domingo, 29 de janeiro de 2012

Ventilação mecânica na disfunção cardíaca: interação coração pulmão



       O coração e os pulmões estão acoplados tanto anatomicamente quanto fisiologicamente. Os sistemas cardiovascular e respiratório são funcionalmente ligados na cadeia respiratória, atuando tanto na oxigenação celular como na eliminação do CO2, o que traduz em outras palavras a relação entre oferta e consumo de oxigênio (Lei de Fick). Grande parte da interação mecânica entre estes dois sistemas relaciona-se ao local em que se encontram, caixa torácica, e o fato dos pulmões interligarem as câmaras cardíacas direita e esquerda por um sistema de vasos comunicantes. 
      Algumas das intervenções terapêuticas dirigidas para corrigir a disfunção do sistema cardiovascular podem levar a piora da função pulmonar (por exemplo, reanimação agressiva com fluidos). Do mesmo modo, o suporte ventilatório com pressão positiva nas vias aéreas podem reduzir a pressão arterial (por exemplo, o aumento da pressão torácica pode dificultar o retorno venoso e reduzir o débito cardíaco) e prejudicar a oferta de oxigênio tecidual.         
     Os casos de insuficiência respiratória relacionados à disfunção aguda do VE, com consequente edema pulmonar cardiogênico, podem estar presentes em diversas situações clínicas, como exemplos: evento isquêmico coronariano, distúrbios do ritmo, miocardite, pericardite, disfunção valvar, distúrbios de pré e pós carga do VE. Na vigência de arritmias complexas com instabilidade, isquemia miocárdica aguda e/ou choque cardiogênico, em geral o paciente será submetido à ventilação mecânica invasiva com pressão positiva e as alterações hemodinâmicas secundárias estarão evidentes.
       A maior parte dos efeitos cardiovasculares relacionados à ventilação com pressão positiva parece ser decorrente de efeitos mecânicos, associados a resposta simpática autônoma que busca contrabalançar esses mesmos efeitos. Esquematicamente, pode-se resumir esses efeitos em três categorias:

 - Alterações do retorno venoso para ambos os átrios: 
        A pré carga representa o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDFVE). Em geral, a redução do retorno venoso traduz em redução do VDFVE. O átrio direito e a veia cava estão localizados dentro do tórax. A ventilação mecânica com pressão positiva gera um aumento da pressão intra-torácica com consequente aumento na pressão atrial direita e sobre a veia cava, o que decorre na redução do retorno venoso. Se esta queda no fluxo de sangue venoso é sustentada, o VDFVE (pré-carga) será reduzida podendo impactar em redução do débito cardíaco. Nos casos em que há disfunção ventricular esquerda, o uso da ventilação mecânica com pressão positiva e consequente aumento da pressão intratorácica, leva a redução da pré carga, contribuindo para o melhor o desempenho contrátil do VE. (Figura 1).

Figura 01- Representação esquemática das possíveis alterações da interação cardiopulmonar com alterações da pressão intratorácica (PIT) e volume pulmonar total (VPT).


 
- Alterações da pós-carga de ambos os ventrículos, com possível alteração da distribuição periférica do fluxo sanguíneo. 
      A pós-carga do VE sofre influência direta da variação da pressão intra-torácica. A máxima tensão sobre as paredes do VE ocorrem no final da fase de contração isométrica, com a abertura da valva aórtIca. Durante a sístole, o volume do VE se reduz e a pós-carga diminui. Quando já existe dilatação de VE, como em pacientes com miocardiopatia dilatada, a tensão máxima nas paredes ocorre durante a sístole, pois o produto máximo entre pressão e volume ocorre nessa fase. O aumento da pressão intra-torácica promove redução da pressão transmural do VE e consequente redução da pós carga. Esse mecanismo sofre influência de outros fatores, como estado volêmico, e depende diretamente da função ventricular dos pacientes. Pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, a ventilação com pressão positiva não provoca redução significativa do débito cardíaco pois a pequena redução do retorno venoso não altera a pré-carga do VE. Entretanto essa pressão positiva é capaz de reduzir a pós carga do VE com consequente aumento do débito cardíaco.





