Hiperglicemia aguda é uma
condição bastante frequente nos pacientes criticamente enfermos, incluindo
aqueles internados nas unidades de terapia intensiva (UTI) (1). Até recentemente era aceita como uma resposta
metabólica adaptativa adequada e até mesmo benéfica neste grupo de doentes.
Contudo, a partir de 1980, uma série de estudos começaram a correlacionar tal
condição, particularmente a hiperglicemia grave, ao aumento de morbidade e mortalidade
em uma gama variada de pacientes (2,3,4,5,6)...
Isto ocorre, pois o aumento
glicêmico promove efeitos sistêmicos osmóticos afetando o balanço hídrico,
altera a resposta inflamatória e imune -
dificultando adesão de células inflamatórias, quimiotaxia e fagocitose -
o que gera maior risco de infecção, aumenta a permeabilidade e oclusão capilar,
bem como promove angiogênese levando a lesão de órgãos alvos e disfunção de
múltiplos órgãos e sistemas.
Em
2001, Van den Berghe e colaboradores (7) publicaram um estudo que modificou de
forma radical a abordagem convencional que tolerava níveis glicêmicos altos. Analisando
1548 pacientes admitidos em uma unidade cirúrgica, e que contava com uma
maioria de pacientes em pós operatório de cirurgia cardíaca, randomizados em
dois grupos – controle intensivo com insulina (alvo: 80 – 110mg/dl) e controle
glicêmico convencional (alvo: 180 – 200mg/dl, com início de insulina em BIC
quando a glicose sérica ultrapassava 215 mg/dl) – demonstrou, de forma
significativa, diminuição de mortalidade e de morbidade naquele grupo. Incluindo
redução de transfusão sanguínea, infecção de corrente sanguínea, terapia renal
substitutiva, dias de ventilação mecânica e polineuropatia do doente crítico. Não
houve diferença nos episódios de hipoglicemia (< 40 mg/dl). Os resultados foram
tão impactantes, que na época uma série de serviços e até mesmo o Surviving Sepsis Campaign passaram a
adotar e até recomendar o controle intensivo de glicose sérica. Contudo, não
foi considerada uma verdade absoluta, sendo inclusive questionada por alguns estudiosos,
uma vez que o trabalho havia sido realizado em um único centro e com um
subgrupo muito específico de pacientes, o que gerava necessidade de maior
investigação científica.
Posteriormente,
em 2004, Krisley (8) sugeriu que o controle glicêmico intensivo em unidade de
terapia intensiva geral eventualmente poderia aumentar mortalidade e morbidade.
Van
den Berghe e colaboradores (9), em um estudo publicado em 2006, com 1200
pacientes, com o mesmo protocolo de 2001, tentou replicar os resultados achados
previamente, só que desta vez em uma UTI que incluía pacientes cirúrgicos e não
cirúrgicos, não obtendo resultados semelhantes. A mortalidade hospitalar não
diminuiu no grupo de controle intensivo da glicemia, embora analise de subgrupo
demonstrou esta condição nos pacientes internados por mais do que 3 dias na
UTI. Além disso, o número de episódios de hipoglicemia foi maior do que no seu
estudo anterior. Novamente se tratava de um estudo unicentrico.
O
estudo VISEP (Efficacy of Volume Substitution and Insulin Therapy in Severe
Sepsis), publicado dois anos depois, em 2008, desenhado para randomizar 600
pacientes em dois grupos, o de controle intensivo de insulina versus controle
convencional, teve que ser suspenso com 488 doentes, pois não estava gerando
diferença de mortalidade, mas aumentando de forma significativa os episódios de
hipoglicemia, estes sim ocasionando mais óbito e complicações (10). Pelos mesmos
motivos o estudo multicêntrico, europeu, GLUCONTROL, também foi interrompido
precocemente, com 1109 pacientes inclusos, sendo que a meta inicial seria 3500
doentes, embora caiba a ressalva que neste trabalho uma série de violações do
protocolo foram cometidas, o que acabaria gerando um viés caso o mesmo fosse
concluído.
Em
2009 foi publicado o maior estudo sobre controle glicêmico na UTI até o
momento. NICE SUGAR (11) foi desenhado para tentar acabar com as dúvidas que
pairavam sobre o alvo de glicemia ideal, uma vez que os resultados anteriores
eram contraditórios. O peso do trabalho ocorre por ser multicêntrico, tendo
sido realizado em 42 hospitais (38 hospitais terciários e 4 comunitários),
randomizado, controlado e com um número significativo de pacientes, totalizando
6014 (cirúrgicos e não cirúrgicos). Estes foram divididos em dois grupos: o de
controle intensivo com meta de alvo glicêmico entre 81 e 108 mg/dl e os de
controle convencional com alvo menor ou igual a 180 mg/dl. Os resultados
mostraram, de forma significativa, que aqueles que realizaram controle
intensivo além de morrerem mais, apresentaram maior número de episódios de
hipoglicemia severa (< 40). Além disso, diferentemente do que havia ocorrido
no primeiro estudo da Van den Berghe, não houve diferença no tempo de
ventilação mecânica, tempo de internação no hospital e na UTI, terapia de
substituição renal.
Sequencialmente,
foi publicado uma metanálise, com 26 trials, bastante heterogêneos, incluindo
o então recém publicado NICE SUGAR. Este trabalho não evidenciou diferença de
mortalidade por causa geral entre grupo intensivo e não intensivo, exceção
feita ao subgrupo de pacientes cirúrgicos, que eventualmente poderiam se
beneficiar de um alvo mais restrito, embora as características destes pacientes
ainda sejam incertas. Quando analisados episódios de hipoglicemia, sem dúvida o
grupo intensivo apresentou uma quantidade maior de eventos (12). Os resultados
desta metanálise estão demonstradas na figura 1 e figura 2.
Outra
situação que vem sendo bastante estudada é a variação glicêmica. Sabe-se que
grandes variações aumentam de forma significativa a mortalidade, quando
comparada com pequenas distorções (13).
Frente
ao grande número de publicações o que podemos concluir atualmente? Alvo
glicêmico abaixo de 180 mg/dl evitando controle extremamente intensivo, para
que o número de episódios de hipoglicemia diminua, uma vez que sabidamente
aumentam a mortalidade. Associado a isso, realizar o controle de forma
criteriosa, através de protocolos institucionais, para se evitar as grandes
variações glicêmicas.
Referências:
(3). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9033300
(12). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19318387
(13). http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24914256
Excelente texto e bem esclarecedor. Como endocrinologista, vejo a importância do controle glicemico desde o ambiente intensivo, visto diminuir tempo de internação e prognóstico destes pacientes quando de alta para enfermaria.
ResponderExcluirLeticia Maxta
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