento) e mantê-las abertas (com o PEEP). Contudo, as manobras de recrutamento, quando mal realizadas, podem associar-se a efeitos indesejáveis como pneumotórax, hipotensão (notadamente em pacientes hipovolêmicos) e dessaturação oximétrica. Por outro lado, nenhum estudo até agora realizado foi capaz de identificar um efeito benéfico da manobra sobre a evolução dos pacientes. Assim, as manobras de recrutamento alveolar têm sido reservadas para pacientes com hipoxemia grave não responsiva às estratégias ventilatórias habituais. Existem várias opções de manobras de recrutamento, como por exemplo a manutenção de pressões continuas positivas nas vias aéreas de 40 cmH2O durante 40 segundos. Outra opção é o recrutamento escalonado, onde PEEPs são aumentados progressivamente de 5-5 cmH2O a intervalos de 2 a 4 minutos a partir de 25 cmH2O, sempre mantendo-se pressões de pico 15 cmH2O acima do PEEP.
            Outra opção para tratar pacientes com hipoxemia grave é a posição prona. Estudos pequenos mostraram melhora da oxigenação de 60 a 80% com a posição prona em pacientes com SDRA. A posição prona libera as regiões dorsais comprimidas na posição supina através da maior pressão pleural local, peso do coração e estruturas mediastinais, resultando em maior recrutamento de áreas colapsadas. Deste modo, há redução de áreas de shunt intrapulmonar e melhor acoplamento da ventilação/perfusão, favorecendo uma ventilação mais homogênea, com menos hiperdistensão. O efeito sobre a troca gasosa está sujeito à manutenção da posição prona e perde-se, de forma parcial ou total, após o retorno à posição supina. Portanto, quando aplicada essa estratégia com o objetivo de melhorar a hipoxemia, o paciente deve permanecer em posição prona por períodos prolongados (por exemplo, > 18h/dia). Os estudos clínicos randomizados têm demonstrado melhora nas trocas gasosas com a posição prona, embora tais efeitos não tenham se revestido em melhora da mortalidade. A analise de subgrupo dos pacientes mais graves desses estudos sugere que esse tipo de estratégia pode reduzir a mortalidade dessa população específica. Portanto, apesar de melhora comprovada na oxigenação, o posicionamento em prona não deve ser empregado rotineiramente, podendo ser usado em pacientes com SDRA graves, com altos níveis de pressão positiva e FiO2.
O óxido nítrico (NO), um fator vascular derivado do endotélio, é um importante mediador endógeno de vários processos fisiológicos in vivo e causa relaxamento da musculatura lisa e a consequente vasodilatação. A vasodilatação resulta da redução da concentração de cálcio na musculatura lisa vascular mediado pelo NO. O uso de NO inalatório tem a vantagem potencial de permitir efeitos locais a nível pulmonar, teoricamente sem efeitos sistêmicos significativos. A utilização de NO inalatório afeta a troca gasosa, por aumentar o fluxo sanguíneo para as áreas ventiladas e inadequadamente perfundidas, melhorando, assim, o distúrbio ventilação/perfusão. Após o estudo de modelos experimentais de SDRA, nos quais o uso de NO inalatório reduziu as pressões pulmonares e melhorou a oxigenação, a sua utilidade foi estudada em ensaios clínicos. Esses estudos sugerem efeito vasodilatador no território pulmonar (redução da pressão de artéria pulmonar) e melhora do desempenho ventricular direito. Em muitos pacientes, a melhora do NO na oxigenação parece limitada às primeiras 24 a 48 horas de terapia, e é necessária a sua retirada gradual para evitar o efeito rebote. Estudos multicêntricos não mostraram redução na mortalidade de pacientes com SDRA tratados com NO, ficando essa terapia reservada para resgate de formas muito graves da doença.
Um percentual considerável dos pacientes com SDRA grave utiliza bloqueadores neuromusculares (BNMs) em qualquer período de seu tratamento. O objetivo da utilização desses medicamentos é melhorar a sincronia do paciente em ventilação mecânica, reduzir o consumo de oxigênio sistêmico e, consequentemente, melhorar a oxigenação arterial. Estudos iniciais com uso de BNMs demonstraram que esses fármacos também parecem ter efeito na redução da inflamação pulmonar associada à SDRA. Todavia, o seu uso clínico tem sido relacionado ao desenvolvimento de fraqueza muscular associado à doença crítica, notadamente quando administrado em conjunto com corticosteroides. A despeito das evidências do malefício do uso de BNMs, um estudo recente demonstrou que os pacientes com SDRA poderiam se beneficiar da utilização de infusão contínua precoce, por 48 horas, de cisatracúrio, obtendo retirada mais rápida do suporte ventilatório e redução da mortalidade, quando ajustada pela gravidade da doença. Não houve uma maior incidência de fraqueza muscular no grupo que recebeu BNMs.
Por fim, uma terapia de resgate que vem ganhando importância no tratamento de pacientes com hipoxemia refratária é o suporte respiratório extracorpóreo (ECMO). Tal sistema é utilizado em centros especializados pediátricos e adultos de insuficiência respiratória e cardíaca. A oxigenação extracorpórea é um sistema capaz de dar suporte às trocas gasosas, permitindo o “descanso” pulmonar até a recuperação da doença, além de diminuir os potenciais efeitos lesivos da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica. A ECMO pode ser considerada a terapia de resgate definitiva para pacientes com hipoxemia refratária, já que, durante a utilização do sistema, a troca gasosa pulmonar não é necessária. A técnica da oxigenação extracorpórea consiste em remover o sangue do paciente com a utilização de uma bomba (centrífuga ou peristáltica) e impulsioná-lo através de um pulmão artificial (membrana). Podem ser utilizados acessos venoarteriais, nos quais retira-se sangue da circulação venosa, devolvendo-o na aorta, com o objetivo principal de dar suporte cardiopulmonar (débito cardíaco e troca gasosa pulmonar). Para o tratamento da hipoxemia refratária, a técnica mais utilizada é a venovenosa, na qual o sangue é retirado e devolvido no sistema venoso do paciente, oferecendo, assim, apenas suporte respiratório. As principais complicações da ECMO estão relacionadas à ativação da coagulação pelo sistema extracorpóreo, com aumento da incidência de sangramento. Do mesmo modo, as técnicas venoarteriais associam-se a riscos de isquemia de extremidades (de até 25% nas diversas casuísticas). Os primeiros estudos prospectivos com essa técnica foram negativos, provavelmente em virtude de dificuldades técnicas e elevada incidência de complicações. Contudo, recentemente, o desenvolvimento de novas membranas com biocompatibilidade e revestidos com heparina reduziu muito as complicações da anticoagulação e a resposta inflamatória induzida pelo suporte extracorpóreo. No ano de 2009, com o surgimento dos casos de influenza A (H1N1) e da síndrome respiratória aguda, que vitimou muitos pacientes com essa condição, a ECMO foi novamente sugerida como uma importante ferramenta para o tratamento de pacientes com SDRA e hipoxemia refratária. Estudos prospectivos multicêntricos em andamento deverão confirmar o papel benéfico da ECMO no tratamento de pacientes com SDRA grave.

4 comentários:

  1. Excelente artigo,que continue assim!Obrigado.jgcruz

    ResponderExcluir
  2. Um resumo bem didático! Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Muito bom! Para mais informações sobre o ECMO o trecho usado foi do artigos "Oxigenação extracorpórea por membrana na hipoxemia grave: hora de revermos nossos conceitos?*"

    ResponderExcluir