Figura 02 – Efeito das alterações da pressão intratorácica (PIT) no balanço entre retorno venoso e débito cardíaco em relação a pressão de átrio direito. O retorno venoso diminui linearmente a medida que a pressão de átrio direito aumenta acima de 0 mmHg. Entretanto, se a pressão de átrio direito diminui abaixo da pressão atmosférica, o fluxo máximo passa a ser limitado pelo colapso venoso. O debito do ventrículo esquerdo aumenta progressivamente de acordo com as pressões de enchimento na alterações da PIT desviam a curva de função de VE de maneira paralela com a curva de retorno venoso. Redução da PIT aumenta muito pouco o débito cardíaco enquanto elevações da PIT diminuem profundamente o débito cardíaco.

- Alterações de complacência de todas as câmaras cardíacas:
            Esses efeitos (alterações de pré-carga, complacência, ou pós-carga) podem ser vistos como uma conseqüência direta ou indireta das variações de pressão alveolar. Enquanto pressões alveolares elevadas podem ser diretamente responsáveis pelo estiramento pulmonar e compressão dos capilares septais (alterando a resistência vascular pulmonar e o retorno venoso para o átrio esquerdo), a parcial transmissão das pressões alveolares à superfície pleural pode ser responsável pela compressão do saco pericárdico e das veias sistêmicas intra-torácicas, com consequentes alterações do retorno venoso descritas acima, bem como as alterações de resistência venosa sistêmica, de complacência ventricular, e de pós-carga ventricular .
       Como o ciclo respiratório é normalmente muito mais lento que o ciclo cardíaco, a passagem de sangue pelos vasos pulmonares pode ser vista como um processo contínuo, ocorrendo praticamente durante todo o ciclo respiratório, e variando apenas de acordo com as pequenas diferenças de pressão e volume encontradas durante a inspiração e a expiração. Como as pressões alveolares costumam ser mais baixas durante a expiração, e considerando-se que o tempo expiratório é comumente mais longo que a fase inspiratória, a maior parte da perfusão pulmonar tende a ocorrer durante a expiração.
    Como consequência as variações nos níveis de PEEP, exercercem influência hemodinâmica muito marcante, já que a circulação pulmonar é comprometida em seu momento de maior intensidade. Concomitantemente as influências pressóricas diretas aos vasos pulmonares e pressões intra-torácicas, é preciso considerar os importantes efeitos da chamada “interdependência ventricular” (Figura 3).


Figura 03 – Efeito da pressão expiratória final (PEEP) sobre o preenchimento do ventrículo esquerdo. Qualquer redução do retorno venoso sistêmico faz com que o influxo do ventrículo direito resulte na diminuição do retorno venoso pulmonar e diminuição do fluxo para o ventrículo esquerdo, isto porque os ventrículos trabalham em série. Além disso, devido ao acoplamento passivo entre ventrículo direito e esquerdo, a PEEP pode levar a efeitos mecânicos direto sobre o preenchimento ventricular esquerdo decorrente da transmissão de pressão sobre as fibras musculares em comum, sobre o septo interventricular comum, e sobre o espaço pericárdico. Esta interação entre os ventrículos, noa qual a função de um influencia sobre a função do outro, é chamado de interdependência ventricular. Classicamente, a interdependência ventricular ocorre pelo aumento do volume VD, o qual diminui a complacência distolica ventricular, pré-carga e débito de VE.   Modificado de Luecke e cols.

         Em concordância com essas colocações, estudos hemodinâmicos comparativos entre diversos modos de ventilação mecânica demonstram que, independentemente do modo específico de ventilação, a pressão média de vias aéreas é o principal responsável pelos efeitos cardiovasculares associados à ventilação mecânica(40). Aumentos do tempo inspiratório, diminuição do tempo expiratório (principalmente quando associados à inversão da relação I:E), grandes pausas inspiratórias, uso de altos volumes correntes, uso de fluxos inspiratórios decrescentes, e uso de PEEP são manobras que tendem a elevar a pressão média de vias aéreas, podendo comprometer a situação hemodinâmica, em especial na população de cardiopatas. Resumindo os complexos efeitos da PEEP sobre a hemodinâmica, os aspectos mais importantes para monitorizar à beira do leito são as consequências potencialmente prejudiciais para o retorno venoso e pós carga do VD.
            Os artigos a seguir pormenorizam a discussão acima de maneira muito interessante.

Referências:
1. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16917432
2. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17198043
3. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16356246 
4. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16306058
5. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19094381 

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